Uma peça decorada à maneira de Delft (?) ou Nevers (?)
Na foz do rio Lima, Viana do Castelo abre-se ao Atlântico. Desde cedo vocacionada para o mar, estabeleceu laços comerciais com várias regiões, entre elas o norte da Europa. Esta imagem serve para introduzir um prato de faiança, que tanto pode ser atribuído às fábricas de Darque, em Viana, como de Massarelos, no Porto. Ambas produziram peças, marcadas ou não, com este tipo de gramática decorativa.
Imagem retirada da internet |
Este prato ladeiro pertenceu a um serviço de jantar. Na sua decoração surge uma ave exótica - a arara - empoleirada num círculo, encimando uma elaborada composição paisagística. Tal elemento é estranho às ornamentações mais usuais da nossa faiança, pelo que não é de todo despropositado imputar-lhe uma influência holandesa. Na aba, conjuntos de três pontos dispostos em pirâmide, ladeados por filetes formando serrilha.
A paleta cromática, nos tons de azul, verde, amarelo e laranja, a qualidade do esmalte, a pintura fina e bem executada permitem a sua aproximação àquela produção.
As fábricas de Viana e Massarelos também produziram peças - que colhi após uma breve investigação - com decoração semelhante à deste exemplar.
Não sabendo bem qual delas terá iniciado esse ciclo, Arthur de Sandão inclina-se para Viana "como consequência do próspero tráfico portuário que a vila mantinha com aquela nação [Holanda]. Além disso também há semelhanças de estilo e policromia no exemplar vianês, reconhecida por marca a vinoso e esmalte branco-azulado que lhe realça a afinidade com as peças de Delft".
A paleta cromática, nos tons de azul, verde, amarelo e laranja, a qualidade do esmalte, a pintura fina e bem executada permitem a sua aproximação àquela produção.
As fábricas de Viana e Massarelos também produziram peças - que colhi após uma breve investigação - com decoração semelhante à deste exemplar.
Não sabendo bem qual delas terá iniciado esse ciclo, Arthur de Sandão inclina-se para Viana "como consequência do próspero tráfico portuário que a vila mantinha com aquela nação [Holanda]. Além disso também há semelhanças de estilo e policromia no exemplar vianês, reconhecida por marca a vinoso e esmalte branco-azulado que lhe realça a afinidade com as peças de Delft".
Arthur de Sandão "Faiança Portuguesa, Séculos XVIII e XIX", pág. 175 |
Outro exemplar, muito semelhante, integra o acervo do Museu Nacional Soares dos Reis. Coincide na posição do pássaro, no duplo filete, nas ramagens, flores e barra da cercadura. Diferencia-se pelos rochedos e curso de água. Está marcado com o característico V., identificativo do fabrico de Viana.
MNSR INV 581 |
MNSR Inv 581 |
Na Exposição da Fábrica de Massarelos, realizada em 1998 no Museu Nacional Soares dos Reis e também pertencentes ao seu acervo, surgem mais dois pratos, ambos marcados, com os números de inventário 381 e 380 ( página 115 do respectivo catálogo). Neles pode observar-se uma decoração menos exuberante, com analogias no esquema organizativo, mas diferenciada a nível de pormenores. Nos dois foi aposta a marca P, em amarelo torrado, no primeiro, e a azul, no segundo.
No segundo período de produção da fábrica de Massarelos, entre 1819 e 1845, as peças apresentam uma pasta fina, esmalte branco, podendo admitir-se que as decorações fossem inspiradas em gravuras ou pintadas à mão livre, sem contornos.
MNSR Inv.381 |
MNSR Inv 381 |
MNSR Inv 380 |
MNSR Inv 380 |
A faiança holandesa de Delft, pela qualidade do seu esmalte e pela ornamentação fina e apurada, aproxima-se da porcelana chinesa. Após a conquista de Antuérpia por Filipe II, muitos ceramistas italianos, aí instalados desde o início do século XVI, vão mudar-se para a cidade de Delft. Os artesãos imitam as cores chinesas. Surge, assim, o azul de Delft.
No entanto, também produziam peças com viva policromia, como as que se seguem. O tipo de composição- pássaro representado de costas - com uma plumagem rica de cores e a cabeça inclinada para o lado esquerdo, tendo como poleiro um ramo de árvore, mostra muitas afinidades compositivas com as peças de Viana e Massarelos.
Imagem retirada da internet |
Imagem retirada da internet |
Por último, um prato de produção francesa de Nevers que conheceu o seu período áureo durante os séculos XVII e XVIII. O pormenor da arara e da libelinha, que se apresenta como seu elemento decorativo, pode bem ter sido a fonte de inspiração para os pintores de Massarelos.
Imagem retirada da internet |
Vasco Valente "Cerâmica Artística Portuense dos séculos XVIII e XIX"
Arthur de Sandão "Faiança Portuguesa dos séculos XVIII-XIX"
Bonita peça e gostei muito do seu texto, que está muito claro. Desconhecia esta decoração da arara. Hoje, aprendi um pouco mais, aliás, como acontece sempre que venho ao seu blog.
ResponderEliminarUm abraço e boas entradas
Luís
EliminarMuito obrigada pelas suas palavras amáveis. Quando vi o prato, com esta decoração tão estranha àquelas que estamos habituados a ver, também fiquei admirada. Se não fosse a barra e as cores, nada diria que poderia ser Viana ou Massarelos. São surpresas agradáveis! e
Estamos sempre a aprender.
Desejo-lhe, também, um bom 2014.
if
Ivete,
ResponderEliminarEstas decorações de Viana fazem-me lembrar a delicadeza e elegância dos motivos japoneses, particularmente da porcelana chamada Kakiemon, alguma com motivos de pássaros. E acredito que é daí que vem a influência original, adaptada em primeiro lugar pelos holandeses, na produção conhecida por Delft, embora houvesse outros centros de fabrico, e depois por outros fabricantes europeus, de porcelana e de faiança, chegando também à faiança portuguesa.
Já as cercaduras com os três pontinhos me lembram as contas, por sua vez adaptações do motivo cabeças de Ruyi da porcelana chinesa...
Foram percursos bem longos e diversificados os que deram origem a muitos motivos das nossas faianças e nestes belíssimos exemplares isso está bem patente.
Gostei muito.
Um abraço
Maria
EliminarJá sentia a sua falta, sempre tão simpática e sabedora nos comentários que faz. Concordo consigo quando diz que pode haver uma influência oriental mais recuada na produção da nossa faiança. Quanto ao motivo dos três pontos, que decisivamente se repercutiu na decoração de contas de finais de século XVII, pode também ser uma derivação mais estilizada do motivo das cabeças de Ruyi da porcelana chinesa.
São hipóteses que se vão levantando que, quem sabe, poderão vir a ser corroboradas por especialistas...
Um abraço
if