As iniciais bordadas neste pequeno mostruário, que não excede os trinta centímetros de comprimento, pertenceram a uma jovem transmontana que, na sua aldeia de Castelo Branco, concelho de Mogadouro, aprendeu a bordar letras e números, para futuramente marcar as peças do seu enxoval. A pessoa de família na posse de quem está, não conseguiu desvendar o anonimato da sua autora. Dos vários exemplares que me foi dado analisar e fotografar, é o mais recuado no tempo. Abecedário composto por letras góticas, nas cores vermelho e azul, muito usadas para marcar quer roupas da casa, quer roupas femininas.
Possuo um mostruário bordado por minha Mãe, religiosamente guardado, que nem as buscas mais aturadas me permitiram encontrar. Entre a família já serve de mote para me arreliarem:"Já desvendaste o segredo do tesouro?". Qualquer dia, num momento mais feliz, hei-de deparar com ele ... e exibi-lo-ei com o orgulho de quem levou a sua demanda a cabo.
No século XIX, eram geralmente bordados em ponto de cruz e os símbolos e desenhos, românticos e ingénuos, dispostos em frisos, com bandas de elementos geométricos a estabelecer a separação entre eles.
Neste exemplar, assinado pela jovem Emília e bordado algures na segunda metade do século XIX, já muito desbotado e com parte do desenho desfeito, podemos ver a cercadura florida que envolve todo o esquema organizativo do lavrado. Em cima o alfabeto maiúsculo, separado do minúsculo, por um friso de folhas, talvez de carvalho. Recorda os meus tempos de menina de escola, quando tínhamos como TPC diário, a cópia do texto que estudávamos. No fim, antecipando o nome e a data, os dois abecedários - maiúsculo e minúsculo - rematavam as benditas cópias...
Estes samplers, nome pelo qual ficaram conhecidos, foram temas abordados e muitíssimo bem analisados, nos blogues do Luís Montalvão e da Maria Andrade. Aliás, após essa abordagem, recordaram-me aquela tira de linho com letras e números lavrados a vermelho, que minha Mãe bordara, nos seus tempos de meninice, em Trás-os-Montes. Em feiras de velharias fui encontrando alguns desses mostruários, quase votados ao abandono, alienados por um qualquer herdeiro, visando tão somente um punhado de cobres. Assim se vendem memórias...
Executados por toda a Europa, desde o século XVI, constituíam mostruários para o trabalho das bordadeiras profissionais, que assim mostravam o valor da sua arte. Repositório de exemplos de pontos e temas, mais tarde surgem álbuns como o "Neues Modelbuch", de Rosina Fuerst, publicado em 1689, em Nuremberga. Livros de desenhos de rendas e bordados, de fácil circulação, permitiam fazer reproduções das imagens que continham, servindo, também, de fonte de inspiração para novos motes, criados a partir das imagens impressas.
Estes bordados, quer fossem executados pelas meninas das elites, quer pelas simples bordadeiras que viviam desse trabalho, minucioso e cansativo, eram parte integrante da educação feminina.
Para além das tiras, de linho ou outro tecido, também eram executados em forma de quadrado,como o exemplar que se segue, incompleto, mas preparado para conter desenhos mais elaborados. Revela, para além das letras do abecedário, uma linha vertical de flores e, no canto inferior direito, uma cena de pastorícia.
Fonte:
Neste exemplar, assinado pela jovem Emília e bordado algures na segunda metade do século XIX, já muito desbotado e com parte do desenho desfeito, podemos ver a cercadura florida que envolve todo o esquema organizativo do lavrado. Em cima o alfabeto maiúsculo, separado do minúsculo, por um friso de folhas, talvez de carvalho. Recorda os meus tempos de menina de escola, quando tínhamos como TPC diário, a cópia do texto que estudávamos. No fim, antecipando o nome e a data, os dois abecedários - maiúsculo e minúsculo - rematavam as benditas cópias...
Estes samplers, nome pelo qual ficaram conhecidos, foram temas abordados e muitíssimo bem analisados, nos blogues do Luís Montalvão e da Maria Andrade. Aliás, após essa abordagem, recordaram-me aquela tira de linho com letras e números lavrados a vermelho, que minha Mãe bordara, nos seus tempos de meninice, em Trás-os-Montes. Em feiras de velharias fui encontrando alguns desses mostruários, quase votados ao abandono, alienados por um qualquer herdeiro, visando tão somente um punhado de cobres. Assim se vendem memórias...
Executados por toda a Europa, desde o século XVI, constituíam mostruários para o trabalho das bordadeiras profissionais, que assim mostravam o valor da sua arte. Repositório de exemplos de pontos e temas, mais tarde surgem álbuns como o "Neues Modelbuch", de Rosina Fuerst, publicado em 1689, em Nuremberga. Livros de desenhos de rendas e bordados, de fácil circulação, permitiam fazer reproduções das imagens que continham, servindo, também, de fonte de inspiração para novos motes, criados a partir das imagens impressas.
Imagem retirada da internet |
Para além das tiras, de linho ou outro tecido, também eram executados em forma de quadrado,como o exemplar que se segue, incompleto, mas preparado para conter desenhos mais elaborados. Revela, para além das letras do abecedário, uma linha vertical de flores e, no canto inferior direito, uma cena de pastorícia.
