quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Estátuas das Devesas

Estatuária da Fábrica das  Devesas

Desde sempre gostei de olhar as fachadas de prédios que ainda se vão encontrando pelas cidades e terras do nosso País, de ver as estátuas que ainda resistem como figuras cimeiras de muitos deles.






Há tempos, folheando um catálogo da Leiloeira Cabral de Moncada, deparei-me com algumas peças da fábrica das Devesas - bustos e elementos ornamentais de fachada.
Esta, bem como outras suas contemporâneas,  foram verdadeiras "escolas de artes" e de artistas cerâmicos, nelas se tendo formado escultores e modeladores.
As obras e peças que ali se produziram marcaram uma época, contribuindo para caracterizar um período específico na ornamentação das  fachadas da arquitectura portuguesa, de finais do século XIX.
As suas estátuas eram, geralmente, vidradas de branco. No entanto, também podiam surgir marmoreadas, bronzeadas ou simplesmente em fosco. Dentre as fábricas que se dedicaram ao fabrico de estátuas de ornamentação nenhuma produziu tanto, quer em quantidade e qualidade, quer em diversidade de materiais e de temas: divindades protectoras, comércio, indústria, artes, alegorias, estações do ano, continentes, figuras históricas e tantas outras representações.

Primavera

Inverno
Catálogo Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devezas, 1910, pg.14

As estátuas acima representadas constituem a página 14 do Catálogo da Fábrica das Devesas, de 1910. Deste grupo existem ainda, actualmente - daí o destaque que se lhes concede - as representações físicas da Primavera e do Inverno, que correspondem aos números 30 e 33, da referida página.
A estatuária para exteriores das Devesas, pelo  maior naturalismo da sua figuração e pelas expressões menos arreigadas a cânones e modelos previamente estabelecidos, ganha competitividade, pela qualidade e perfeição,  relativamente às restantes fábricas, nomeadamente a de Santo António do Vale da Piedade.
O espírito empreendedor do seu proprietário, António Almeida da Costa, leva-o a sediar as suas empresas junto de boas vias de comunicação, que facilmente lhe permitam um eficaz escoamento dos seus produtos, bem como a sua exportação, principalmente para o Brasil. Tendo em vista alcançar uma maior visibilidade para o seu trabalho, procede à impressão de catálogos, exemplificativos de toda a sua produção. A presença em exposições industriais, nacionais e estrangeiras, permite uma divulgação e conhecimento das suas peças, como foi o caso da Exposição Universal de Paris, em 1900, na qual recebeu uma medalha de prata.

Busto de Camões, catálogo CML, Junho 2005

Busto de D. Pedro V, catálogo CML, Junho 2005

Catálogo Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devezas, 1910, pg. 27






Na cidade brasileira de Pelotas, situada no estado do Rio Grande do Sul, foi feito um estudo sobre a ornamentação das fachadas dos edifícios, no período balizado entre 1870 e 1931. Por ele se verificou a presença de estátuas  da Fábrica das Devesas, o que vem corroborar o que anteriormente se disse - o apreço em que era tida a produção desta fábrica que exportava muitas peças para o Brasil.

António Correia Lourenço, brasileiro de "torna-viagem", enriqueceu no Brasil. Regressado a Portugal, vai aplicar o seu dinheiro na construção da Casa do Chão Verde, em Rio Tinto, perto do Porto, onde viveu os últimos anos da sua vida.

Imagem retirada da internet
Dentro do espírito do romantismo da época - finais do século XIX -, vai encomendar à Fábrica das Devesas diversas estátuas, algumas únicas, porque exclusivas, muitas delas da autoria de José Joaquim Teixeira Lopes e seu filho, parte delas assinadas. Da encomenda feita em Julho de 1871, sobressai, entre outras, a estátua que simbolizava Portugal, representada por um guerreiro e que, juntamente com a alusiva ao Brasil, encimava os pilares laterais do portão de entrada da quinta.


Estátua representativa de Portugal, atribuível a Teixeira Lopes, Pai
 ( Catálogo da Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devesas, 1910, p.12, nº 5)


Portugal


Agradeço ao proprietário das imagens apresentadas a sua cedência e permissão para as divulgar.

