terça-feira, 7 de outubro de 2014

Imagem de roca ... testemunho de fé e de serenidade




O rosto desta pequena imagem de roca transmite a serenidade que lhe advém da extrema leveza e juventude do seu rosto. Com dimensões não muito usuais - cerca de quarenta centímetros, quando em geral o seu porte tinha medidas superiores - torna-se graciosa e apelativa para os nossos olhares. Imaginamos que possa ter estado em adoração num qualquer oratório de uma qualquer devota anónima, que amorosamente dela cuidava.

Algumas destas imagens, esquecida ou desconhecida a sua antiguidade e importância, estão expostas em altares de pequenas capelas e igrejas, vestidas por orgulhosas zeladoras, brilhando nos seus trajes de cetim e galões dourados. É o caso de duas peças que encontrei, uma na Igreja de Vila de Ala, aldeia do concelho de Mogadouro, e uma outra, em Miranda do Douro. Curiosa, levantei um pouco a orla das suas saias. Eram mesmo santas de roca.

Estas imagens tiveram o seu apogeu nos séculos XVIII e XIX, quando as suas congéneres em gesso, produzidas em série, entraram na preferência das pessoas graças aos novos gostos sociais e ao processo de industrialização, que as fabricava por um valor mais económico.
A sua estrutura compositiva, articulação dos membros e diversidade de trajes e atributos, vocacionava-as para atrair a atenção dos devotos e desempenhar um papel de destaque nos rituais processionais, tão do gosto das populações. A expressão sofredora, nos casos das cenas da Paixão de Cristo, potenciava grandiosos efeitos visuais, levando, segundo a estética e a teatralidade barrocas, a que os espectadores se sentissem integrados na realidade da representação.
Devido à acção evangelizadora da Companhia de Jesus, muitas destas esculturas perduraram no tempo e são veneradas em muitas regiões, nomeadamente no Brasil, onde algumas ainda saem em procissões.





As santas de roca, também conhecidas por imagens de vestir, eram constituídas por dois elementos definidores: O corpo, esculpido realçando a cabeça e as mãos, bem trabalhadas e com carnação, era, de um modo geral, de madeira mais nobre. A armação, oculta pelo vestuário, resumia-se a uma estrutura de ripas, que servia, não só para sustentar a parte visível, como também tinha o propósito de tornar mais leve a imagem, contribuindo, assim, para aligeirar o peso de toda a encenação quando transportada no andor.
O enriquecimento das peças decorria, também, dos atributos que lhes eram apostos, muitas vezes rivalizando as confrarias para exibir os trajes mais ricos e as jóias mais vistosas.
Neste caso, a imagem exibe um pequeno fio de prata de onde pende uma pequena e singela jóia, em forma de flor.




A saia, de um rico veludo azul, com ramagens douradas, cai em pregas profundas que vão abrindo. Espraia-se em  seu redor, formando uma pequena cauda.

Numa tentativa de aproximar as Santas de Roca da realidade, eram-lhes apostas cabeleiras naturais e dado um tratamento especial aos pormenores.
Possuidoras de variados trajes, qual deles mais rico e sumptuoso, tinham a sua colecção particular de jóias de ouro, prata e pedrarias. Este enxoval ia sendo constituído por numerosas dádivas, resultantes de promessas ou também legadas em testamento.  
O cuidado posto no tratamento das faces e das mãos, bem como o esplendor e opulência das roupas que vestiam, tinham como objectivo enriquecer a cenografia, servindo para despertar um maior fervor e estabelecer uma comunicação estreita e directa com os acompanhantes.
A articulação dos braços e mãos permitia o seu posicionamento conforme a época e o evento religioso que ia decorrer. 






5 comentários:

  1. Ivete,
    É muito graciosa esta imagem de roca, parece uma boneca! E a saia é lindíssima!
    É interessante verificar que estas imagens já estão vestidas ainda antes de receberem roupas e atavios. Ao pintarem o corpo, os artistas permitiam aos crentes lidarem com pudor e respeito com estas figuras sacras, objeto da sua veneração...
    São sempre atraentes, até como testemunhas de tempos antigos, de comunidades religiosas com poucos meios e afastadas dos grande centros.
    Obrigada por a ter trazido aqui.
    Um abraço

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  2. Maria Andrade
    A imagem parece uma jovem beldade, pela expressão serena e pela delicadeza da pintura.
    Estas imagens, principalmente as de maiores dimensões, eram detentoras de verdadeiros e completíssimos enxovais,. No momento de as preparar para as procissões, eram as senhoras que vestiam, com todo o zelo e devoção.
    Um abraço
    Ivete

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  3. Ivete

    Tenho uma paixão por santas de roca e esta tem uma expressão muito delicada. Não faltava arte e engenho a quem a fez.

    Creio que já escrevi várias vezes isto, mas quando vejo estas imagens, ocorre-me sempre a ideia das actrizes de teatro e de ópera no seu camarim, enquanto se maquilham e vestem, antes de entrar em cena. No fundo, ópera é um espectáculo barroco, com uma encenação e uma cenografia que encontramos nas igrejas da mesma época.

    um abraço

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    1. Luís
      Talvez influenciada pelo seu gosto, também o meu horizonte se alargou e esta imagem cativou-me pelo seu ar doce e sereno.
      As Santa de roca, pelo facto de serem articuladas e de dimensões razoáveis, pela sumptuosidade dos trajes e também pelas expressões faciais, por vezes sofredoras, permitiam compor cenografias cénicas grandiosas, adequadas à teatralidade dos eventos, permitindo, pelo olhar, captar a atenção dos assistentes.

      Um abraço

      Ivete

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  4. Esta peça é um encanto. As feições parecem-se com as de uma dama de corte.
    Há uns temos, em Évora, eu e o Luís vimos uma exposição sobre estas imagens de vestir e surpreendeu-me o facto de algumas terem feições quase individualizadas, como se autênticos retratos se tratassem.
    Uma delas então parecia-se com uma pessoa que conheço, assim como esta sua, que tem feições que retratam uma antiga amiga minha.
    Possivelmente, algumas vezes, os artistas não conseguiam resistir e acabavam por reproduzir alguém que conheciam em vez de produzirem peças que representavam um ideal impessoal e anónimo, como tantas vezes acontece na arte.
    Para isto talvez se baseassem em pessoas das suas relações, quiçá família.
    Gosto imenso também de ver a estrutura inferior com todos aquelas varas de madeira que formam como que um cone truncado.
    Uma boa semana
    Manel

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