quinta-feira, 11 de abril de 2013

Os Ratinhos e a Faiança Ratinha

Ganhão - in SOUSA, Alberto
"O Trajo Popular em Portugal nos séculos XVIII e XIX"
Os Ratinhos, beirões serranos, sazonalmente, iam trabalhar nas herdades alentejanas. Contratados à época, partiam a pé e, mais tarde, de combóio ou de camioneta, para as herdades que os iam albergar durante o tempo que durava a ceifa.
Nas suas roupas de cotim, matraqueando o chão que pisavam,  seguiam em filas ordeiras, não deixando que nada ou ninguém os desviasse do seu propósito - chegar a tempo ao destino que os esperava. O trabalho, árduo e esgotante, era recompensado com a paga final que com eles traziam e ia alimentar a família até à próxima jornada, dali a um ano.
As migrações sazonais que, de Norte para Sul, se dirigiam para o Alentejo, provinham, maioritariamente, do distrito de Castelo Branco. 
Por transposição, o nome estendeu-se às peças de faiança que levavam e utilizavam nas parcas refeições. Daí a designação de Faiança Ratinha. Como eles, grosseira e forte,  era transportada nos alforges para, por vezes, servir de moeda de troca por outros produtos, muitas vezes trapos e panos. Era com estes que, posteriormente, nas noites de inverno, iriam tecer as mantas ratinhas. Daí que,  os ratinhos fossem, também,  chamados de "troca-trapos".
A Faiança Ratinha, tão agradável pelo seu cromatismo e ornamentação, tem lugar de destaque na produção cerâmica coimbrã. A produção desta louça decorreu durante todo séc. XIX, terminando cerca da terceira década do século XX.
Proponho-me, neste blog, apresentar alguns dos seus exemplares.



Este prato  integra-se na categoria da figuração humana. Representa uma "violeira". Pelo seu aspecto juvenil, doce e tranquilo, pelo traje e penteado constata-se uma cuidada e conseguida  execução da pintura, o que a distancia de outras representações, mais comuns. 
Percebe-se uma diferenciação relativamente à gramática decorativa habitual, porquanto a jovem, para além de  ocupar o lugar central, se espraia para a aba. Ladeiam-na dois ramos  de flores esponjadas que a acompanham, ocupando a restante superfície.
Dentro das representações femininas, as figurações mais comuns são as que  mostram a mulher com instrumentos musicais ou em actividades relacionadas com  trabalhos considerados femininos.
É o caso deste outro prato, no qual  a  jovem senhora - uma fiandeira - exibe o mesmo tipo de traje e penteado. Ainda que, pelo vestuário, indicie ser de um nível social mais elevado, executa uma das tarefas atribuídas às mulheres, segurando nas mãos o fuso e a roca. A aba, separada do covo por duplo filete em azul, apresenta uma cercadura ondeada, com apontamentos florais no bordo.


Prato da colecção da Casa Museu José Régio.
in "OS RATINHOS, Faiança Popular de Coimbra", p.74.




Não obstante o seu cariz popular, a faiança ratinha convoca os nossos sentidos pela genuinidade e bom gosto a que dá expressão. Obra de simples artesãos, que padeciam de graves limitações económicas e se encontravam, pois, confinados a meios técnicos rudimentares, alcançou não obstante, um generalizado sucesso, por via do bom gosto que transparece do seu traço imaginativo e da cromática intensa e vibrante que a caracteriza.
O apreço de que sempre disfrutou e que crescentemente continua a ser-lhe reconhecido, especialmente às peças figurativas, cada vez mais raras, é aferível pelo elevado preço de martelo que atinge nos leilões de antiguidades. Outro referente decisivo de bom gosto decorre da afeição de que foi e continua a ser alvo por parte de coleccionadores, alguns deles  vultos notáveis das artes e letras ou figuras de grande relevo social:  Joaquim Leite de Vasconcelos – cujo legado integra o acervo do Museu Nacional de Arqueologia -, José Régio - que tem  os exemplares patentes na sua Casa - Museu-, Ruben Andresen Leitão, Moradas Ferreira, os pintores Júlio Maria Reis Pereira e Manuel Cargaleiro -  em cujo Museu se encontra nesta data exposto o conjunto das peças por ele reunidas – e o banqueiro Jorge de Brito. E vários outros nomes poderiam acrescer a esta lista.

Espero ter ocasião e razões para regressar à análise desta faiança.
Sendo este o primeiro post deste blog, quero endereçar um bem haja a quantos o visitarem, procurando que ele motive a criação de uma tertúlia que dê lugar à discussão de temas  que me empenharei em diversificar.





12 comentários:

  1. Ivete,
    Bem vinda à blogosfera. O seu grande conhecimento sobre a matéria, posto à disposição de todos por uma leitura rápida, vai ser muito útil.
    Parabéns. Um bj

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    1. Ana

      Agradeço a sua mensagem. Espero corresponder de alguma forma à amabilidade das palavras.