Catálogo da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas, 1910
A encomenda. O artista. A obra. IV Seminário Internacional Luso-Brasileiro. Bragança. 2009




7 comentários:

  1. Olá, hoje o amigo Manel me apresentou seu blog, e vim cá correndo espreitar.
    Esta postagem é muito boa, e deixo meus parabéns, além de ser muito útil para o reconhecimento e identificação destas estatuas, que às vezes encontro no Rio de Janeiro, minha cidade natal e onde vivo.
    De imediato, me lembrei desta postagem que fiz sobre um solar em Santa Teresa, mas que possui estátua da Fábrica de Santo Antonio, o que não deixa de ser uma interessante fonte de comparação.
    http://azulejosantigosrj.blogspot.com.br/2013/01/santa-teresa-vi-rua-monte-alegre-solar.html
    Já me tornei seguidor do blog, para não perder nenhuma postagem, e agora vou descer pelas postagens anteriores, e aprender um pouco mais em cada uma delas.
    abraços
    Fábio

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    1. Fábio
      Obrigada pelas suas simpáticas palavras. Também costumo ler os textos que publica no seu blog sobre as antigas casas azulejadas do seu País. Fui ver o que publicou sobre o solar de Santa Teresa e encontrei muitas semelhanças com algumas das nossas fachadas. Quanto às estátuas das Devesas é um mundo ainda para explorar. Sei que há trabalhos académicos publicados sobre a fábrica, que hei-de consultar um dia destes. Sei que está entre nós. Continuação de uma boa estadia, principalmente na companhia dos sue amigos Luís e Manel.
      Um abraço
      if

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  2. Olá If,
    Gostei muito de ver aqui de novo a Fábrica das Devezas, com uma produção tão rica em ornamentos de fachada.
    Nunca consegui consultar esse Catálogo, mas tenho um livrinho sobre azulejos e ornamentos de fachada em Ovar e grande parte das existências é desta Fábrica das Devezas.
    Vou voltar aqui com mais tempo e com esse livrinho na mão. : )
    Um abraço

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    1. Olá Maria
      Ainda bem que gostou. Realmente, de cada vez que nos debruçamos sobre um tema, surgem surpresas agradáveis. Foi o caso da cidade brasileira com tanta estatuária das Devesas.
      Se precisar do catálogo de 1910, está à sua inteira disposição.
      Um abraço
      if

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Publica-se tanta porcaria em Portugal, mas continuam a faltar livros sobre temas tão fascinantes como o que aqui apresentou.

    Não há cão nem gato que não publique livros. Futebolistas, estrelas do big brother, socialites, apresentadores de telejornal e políticos cretinos todos escrevem e publicam, vá gente saber sobre o quê. Também não percebo quem compra esses livros.

    Toda esta estatuária que enfeita casas em Portugal e no Brasil mereciam obras de fundo e catálogos de exposições.

    Eu tenho-as descoberto de Norte a Sul do País. Muitas vezes não se conseguem ver as marcas cá de baixo e dava muito jeito, que por exemplo um desses centros de estudo, que funcionam junto das universidades, digitalizassem com qualidade esses catálogos das Devezas e os colocassem on-line. Seria um favor que faziam aos amantes das artes. Eu pessoalmente, gostaria muito de ter acesso a esse catálogo de 1910. Só tenho apanhado na net partes desse catálogo, normalmente com uma qualidade muito fraquinha, em que mal se conseguem distinguir as imagens e as legendas.

    um abraço e parabéns pelo post

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  5. Luís
    Estou de acordo consigo acerca de algumas publicações que por aí surgem, destinadas unicamente a alimentar as mentes tolas de muitos e a encher os bolsos de outros, mas é a mentalidade das nossas gentes, que só apreciam o inapreciável.
    Quanto ao catálogo da Fábrica das Devesas, a minha fotocópia está à sua inteira disposição. Se quiser ver o original, há um exemplar na biblioteca João Paulo II, UCP, que está aberta ao sábado, até ás 13h.
    um abraço

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