quarta-feira, 25 de julho de 2018

A Faiança Ratinha e as migrações internas em Portugal







Um conjunto de pratos que simbolizam elementos de um rancho de ratinhos que se dirigem para as planícies alentejanas. O manajeiro, o rapaz com a sua merenda, o camponês e a sua alfaia agrícola e o violeiro, que vai animar os fins de tarde.
Desde sempre houve um desequilíbrio entre o norte, fortemente povoado e o sul, com graves carências populacionais. Era "um Portugal onde a terra falta ao homem e outro onde o homem falta à terra"1. Interessante expressão que espelha de forma real a disparidade da distribuição populacional no nosso país, problema que, também hodiernamente, se faz sentir de modo acutilante. A população teve, desde sempre, tendência em se concentrar em certas zonas, rareando noutras.
Entre as causas que propiciaram estas variações populacionais encontram-se  a orografia e o clima. Zonas com relevo baixo, vales pouco profundos e com chuvas abundantes atraem pessoas, opondo-se àquelas onde  o relevo mais alto, bem como as áridas planuras, com clima mais seco e quente que obriga a uma maior escassez de gentes.
"Onde a água existe e as condições de terreno são favoráveis, a população fixa-se e a propriedade divide-se; onde ela falta, a exploração agrícola  (...) só é possível em regime de grande propriedade"2.
Estas grandes assimetrias completam-se e complementam-se. A abundância de produção agrícola pede abundância de esforço e braços. Assim se conjugam vontades.
A resposta para esta contínua falta de mão-de-obra está nas migrações internas. São movimentos populacionais de carácter temporal limitado, associados aos ciclos produtivos agrícolas. Os fluxos migratórios tomam, preferencialmente, a direcção Norte-Sul e da montanha para a planura.
Maioritariamente oriundos do distrito de Castelo Branco, os Ratinhos eram  trabalhadores incansáveis, mourejando  sob o Sol escaldante, na mira de um ganho  maior.




Girão, Aristides de Amorim
"Geografia de Portugal"





O migrante Ratinho. Socos de madeira nos pés, fato de cotim, escuro, varapau ao ombro levando a manta e a merenda. A seu lado a interpretação sob o olhar arguto do artesão conimbricense. Semelhanças entre as duas imagens: um caminha para o seu local de trabalho, o outro, já de regresso, cansado, mas feliz.  Saudades para quem parte. Felicidade para quem regressa.




Num momento de descanso e final de um dia de trabalho. Duas figuras ligadas ao trabalho agrícola. Arrimado à sua pá, o homem, arrogante na sua virilidade, penacho no chapéu, prepara a ida à fonte, na mira das conversadas.
Pratos característicos da produção de Coimbra, conhecidos por faiança ratinha, nomeada que se lhe colou por serem levados pelos migrantes ratinhos, quando se deslocavam para as fainas agrícolas do Alentejo. Policromia, cercadura, plantas que ladeiam as figuras centrais.






O manajeiro e o violeiro. Funções importantes. Trabalho e distração. Pela Primavera, dirigia-se ao Alentejo a fim de averiguar sobre o estado das searas, do seu crescimento e estado de maturação. Apalavradas as ceifas, tomava de empreitada várias casas, comprometendo-se na angariação da mão-de-obra necessária para o trabalho a realizar. Regressado à sua terra iniciava o alistamento e formava as camaradas.Com alguma segurança, com um certo ar de senhor, que lhe advinha do conhecimento e exercício do que também tinha executado, dava conta da notícia do que iriam ganhar, escondendo, para os novatos nessas lides, o menos bom.
Partiam em meados de Maio. A pé, de burro, às vezes de combóio e, por vezes, de camioneta.




No fim da jorna do dia, na frescura do entardecer, mandavam notícias através daqueles que sabiam escrever. Apesar de cansados, o corpo pedia um pouco de dança. Surgiam as violas. O balho começava.
O manajeiro, com um certo ar de senhor, mas a que não faltam trejeitos de saltimbanco, olha-nos do meio da sua dupla cercadura florida. Figura ingénua, de um ingénuo artista.
O violeiro, em passo de dança, marca o ritmo e a roda começa. Braços no ar, bater ritmado dos pés, as figuras volteiam, incansáveis. Mais uma faina cumprida. Para o ano há mais.



1/2- Aristides de Amorim Girão e Fernanda de Oliveira Lopes Velho "Estudos da Populaçáo Portuguesa. Evolução Demográfica e Ocupação do Solo Continental  (1890-1940), Coimbra,1944, Separata da Revista Biblos, vol.XX.















1 comentário:

  1. Ivete.

    Muito interessante este seu post. Com efeito, para nós que vivemos numa cultura muito urbana, estas figuras pintadas nos ratinhos já não nos dizem nada, mas pelos vistos elas representam figuras e tipos populares, que há cerca de 80 anos um habitante da Beira ou do Alentejo ainda saberia reconhecer. No fundo, são documentos iconográficos de uma época que já morreu há muito, o que aumenta ainda mais o seu encanto.

    um abraço

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