quarta-feira, 16 de abril de 2014

Azulejos de Massarelos ou um passeio de Lisboa a Torre de Moncorvo

Azulejos de Massarelos ou um passeio de Lisboa a  Torre de Moncorvo




Gosto de "fazer a Avenida", como diziam os habitués dos finais de século XIX, quando, incansavelmente, circulavam pelas suas alamedas. Neste último sábado, percorri a feira de velharias da Avenida, na esperança de vislumbrar os azulejos de Massarelos que tinha visto no mês anterior. Lá estavam eles, muito recatados, acenando-me. Aproximei-me e foi um coup de foudre. Declararam-me o seu amor incondicional. Retribui e trouxe o meu tesouro. De cara lavada, brilham em todo o seu esplendor. Agora vão integrar o pequeno painel de azulejos que estou a reunir.
Entretanto, porque descobri algumas fachadas cobertas com exemplares iguais, entendi que tinham direito a um post.
José Meco, aventa a hipótese de ter sido a Fábrica de Massarelos a iniciar a produção de azulejos relevados. Os moldes eram cheios com argilas, trabalhadas manualmente pela pressão dos dedos, para que as massas aderissem perfeitamente às formas. No tardoz, a parte central, correspondente à zona em relevo, era escavada para "diminuir as hipóteses de deformações do barro durante a cozedura"1, processo já utilizado na produção dos azulejos do palácio de Sintra, que são do início do século XVI.


Na imagem da esquerda, nota-se claramente esse escavado central, que tinha por função dar firmeza ao relevado central.
Feitos numa pasta grosseira, a sua superfície era totalmente esmaltada a branco. A paleta cromática usada neste tipo de azulejos era constituída pelas cores branco, azul e amarelo, raramente o verde. Tinha o propósito único de "colorir os volumes ou revestir o fundo liso" 2.




Colecção Particular

Uma outra decoração relevada, também da produção de Massarelos, com a flor central mais pequena e maior relevo nos cantos que o exemplar anterior. Este apresenta a particularidade de exibir na respectiva cercadura, onde se nota a alternância de cores, um forte contraste com o azulejo: azul nos relevos e amarelo no fundo.





Rua do Quelhas, nº19, Lisboa


As fachadas de azulejos relevados, sendo abundantes nos edifícios nortenhos, rareiam para Sul. Este prédio, inteiramente recoberto de azulejos relevados de Massarelos, destaca-se pela cor, brilho e jogo de sombras. A parte da fachada rente ao passeio, ao alcance do furto de vândalos,  apresenta o mesmo motivo, mas em azul e branco. A passagem para a cor dominante - o amarelo - faz-se pela barra de cantaria e pela cercadura, nos mesmos tons, mas em alternância de cores: fundo branco, relevo em amarelo.






Pormenor curioso e para justificar o título, deixo-vos com uma fachada lindíssima, revestida pelos mesmos azulejos de flor central branca e fundo amarelo, que fotografei na Rua Manuel Seixas, em Torre de Moncorvo, Trás-os-Montes.





Esta casa, hoje adaptada a Turismo de Habitação, tem três pisos, onde sobressaem os elementos que caracterizaram a arquitectura do século XIX: o ferro, a pedra e o azulejo. Da sua conjugação resultou um belo edifício, que se enquadra bem nas características da região, onde abundam o granito e o ferro. Para revestir a fachada recorreram aos azulejos relevados de Massarelos, com motivos florais em amarelo e branco. No primeiro piso, um conjunto de janelas com varandas em ferro, encimadas com molduras concheadas, em pedra. No varandim central pode ler-se a inscrição "Seixas" e a data, 1880.







1/2- José Meco "O Azulejo em Portugal", Publicações Alfa, Lisboa, 1986, pág.79.

6 comentários:

  1. If

    Parece que todo este nosso círculo de blogues decidiu comemorar a Páscoa com azulejos.

    Esses azulejos em relevo são quase um símbolo da arquitectura civil da cidade do Porto e de quase todo o Norte de Portugal. Encanta-me o contraste que fazem o granito e esse constaste vibrante é característica única do Norte. Aliás, curiosamente, o Fábio Carvalho mostrou alguns prédios antigos do Rio, com cantarias escuras em pedra da região, revestidos a azulejos com cores muito vivas, que evocam as casas antigas do Norte, como essa de Torre de Moncorvo, que teve a boa ideia de mostrar.

