Nos dias 17,18 e 19 de Maio de 1884, realizou-se em Lisboa, na
Real Tapada da Ajuda, por iniciativa e vontade da Rainha D. Maria Pia, uma grandiosa e
magnífica quermesse, com o fim de
angariar fundos para a Associação das Creches.
Panorâmica da Real Tapada da Ajuda, in Revista Ocidente, Nº 196, 1 de Junho de 1884 |
A obra das Creches nasceu em França, por acção do advogado e filantropo Jean Marbeau. Atento às difíceis condições em que viviam os filhos do operariado fabril, iniciou o movimento de criação de locais onde as mães os pudessem deixar, enquanto trabalhavam. O primeiro estabelecimento deste género instalou-se em Paris, em Novembro de 1844.
Esse movimento propagou-se a outros países, entre os quais Portugal. No ano de 1875, nasceu, por diligências de D. Isabel de Sousa Botelho, a "Associação das Creches". Profundamente empenhada nesta obra, a rainha D. Maria Pia "desempenhou um papel essencial no impulso dado a estas novas instituições, apoiando-as financeiramente"1. Fundou a " Creche Victor Manuel ", assim denominada em honra de seu Pai, o rei Victor Manuel de Itália.
Creche Victor Manuel (Imagem retirada da internet) |
Construída em terrenos da Tapada da Ajuda, foi dotada com"todas as roupas e mobiliário precisos e o fundo inicial de 3.000$000 reis em inscrições"2. Muitas foram as creches instituídas ao longo do país, para, com a sua acção benemérita, prestarem assistência às crianças.
De um modo geral, estes estabelecimentos subsistiam graças à generosidade de particulares e, muitas vezes, pela realização de festas, saraus, bazares e récitas.
Estas acções deviam-se, na maioria das vezes, à iniciativa das elites, pois iam "ao encontro dos novos hábitos de sociabilidade desenvolvidos pela burguesia oitocentista"3. Tal foi o caso da Quermesse de que se dá notícia.
Colecção particular |
Uma comissão de honra, da qual faziam parte as mais destacadas figuras da sociedade de então, presidida pela rainha, orientou a organização dos trabalhos. Todos, entusiasmados com a ideia, queriam participar: oferecendo prendas e brindes, escrevendo loas, textos e poemas, arrematando simples flores por quantias significativas, oferecendo os seus préstimos e serviços.
A edição do Diário Ilustrado, de 17 de Junho de 1884, foi inteiramente dedicada à Kermesse. Para além de múltiplas notícias e de diversos artigos e poemas, pode ler-se: " Sua Magestade venderá flores na sua barraca para esse fim destinada, e na outra as sortes dos prémios offerecidos ás Creches. Para esta barraca Sua Magestade convidou algumas das senhoras de Commissão, e vários cavalheiros da nossa primeira sociedade "4.
O pavilhão da rainha, rústico mas elegante, foi decorado pelos jardineiros do Palácio da Ajuda. Aí se vendiam graciosos bouquets, quer de flores naturais, quer artificiais.
Muitas outras barracas se estendiam pelos terrenos da Tapada. Tudo se vendia: bolos parisienses, frutas, prendas, publicações editadas propositadamente para a ocasião. Todos queriam adquirir, nem que fosse uma simples flor, para auxiliar a obra das Creches.
A Creche (imagem retirada da internet) |
Várias obras se publicaram de propósito para a efeméride. Entre elas, um pequeno jornal, intitulado "A Creche", número único, do qual se editaram cinco mil exemplares.
Desses cinco mil números, três mil cento e setenta e sete exemplares foram vendidos durante os três dias em que decorreu a kermesse. Setecentos números seguiram para o Rio de Janeiro e cem para a Baia, no Brasil. Os restantes mil e vinte e três foram vendidos em Portugal. Nele colaboraram escritores e poetas, tendo a receita obtida com a sua venda, no valor de 1.392.970 réis, revertido a favor da Associação das Creches.
1/3- Irene Vaquinhas " As quermesses como uma forma específica de sociabilidade no século XIX. O caso da Quermesse da Tapada da Ajuda, em 1884", Revista Biblos, Vol.LXXII, 1996, pág.281.
2 -Mário Costa "Uma Quermesse de Caridade na Real Tapada da Ajuda", Lisboa, 1959, pág.42.
4 - Diário Ilustrado, 17 de Maio de 1884.
É sempre engraçado conhecer estes pequenos momentos da história, através de prospectos, folhas volantes e outros documentos a que ninguém liga. Também tenho tendência a encantar-me com estes documentos sem aparente importância.
ResponderEliminarUm abraço
Luís
EliminarSão estes pequenos momentos de história, diferentes dos "grandes", que encantam e nos dão uma outra perspectiva do passado. Ao mesmo tempo são, também, importantes para se ficar a conhecer comportamentos sociais, característicos de uma época e que hoje, verdadeiramente ultrapassados, seriam tidos como algo difícil de entender e justificar. Mas que dão prazer estudar e analisar, para mim é indiscutível.
Um abraço
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