sábado, 2 de novembro de 2013

Um bouquet... de Ratinhos



Um bouquet ... de Ratinhos




As flores dos ... Ratinhos! Alegram a vista e aquecem a alma! Tão simples! Tão rústicos! Tão autênticos!
Saídos das pequenas e familiares olarias de Coimbra, das mãos hábeis de anónimos artistas, alcançaram um lugar à parte no panorama das faianças portuguesas. Nas sábias palavras de Moradas Ferreira " um título pelo menos lhe é devido: o de ser a mais autenticamente popular de todas elas. Produto de um artesanato regional virgem de lições ou de influências estranhas, é a expressão pura, original e espontânea das virtualidades plásticas do nosso povo"(1).
Destinada a uma população de mais fracas posses, mas que se não alheava, por isso "exigindo" uma decoração colorida, cujo significado compreendesse. Daí a continuidade dos processos de fabrico e dos traços ornamentais, a que os produtores, tributários das exigências do mercado, não podiam fugir.

Um núcleo unido pelo tema da flor (2) - já que neste post não abordo a decoração figurativa -, categorizável como elemento autónomo e autenticado pela pluma de pavão, traço identificativo único desta louça, que entronca na tradição oriental e permite estabelecer a sua distinção relativamente à restante faiança do nosso País, produzida na mesma época - o século XIX. É essa a sua marca.



Pratos coloridos que têm em comum três flores esponjadas, envolvidas pelos filamentos, sugerindo e simbolizando as folhas. Em comum: a decoração abrange toda a superfície da peça, covo e aba.. Assemelham-se, mas ligeiras diferenças os distinguem: o centro da flor, mais ou menos cheio, os filamentos, em maior ou menor quantidade e a paleta cromática.





Este exemplar mostra cinco flores maiores, da qual se destaca a central, totalmente esponjada, mas contornada por uma leve linha ondulada. As outras, numa disposição simétrica, ocupam  o espaço restante.





Nesta palangana, a ornamentação vive da riqueza do ramo central. O enquadramento da aba coaduna-se com o cromatismo do motivo principal. A composição é formada por quatro flores, lembrando a forma da túlipa, dispondo-se quase simetricamente.


Os produtores da faiança ratinha participaram com as suas peças em diversas Exposições Industriais, como foi o caso da que se realizou em Coimbra, no ano de 1869. Nela foram premiados Joaquim Alfredo Pessoa e José Júlio de Oliveira. Joaquim Alfredo Pessoa lamentou-se publicamente (O Conimbricense, de 20 de Julho de 1869) que lhe tinham saído estragadas várias fornadas, pelo que tinha sido obrigado a utilizar o barro usado na louça mais ordinária. Apesar destas vicissitudes, ressalvou que, até então, não lhe tinha sido dado apreciar pintura de tanto "mimo e gosto".




1-A. Moradas Ferreira "Pratos Ratinhos". Separata de Estudos de Castelo Branco, Revista de História e Cultura, 1962.
2-Ivete Ferreira "OS RATINHOS Cerâmica Portuguesa de Cariz Popular",pág.201.






4 comentários:

  1. É lindo o seu bouquet de ratinhos, os quatro do mesmo tamanho num conjunto muito harmonioso sobre a arca antiga. O primeiro tem aquele pormenor que parece bolbo e radícula, que eu acho muito interessante.
    Tenho um deste género debaixo de olho ;) mas queria fazer uma troca, não sei se vou ter sorte...
    E rematou com uma bela palangana com quatro flores, o que me parece bastante invulgar. Os poucos que tenho com tema floral têm só uma flor ou três ou cinco, mas também há os de doze flores, que a Ivete bem conhece...
    Gostei de ler no texto a citação de Moradas Ferreira, com quem me atrevo a concordar. Estes são autenticamente populares, únicos e inconfundíveis, não se notando aqui influências de outras produções, nacionais ou estrangeiras, pelo menos que lhes estejam próximas no tempo.
    Obrigada pela partilha. Imagens destas são um colírio para os meus olhos. : )
    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Maria
      É verdade, são um colírio para os olhos... Um pequeno conjunto que alegram o ambiente rústico onde estão inseridos. O texto de Moradas Ferreira é muito pequeno, são unicamente três páginas, mas que primam pela linguagem simples, sabedora e apropriada ao tema que tratam - a faiança ratinha.
      Quantos ao número de flores, como tema próprio- por peça há muito a dizer. O máximo que eu vi foram dezassete flores - também foi único. O normal são doze.
      Um abraço

      Eliminar
  2. Cara IF

    Continuo a pensar que estes ratinhos apesar de tão ancestrais, são ao mesmo tempo imensamente modernos. Poderiam ter sido pintados por um Matisse, um Chagall ou um Miró. Há uma proximidade desta loiça de gente pobre e provinciana com a arte de vanguarda, que se fazia em Paris no início do séc. XX. A arte tem destes paradoxos.

    Um abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A modernidade quantas vezes se inspira nos tempos passados. Concordo com o Luís. Há um quê de actualidade nas cores e nas imagens, apesar da sua vetusta idade. A fluidez da pincelada, o esbatido carregado de algumas cores, a gramática decorativa que aponta para a realidade, tudo contribui para que seja do agrado de tantos e do nosso também.
      Gente provinciana com arte de vanguarda, como muito bem salienta.
      Um abraço

      Eliminar