Fonte:
www.vam.ac.uk/content/embroidery-pattern-book
Ivete,
ResponderEliminarJá há muito que esperava uma publicação sua sobre estes mostruários de bordados, que continuam a encantar-me. Achei curioso verificar que o seu exemplar tem tamanho e formato idênticos ao meu, ambos compridos e estreitos, ao contrário da maioria dos samplers ingleses, que conhecia melhor, compostos mais na vertical.
Acho que muitos trabalhos destes se perderam; por cá não foram valorizados e devidamente preservados, por isso nunca aparecem com datas anteriores ao séc. XIX.
Obrigada por ter também pegado neste tema, fazendo-o da forma séria e bem fundamentada a que sempre nos habituou. Espero que acabe por encontrar o mostruário bordado pela sua mãe.
Beijos
Realmente, os nossos exemplares são proporcionais, quer ás dimensões do nosso País, quer à escassez de matéria prima que não abundava. A produção familiar dos chamados rolos de linho, de que herdei dois ou três, era tão morosa e complicada, que determinavam o seu uso de forma parcimoniosa.
EliminarÉ um tema de que gosto e a que voltarei logo que o tesouro se revele. Aleluia!
Um abraço
if
Sabe que as coisas têm vida própria, ou pelo menos assim o creio, e as coisas, quando querem esconder-se, deixam-nos a dar voltas durante dias, semanas ou mesmo anos, e um dia qualquer, quando menos se espera ... aparecem de uma forma muito simples e tranquila, como se ali sempre tivessem estado ... e estavam, eu é que não tinha olhos para elas.
ResponderEliminarE quantas vezes procuro as coisas num local, não as vejo, e, nesse mesmo local, encontro-as anos depois!!!! Chamo a estes acasos "a vida privada das coisas".
Tenho emoldurado um destes mostruários, mas não é antigo, talvez tenha cerca de 20 anos, por isso, muito recente, e foi elaborado por uma senhora que foi minha vizinha durante 23 anos, e que fez o favor de ser minha amiga também, a qual, infelizmente, já não se encontra entre nós.
Ela sabia do meu encantamento por estes testemunhos do passado e decidiu bordar um para mo oferecer. Uma ternura!
Daqui a cem anos, se acaso sobreviver (o que duvido! mas nunca se sabe) fará possivelmente as delícias de alguém.
Uma avó minha bordava letras em ponto de cruz muito miudinho, a vermelho, nas orlas de baixo dos lençóis e pequenas toalhas de linho que se fabricavam lá em casa - nessa casa fazia-se o tratamento do linho desde a planta até ao tear.
Não eram iniciais nem nomes, eram simplesmente letras e algarismos bordados a eito e, se havia alguma razão para a disposição destes carateres, só ela o sabia.
Uma boa semana
Manel
Manel
EliminarGostei especialmente da sua expressão "a vida privada das coisas". Tem toda a razão. Quantas vezes, objectos ou peças a que não damos especial atenção, colocadas em evidência, parecem renascer e adquirir um novo sentido.
Também gosto muito de tudo que tenha a ver com bordados e rendas. Ultimamente, nas feiras de velharias, tenho comprado pequenos naperons, uns de renda, outros bordados, singelos e quase etéreos na sua leveza. Estão destinados a uma composição que, por enquanto, vai pairando na minha imaginação.
Também ainda existem uns quantos lençóis de linho, daquele mais grosseiro, marcados com as iniciais da Avó do meu marido. Irão ter um outro destino! Falta descobrir qual.
Um abraço
if
Agora que há tantos museus por esse País fora, talvez não fosse mal pensado dedicar um desses museus ou pelo menos uma secção de um deles as estas esquecidas artes femininas, que reunisse peças significativas destas pequenas obras-primas da paciência, do virtuosismo e da minúcia. Já muito poucas mulheres bordam ou fazem renda e talvez não fosse mal pensado acautelar a conservação de uma colecção reveladora da arte e dos pensamentos de metade da população portuguesa ao longo de 3 ou 4 séculos.
ResponderEliminarUm abraço e parabéns pelo post
Luís
EliminarPenso que a criação de um Museu de Artes Decorativas, no qual se integrasse uma área de lavores têxteis, é uma aspiração de muitos dos que apreciam velharias e antiguidades. Infelizmente o saber e os segredos, quem ainda os tem e pode ensinar, vão-se perdendo mercê da indiferença dos jovens, cujos interesses estão vocacionados para outras áreas.
Um abraço
Ivete
Ivete,
ResponderEliminarTentando voltar;;; Mas o carro custa a pegar.
Parece que o Luis postou um bordado muito semelhante de sua avó.
Hoje ninguém mais escreve nem a lápis ou caneta e muito menos com agulhas, bastidores e e linhas de tantas cores;
Um abraço.
ab
Amarildo
EliminarÉ bom ver que está de volta às lides bloguistas.
O Luís e a Maria Andrade mostraram imagens de tecidos bordados "samplers" e publicaram textos fundamentados sobre o tema. Hodiernamente, já pouco há quem escreva com linhas coloridas. Algumas, no entanto, resistem. Modestamente, eu sou uma delas.
Um abraço
Ivete