      Um abraço

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  2. Parabéns, Ivete, pela criação do seu blogue!
    O título é muito sugestivo e inaugurou com um excelente post sobre faiança ratinha, com belos exemplares... os pratos ratinhos do nosso encanto!
    Conhecendo alguns dos seus interesses e temas de estudo, será certamente um espaço que visitarei assiduamente, com muito gosto... e proveito!
    Um grande abraço

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    1. Maria

      Muito obrigada.Ainda bem que gostou do título do blog e das peças. Espero continuar a abordar temas que sejam do seu agrado.

      Um abraço
      Ivete

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  3. Cara Ivete

    Gostei muito das cores escolhidas para o blog, muito suaves mas isso é só um aspecto secundário, porque o mais importante é a perspectiva de irmos aprendendo sobre Ratinhos pelas mãos de uma especialista.

    Como seu aluno atento tenho já uma pergunta a fazer. A maioria dos Ratinhos provinha do Distrito de Castelo Branco, portanto terá havido um comércio realizado por feirantes, que distribuiam os produtos de Coimbra pelas Beiras. Há alguma informação sobre esse comércio?

    Parabéns pelo blog, pois foi uma óptima ideia partilhar os seus conhecimentos e julgo que a sua presença na blogoesfera como parte mais activa irá aumentar a ratinhomania, que já se criou entre nós.

    Abraços

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  4. Caro Luís
    A partilha de conhecimentos enriquece-nos a todos. Tenho aprendido imenso com o Luís,que mostra bem a sua versatilidade nas diversas temáticas que aborda.
    Coimbra e as zonas limítrofes eram mercados importantes para a produçao cerâmica, mas não suficientes para o seu escoamento. Assim, apreciada pela sua durabilidade e baixo custo, era vendida para as Beiras, Alentejo, Algarve, Ilhas, Espanha e até Brasil. Seguiam por via terrestre, fluvial e marítima. O porto da Figueira da Foz foi muito importante para este comércio.
    Um abraço

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  5. Parabéns pelo seu blogue. Atendendo ao interesse dos assuntos que se propõe abordar, ter-me-à aqui, com muita frequência, a "espreitar" aquilo que publica.
    Um abraço para si.
    emília reis

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  6. Cara Ivete
    Muitos Parabéns pela iniciativa do seu blog.
    Ao decidir aderir ao meio blogista todos os leitores vão enriquecer com a sua sapiência na faiança, nomeadamente na "ratinha" e não só, porque a IF é uma caixinha de surpresas de muito bom gosto com peças de coleção de extraordinário valor e muitos outros saberes pelos quais anseio aprender.
    Gostei da 1ª foto do tradicional campónio calçado de tamancos, chapéu de aba larga para não se queimar, podia ser barrete, de trouxa atada no pau -, muito útil ao tempo para várias funções, até de defesa.
    Os exemplares de ratinhos são de extraordinária beleza intemporal.

    O Luís interroga-se "A maioria dos Ratinhos provinha do Distrito de Castelo Branco, portanto terá havido um comércio realizado por feirantes, que distribuiam os produtos de Coimbra pelas Beiras. Há alguma informação sobre esse comércio?"
    Há um vendedor nas feiras com mais de 40 anos de atividade, um dia ao mostrar-lhe uma bacia pequena ratinha com arabescos em toda a aba que tinha acabado de comprar me disse ser fabrico de Castelo Branco (?) até falou nas diferenças em relação a Coimbra...porém não lhe dei credibilidade - não que seja um homem sensato, antes para mim loiça ratinha sempre a reconheci como de Coimbra... na próxima vez vou de novo tentar saber mais.
    Fica uma pista...pode vir a ser apaixonante para todos os amantes da faiança.
    Um abraço de confiança e muito querer para alimentar o seu ego, o meu, de outros, muitos por esta paixão,- histórias com estórias sábias!
    Isabel

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    1. Cara Isabel
      Agradeço as suas palavras e também, os juízos, embora excessivos, a meu respeito. O saber partilhado enriquece-nos a todos.
      Um abraço
      Ivete

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  7. Parabéns pela iniciativa deste blog, que já estou seguindo.
    Longa vida e sucesso para o "Tempo e Historias"!
    abraços
    Fábio

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  8. Fábio

    Obrigada pelas suas palavras. Fico contente que já tenha eco em terras brasileiras.
    Também vejo os seus blogs, nomeadamente o dos Azulejos Antigos do Rio de Janeiro.
    Um abraço

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  9. Bom Dia
    cheguei hoje até ao seu blog ao pesquisar sobre a faiança ratinha. admito que até ontem desconhecia o nome, e para mim tratavam-se apenas de "pratos antigos". neste momento estou a proceder a um inventário, e surgiram-me diversas peças "ratinho".
    ao ler o seu artigo já me foram elucidadas algumas dúvidas, mas queria lhe perguntar qual a melhor forma de datar estas peças, e como identificar a sua origem, pois percebi que existem vários focos de produção.
    agradeço desde já a ajuda disposta no blog.
    daniela pinto

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