domingo, 14 de dezembro de 2014

Pratos de esmolas de Nuremberga (?)




Estes grandes pratos, de latão, batido e repuxado, são conhecidos genericamente por pratos de Nuremberga, dado que foi nesta cidade que se desenvolveu um dos seus principais centros de produção e exportação. Grandes, e vistosos, destinavam-se quer a fins profanos, quer a fins religiosos.
No campo laico, eram exibidos pela burguesia que, ciente da sua crescente importância económica e social -  mas não podendo rivalizar com a moda de exibir ricas baixelas em ouro, tão em voga nas cortes europeias -, recorre  a estes pratos, os quais, pelo tamanho, cor e brilho, substituem a preceito aqueles que querem imitar. Com fins religiosos, serviam, entre outros usos, para  a recolha de esmolas durante as cerimónias litúrgicas.

Conhecidos genericamente como dinanderies, "designação que se dá ao conjunto de objectos de cobre e latão fabricados na cidade de Dinant (Bélgica) e arredores, a partir do século XII"1, encontram um mercado apetecido e rendoso na opulenta Antuérpia do século XVI. As profundas ligações comerciais de Portugal com a Flandres levam, no século XVI, a estabelecer uma feitoria portuguesa nesta cidade,  Entre os numerosos produtos importados incluíam-se os pratos de oferendas. Muitos deles chegaram até hoje. Sabemos que uma grande encomenda, de cerca de seiscentos pratos de esmolas, foi feita pelo rei D. Manuel I, enquanto Grão-Mestre da Ordem de Cristo e foram por ele oferecidos às numerosas igrejas que tutelava. Muitos deles encontram-se patentes ao público em museus e outros em colecções particulares.
Em época anterior e mercê de lutas internas e nomeadamente das invasões Normandas do século X, instalara-se na Europa um clima de instabilidade e medo que determinou que muitos dos artesãos desta arte se tivessem deslocado para outros países, levando consigo o seu saber e criando novos centros de produção. É o caso de Nuremberga, na Alemanha, de Paris, em França, e de Milão, em Itália.


Os temas tratados eram ambivalentes: podiam ter um carácter religioso ou profano. No século XV, dentre os temas religiosos, destacam-se, por mais frequentes e preferidos, a Anunciação - um dos mais solenes da arte cristã - e Adão e Eva no Paraíso.




  A Virgem, de mãos postas, em oração, surge ajoelhada, no lado direito, olhando directamente para o observador. Veste uma simples túnica. Do lado esquerdo, o anjo Gabriel, também ajoelhado, saudando a Virgem, segura na mão o ceptro, símbolo do poder de Deus. Sobre ambos, encimando-os, a pomba, que personifica o Espírito Santo. Entre as duas figuras, separando os dois mundos, o sagrado e o profano,  um vaso de açucenas.




Outro tema recorrente é o de Adão e Eva no Paraíso. "Com o advento do Humanismo, este tema deveria assumir (...) um lugar de relevo"2.
Em posição central, a árvore do conhecimento, do bem e do mal, com a serpente nela enroscada. Ladeando-a, em posições simétricas, as figuras de Adão e Eva. Esta segura na mão esquerda  o fruto, que oferece ao homem. Este recebe-a com a mão esquerda.
A cena tem lugar no Jardim. À direita, uma porta. Simboliza a entrada no Paraíso.

Muitos dos temas centrais estavam frequentemente rodeados de motivos vegetalistas e de inscrições em letras góticas, que, com as sucessivas reproduções, foram perdendo o seu significado  original, passando a ter uma função meramente decorativa.

Motivos de carácter profano, principalmente  florais, compunham também a ornamentação.






Agradeço ao seu proprietário a permissão para fotografar as peças e para a sua publicação.


1 - Joana Martins "Pratos e Bacias de Latão dos séculos XV e XVI de Temática Religiosa da Casa Museu Guerra Junqueiro". Tese de Mestrado de História de Arte Portuguesa, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 2009/2010, pág.26,
2 -"Os Pratos de Nuremberga da Casa Museu Guerra Junqueiro". Câmara Municipal do Porto, MCMLXV, pág.20/21.




6 comentários:

  1. Ivete, quando vi este poste lembrei-me logo da coleção da Casa Museu Guerra Junqueiro, no Porto, mas vejo que estes exemplares não lhe pertencem...
    Gostei muito de conhecer os pormenores de história que aqui partilhou, uma história de séculos que faz deles objetos muito valiosos e raros.
    Continua a explorar temas variados e menos conhecidos, sempre com muito interesse!
    Um abraço

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    1. Muito obrigada pelas suas palavras simpáticas. Com o tempo vamos aprendendo e apreciando as peças bonitas e interessantes, a que quase não se dava valor.Procuro ir variando o tratamento de temas, mas nem sempre é fácil, pois a tendência, pelo menos a minha, é abordar as faianças.
      Um abraço
      Ivete

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  2. Ivete

    Já tinha lido qualquer coisa de passagem sobre as "dinanderies", mas não fazia a menor ideia como se apresentavam e nem nunca tinha visto este tipo de peças. Só conhecia a vulgar louça de estanho, relativamente comum nas antigas casas portuguesas.

    Agora estes pratos são realmente bonitos e foi bom ter conhecido aqui a sua existência. Pode ser que consiga descobrir um naquelas bancas de velharias onde está tudo a 5 euros. Lol.

    Um abraço e parabéns pelo post, que está muito claro.

    Um abraço

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    1. As "dinanderies", aqueles que trabalham os metais não nobres (?), tiveram uma expressão muito forte na cidade de Dinant, na Flandres. Com o intenso comércio que estabelecemos com essa região, natural foi que muitos pratos de esmolas viessem integrados no conjunto das encomendas feitas.
      Depois de nos embrenharmos, como o Luís,um pouco no estudo dessas peças, é que notamos o interesse que nos despertam. A partir daí...um mundo se nos revela.
      Um abraço

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  3. Não conhecia a história destas peças, nem creio que as tenha visto.
    Ou melhor, talvez as tenha visto algures, mas como não lhes sabia o uso com certeza não fiz caso, nem liguei.
    Gosto imenso do motivo que ornamentam os pratos, que os tornam únicos.
    Agradeço o ter-me feito conhecer este tipo de peças.
    Manel

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    1. Manel
      Já tinha visto algumas destas peças, mas só quando as tive nas mãos é que me apercebi da sua beleza.
      Para além dos temas que abordei, há muitos outros, também magníficos e dignos de estudo. Ficarão para uma próxima oportunidade.
      Um abraço
      Ivete

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