    Um abraço para si e uma boa Páscoa

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    1. Luís
      Tem toda a razão quando diz que estes azulejos relevados, tão frequentes no Norte, caracterizam uma arquitectura civil muito própria desta zona. Encontrá-los noutras regiões, principalmente a Sul, encanta e intriga.
      A associação entre o granito, o ferro e a pedra marcam e caracterizam bem a arquitectura civil oitocentista.
      Um abraço e boa Páscoa
      if

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  2. Sempre associei estes azulejos ao Porto.
    Aliás, a primeira vez que reparei neles, e foi no Porto, (muitas vezes passeamo-nos, mas não nos damos conta da beleza que nos rodeia) fiquei absolutamente encantado.
    A graça destes azulejos tridimensionais é a volumetria que incutem na fachada, produzindo uma textura absolutamente fascinante.
    E foi a partir da azulejaria do Porto que comecei a notar a restante, de revestimento arquitetural de fachada, pois a de revestimento de interiores, a primeira que reparei, nos inícios dos anos 70, foi a do dito "quarto de D. Sebastião", no Paço da Vila, em Sintra, que, na altura, me deixaram fascinado.
    Claro que foi a abertura de um mundo. Até aí o azulejo era algo anónimo, a que não prestava a mínima atenção.
    Em Moçambique não me lembro sequer de os ver, o que é compreensível. Talvez existisse um ou outro no revestimento de fachada, mas seriam seguramente contemporâneos.

    Também achei muito curioso o que aqui refere sobre a concavidade ao centro destes azulejos mais espessos, o que é perfeitamente racional, pois não só permitiria poupar em matéria prima, como tornava o azulejo mais leve e resistente ao processo de cozedura.
    Hoje custar-me-ia viver nesta cidade sem os indispensáveis azulejos, apesar de verificar que a vontade dos poderes locais em reabilitá-lo não é muito grande, e que as tendências não são favoráveis à sua manutenção.

    Gostei imenso deste seu texto pela quantidade de informação relevante que aqui nos trouxe.
    Assim fizessem organismos públicos que têm esta responsabilidade, recebem somas de vulto para o fazerem e só produzem lugares comuns perfeitamente inconsequentes! Dedicam resmas de palavras a descreverem algo cuja fotografia está ao lado, e quanto a informação significativa são completamente omissos!
    Um bem aja por todo este esforço
    Manel

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    1. Manel
      Agradeço as suas palavras que traduzem saber e sentimentos por tudo o que é belo e tem significado.Felizmente que esse sentir se vai alargando e hoje são já muitos os que apreciam e sabem olhar tudo o que nos rodeia, e que é tanto.
      Realmente, no Verão passado, o que me levou a Moncorvo foi o Tríptico flamengo que está patente na Igreja Matriz. Naquele quente fim de tarde, tudo clamava por um gelado. Na sua demanda, deparei com esta bela fachada, conservada e lindíssima. Pena foi que a largura da rua não permitisse uma fotografia geral mais conforme à sua categoria.

      if

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  3. Prezada Ivete,

    Paz e muita Alegria.

    Os pratos e medalhões com caranguejos, lagostas e tantos outros frutos da mar e da terra já conhecia desses famosos Massarelos, não sei de exatamente da mesma fábrica. Mas estes azulejos de relevo bem acentuado são novidade para mim. Penso que por aqui não foram usados. Mas pelo fato de eu não ter visto não significa que não foram trazidos e usados em nossos edifícios.
    Que bom que tem agora estas belas companhias retangulares.

    Um abraço e feliz Páscoa.

    Amarildo

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    1. Amarildo

      Grata pelo seu comentário. Ainda bem que gostou destes azulejos relevados, que são tão portugueses e nortenhos. Os pratos que refere, com peixes, vegetais e outros elementos decorativos foram produzidos nas Caldas da Rainha, principalmente por Bordalo Pinheiro.
      Um abraço e boa Páscoa
      if

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