Este prato tem uma história peculiar. Vi-o, pela primeira vez, no Louvre des Antiquaires, num período da vida muito nefasto, em que, por razões de saúde, se tornava necessário ir todos os anos a Paris.
O proprietário de uma das lojas ali situadas, ao ouvir-me falar português, lançando mão das mais elementares regras comerciais, apressou-se a declarar-nos que tinha um prato de "Coimbrá". E mostrou-nos este belo exemplar. Verdes nos nossos conhecimentos e assustados com o preço, cerca de trezentos contos, hesitámos. Foi o nosso erro. Pedimos, no entanto, que nos deixasse tirar uma fotografia. Quando, já em Lisboa, conversando com amigos sabedores e consultando livros da especialidade, ficámos cientes da veracidade das palavras do antiquário francês. Era mesmo de Coimbra, possivelmente da produção de Manuel da Costa Brioso.
Uma das características decorativas da sua produção é o horror vacui - a ocupação de toda a superfície da peça. Esta mesma tendência vai verificar-se, posteriormente, na decoração da faiança ratinha que temporalmente lhe sucedeu. Na produção Brioso não existe normalmente uma demarcação decorativa distinta entre a aba e o covo: regra geral, não existe cercadura envolvente, com ornamentação diferenciada, o que propicia maior criatividade ao artista. Nas palavras de Artur de Sandão, é uma faiança "de robustez descuidada e fácies arcaizante" onde os "pormenores denotam o ingénuo sentido de tão distinta expressão local"1, dando forma a uma tipologia de aspecto mais recuado.
Os pormenores deste prato fogem de todo ao padrão estabelecido, quer pela representação em si, quer pela extrema ingenuidade do traço, demonstrativa de mão insegura e talvez ainda muito juvenil. Poderá ter sido a sua "prova de artista", que ficou aquém da sua fértil imaginação.
Uma das características decorativas da sua produção é o horror vacui - a ocupação de toda a superfície da peça. Esta mesma tendência vai verificar-se, posteriormente, na decoração da faiança ratinha que temporalmente lhe sucedeu. Na produção Brioso não existe normalmente uma demarcação decorativa distinta entre a aba e o covo: regra geral, não existe cercadura envolvente, com ornamentação diferenciada, o que propicia maior criatividade ao artista. Nas palavras de Artur de Sandão, é uma faiança "de robustez descuidada e fácies arcaizante" onde os "pormenores denotam o ingénuo sentido de tão distinta expressão local"1, dando forma a uma tipologia de aspecto mais recuado.
Os pormenores deste prato fogem de todo ao padrão estabelecido, quer pela representação em si, quer pela extrema ingenuidade do traço, demonstrativa de mão insegura e talvez ainda muito juvenil. Poderá ter sido a sua "prova de artista", que ficou aquém da sua fértil imaginação.
A embarcação, qual imagem de um menino de escola - uma meia lua com duas velas triangulares - navega ao sabor da ondulação. Os sorridentes passageiros, ignorantes do destino que os espera, observam e desfrutam da viagem.
Também presentes outras personagens, cujas obrigações são difíceis de conjecturar: timoneiro, manobradores de velas (?)...
Em fundo, monstros marinhos povoam as águas, numa clara alusão às histórias fantásticas que dominavam a imaginação dos marinheiros no início dos descobrimentos.
No entanto, muitas outras variedades de objectos foram produzidos por este fabricante e seus seguidores: tinteiros, relicários, pucarinhos...
1 Artur de Sandão "Faiança Portuguesa séculos XVIII-XIX", 1970.
2 Charles Lepierre " Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna", 1899.
3 Alexandre Pais, António Pacheco, João Coroado "Cerâmica de Coimbra", 2007
Miguel Cabral de Moncada "Faiança Portuguesa Séc. XVI a Séc. XVIII",2008
Também presentes outras personagens, cujas obrigações são difíceis de conjecturar: timoneiro, manobradores de velas (?)...
Em fundo, monstros marinhos povoam as águas, numa clara alusão às histórias fantásticas que dominavam a imaginação dos marinheiros no início dos descobrimentos.
A produção de Manuel da Costa Brioso centra-se, fundamentalmente, no século XVIII, embora alguns autores admitam que provinha já dos finais do século anterior. Para além desta produção usual, menos elaborada, importa assinalar uma outra vertente, de qualidade muito mais refinada, como a travessa que integra o acervo do Museu Machado de Castro "coberta de decoração relevada a branco, sobre esmalte azulado, e no fundo uma caçada a cores. O reverso, marmoreado a castanho, mostra ao centro, a inscrição: Brioso, 1779" 2.
O depósito de parede do Museu Nacional de Arte Antiga, pela sua decoração rigorosa e paleta de cores, lembra o trabalho de azulejaria, tão importante na produção coimbrã.
De execução mais elaborada, no entender de Alexandre Pais, António Pacheco e João Coroado, estas peças podem ter sido uma "produção com intuito experimental"3, numa tentativa de fugir aos padrões mais comuns praticados nas oficinas de Coimbra. Pela sua raridade, podemos intuir que esta iniciativa não teve sucesso.
In "Cerâmica de Coimbra" de Alexandre Pais, António Pacheco, João Coroado, pg.94 |
MNMC nº inv.4566 |
O depósito de parede do Museu Nacional de Arte Antiga, pela sua decoração rigorosa e paleta de cores, lembra o trabalho de azulejaria, tão importante na produção coimbrã.
De execução mais elaborada, no entender de Alexandre Pais, António Pacheco e João Coroado, estas peças podem ter sido uma "produção com intuito experimental"3, numa tentativa de fugir aos padrões mais comuns praticados nas oficinas de Coimbra. Pela sua raridade, podemos intuir que esta iniciativa não teve sucesso.
No entanto, muitas outras variedades de objectos foram produzidos por este fabricante e seus seguidores: tinteiros, relicários, pucarinhos...
2 Charles Lepierre " Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna", 1899.
3 Alexandre Pais, António Pacheco, João Coroado "Cerâmica de Coimbra", 2007
Miguel Cabral de Moncada "Faiança Portuguesa Séc. XVI a Séc. XVIII",2008
Foi uma ótima ideia ter fotografado este prato, If!
ResponderEliminarÉ uma peça invulgar e deve ser muito recuada na produção Briozo, a avaliar até pelo vestuário da figura que deve representar o capitão do barco. E depois há o pormenor interessantíssimo da presença dos monstros marinhos, que deviam povoar a imaginação dos artesãos, miúdos e graúdos...
Acho este post um bom contributo para os estudos sobre faiança coimbrã.
Um abraço
Olá Maria
EliminarTem toda a razão. O prato é muito invulgar, principalmente pela decoração que nos reporta ao imaginário que, por altura da sua produção, já não devia povoar os sonhos dos viajantes. Não me refiro aos medos, porque esses tinham razão para existir...
Um abraço
Foi uma feliz ideia fotografar este prato. Os monstros marinhos também me encantaram. Percebo perfeitamente a sua tristeza por ter perdido esta peça. Eu seria capaz de olhar horas a fios para este mundo marinho visto por uns olhos tão cândidos.
ResponderEliminarUm abraço
Luís
EliminarAinda bem que gostou da peça. Realmente, foi uma pena, mas a falta de conhecimentos levou à hesitação. Resta sempre o recurso à fotografia.
Um abraço