Ao reler um dos artigos de Carlos Silva Lopes na compilação dos seus textos, efectuada pelo GEAD Gabinete de Estudos de Arte Decorativas da Universidade Católica Portuguesa, edição de 2004, encontrei o texto "Algumas peças de mobiliário nas tábuas votivas portuguesas", publicado no suplemento semanal de O Primeiro de Janeiro, de 3 de Novembro de 1968, onde o autor faz referência a peças de mobiliário desenhadas nessas ingénuas representações votivas. Para além do seu carácter devocional e de agradecimento pelas graças concedidas, são, também, excelentes fontes documentais para o estudo socio económico das épocas em reporte, dado que, muitas delas são datadas.
Neste exemplar, pintura a óleo sobre tela, Dª Maria Antónia Teixeira Chaves agradece a intercessão de Nossa Senhora das Ermidas, pela sua cura devida a um perigozo aborto ocorrido em Dezembro de 1776. O ambiente retratado indicia uma casa nobre. O seu proprietário, João F. Moraes Sarmento, fidalgo de caza de S. Mage. morador na cid de Miranda Reyno de Portugal, pertencia à fidalguia do reino. A imagem de N. Srª das Ermidas surge ao alto, à direita, sobre nuvens. A composição restante mostra o interior do quarto, com a doente repousando num leito de espaldar e dossel. Os tecidos são luxuosos, com rendas, franjas e borlas. Outros móveis, como um armário e cadeiras de braços, podem também, ser vistos. O tecto, dividido em caixotões com fechos de talha, mostra a riqueza da família e alguma educação artística do pintor, que representou, com fidelidade, alguns pormenores, que se evidenciam nas "franjas dos cortinados, nas rendas dos lençóis e cobertas das camas dos doentes"1.
Ex voto invocando Nossa Senhora das Neves ao Captam José d'Affonseca Pinto caso o livrasse de uma grave moléstia (...) Seixo Setembro da era de 1719. A cena representa o interior do quarto do capitão, onde se pode observar o doente, na sua cama de dossel, com panejamentos e cobertas. Está rodeado dos seus serviçais, em atitude de agradecimento a Nossa Senhora que, representada entre nuvens, se encontra em posição cimeira, à esquerda. O pintor representou o quarto com as paredes, chão e tecto pintados de cores variadas. O exame atento destas pinturas revela " facetas curiosíssimas da vida doméstica portuguesa"2.
Este último ex voto, de cariz mais popular, representa uma graça concedida por Santo António, que livrou uma menina de ser atropelada por um carro de bois. Este quase acidente teve lugar em Vila do Conde, no ano de 1719.
Representa uma cena de exterior, na qual se pode ver uma rua de Vila do Conde onde circula um carro puxado por bois, carregado de sacos e conduzido por um homem do povo. A menina, objecto da graça concedida por Santo António, encontra-se debaixo do carro. A imagem de Santo António, posiciona-se à esquerda, envolvida numa nuvem.
Para terminar esta breve abordagem, ainda nas palavras de Carlos da Silva Lopes " erros e fantasias dos autores das pinturas votivas não anulam o valor documental das representações, quaisquer que elas sejam". Trate-se de cenas marítimas ou terrestres, de acidentes de viação, de desastres ou de enfermidades na própria casa, com frequência as promessas apresentam pormenores de interesse para a compreensão da vida de outros tempos"3.
1/2/3- Carlos da Silva Lopes " Estudos de História do Mobiliário", pág.123 e 125.