O mobiliário rústico português tem um encanto muito particular e, especialmente para mim, o que é de origem transmontana . Esta arca viveu numa qualquer casa, de uma qualquer aldeia, do concelho de Macedo de Cavaleiros.
Impõe-se pela sua elegância e dimensões. Assenta numa base que lhe dá a elevação necessária para manter a sua dignidade. Frontalmente tem um saial recortado, com a particularidade de ser amovível. As pranchas que a constituem, em madeira de castanho, são tábuas inteiras, maciças, indicativas da robustez e da fortaleza, quer das terras, quer das árvores, quer das pessoas que habitaram zonas tão inóspitas e longínquas. É uma peça feita para durar, que domina os locais onde se encontra. Qual terá sido a sua utilidade? Guardar o pão cozido quinzenalmente num forno comunitário, alimento de famílias numerosas? Guardar o bragal das moças casadoiras que, pacientemente, à luz bruxuleante das candeias, o iam tecendo e bordando? Guardar os fatos de ver a Deus, que iriam servir de mortalha?
Abrindo -se, revela um conteúdo diferente ... um conjunto de alguns pratos de faiança de Estremoz.
Esta faiança foi produzida na cidade de Estremoz, situada no distrito de Évora. O seu período de laboração baliza-se entre finais do século XVIII e princípios do século XIX. As Invasões Francesas, à semelhança do que sucedeu em muitas outras fábricas do país, vieram causar distúrbios na sua produção. Foi precisamente o que aconteceu em Estremoz.
Senhora de uma pasta leve e fina, bem como de uma decoração elaborada e polícroma, as peças estremocenses adquiriram grande apreço entre os coleccionadores. Inicialmente, alguns pratos apresentam-se com a faixa de Rouen. No entanto, a predominância em relação àquela afirma-se através de uma decoração mais apelativa e agradável aos sentidos. É o caso das flores, paisagens e motivos diversos.
O primeiro prato representa um esboço de paisagem, a que faltam as ruínas, tão do gosto oitocentista. Este tipo de esquema está concebido para que o motivo paisagístico seja o pano de fundo, mostrando, em primeiro plano, árvores ou vegetação mais rasteira. Na aba, pequenos e leves ramos num dos tons próprios desta faiança: o verde azeitona. A sua forma mostra algumas anomalias, resultantes, talvez, de um deficiente acondicionamento nas casetas e no forno. Não deixa, no entanto, de revelar a sua beleza. O segundo avulta pela simplicidade dos seus tons de azul e não desmerece no meio do conjunto.
Nesta peça observa-se uma roseta inscrita num hexágono em forma de grinalda. Um covo rico, pleno de cor, contrasta com a aba, onde uma singela cercadura de folhas vive da sua leveza.
Um dos motivos mais comuns: flores. Aqui, o artista, revelou a sua mestria, dando-nos uma imagem central onde impera a simplicidade, mas onde o traço demonstra certeza e precisão.
As flores mais usuais são as rosas, as túlipas e as anémonas. Podem ser representadas isoladas ou em conjuntos de três.
Mas a arca, qual ilusionista, ainda escondia outro segredo. Qual?
Um humilde conjunto de ratinhos que, envergonhados perante a altivez do grupo de Estremoz, não queriam ser mostrados. Mas não houve hesitações. A arca, pedia veementemente, quase exigia, a exibição deste conjunto de pratos Ratinhos, em união perfeita com a singeleza das suas decorações.
Sven Stapf "Faiança Portuguesa Faiança de Estremoz",1997
Cara Ivete Ferreira,
ResponderEliminarEspectacular postagem! Três em um!
O explendido mobiliário português, robusto e de óptima madeira, o deslumbramento da faianca de Estremoz e o encanto e a ingenuidade da louça ratinha.
Parabéns! Gostamos imenso desta apresentação.
Boa semana
Jorge Gomes
Cara Ivete Ferreira,
ResponderEliminarEspectacular postagem! Três em um!
O explendido mobiliário português, robusto e de óptima madeira, o deslumbramento da faianca de Estremoz e o encanto e a ingenuidade da louça ratinha.
Parabéns! Gostamos imenso desta apresentação.
Boa semana
Jorge Gomes
Ivete
ResponderEliminarQue belíssima arca. Cá por casa da família da minha mãe existem ainda duas dessas arcas, mas falta-lhes o saial e as pernas. As restantes arcas são de pele. É curioso que essas arcas de madeira estão na origem de quase todo o tipo de mobiliário. Com umas costas, transformaram-se em arquibanco e depois canapé, com uma mesa por de baixo em contador e com uns pés e umas gavetas, em cómoda.
A arca é linda e os ratinhos e louça de Estremoz ficam-lhe a matar. Aliás é uma peça de mobiliário que serve igualmente de bom cenário para arte sacra e peças de talha, aliás é tão simples e vetusta, que tudo lhe vai bem.
Um abraço
Caro Jorge Gomes
ResponderEliminarMuito obrigada pelas suas simpáticas palavras. O nosso mobiliário rústico é muito autêntico e rico nas suas diversidades. Há tempos vi um escano, daqueles que têm uma pequena tábua central que, quando desce, assenta numa trave e faz de mesa.
Fiquei encantada. Pena que não era para venda.
Ivete
Luís
ResponderEliminarTem toda a razão quanto às múltiplas funcionalidades das arcas. Combinando com outras partes esteve na origem de outros móveis. Desde guardar as fornadas de pão, aos enxovais das raparigas e até um simples banco, servia para imensas funções. Mas aquela que referiu em último lugar, servir de base a peças de arte sacra, é a que mais me agrada.
Um abraço
Ivete
É realmente um poste de arrasar, cara Ivete!
ResponderEliminarAdorei a arca só por si, temos uma parecida em vinhático, mas aquele saial recortado dá à sua maior graça.
Mas depois mimoseia-nos com o rico recheio, faianças lindas, quer as de Estremoz, quer os ratinhos de Coimbra.
Um regalo para os olhos qualquer das peças!
Obrigada pela partilha.
Um beijinho
Maria Andrade
EliminarSão pequenos tesouros que nos alegram e dão vontade de continuar, quando a energia vai faltando.
As faianças de Estremoz e os Ratinhos casam numa união perfeita com a arca.
Um abraço
Ivete
Bem Ivete, mobiliário faz-me sentir em casa.
ResponderEliminarQuando comprei a casa do Alentejo tinha planeado fazer uma habitação de aldeia, com mobiliário rústico, de que este exemplar seria uma possibilidade, e até sei onde se adquirem ... fiquei-me pela ideia, pois, neste momento, de rústico só tem o aspeto exterior, e um ou outro apontamento do interior.
Quando já se possui mobiliário anterior, é difícil conseguir manter objetivos que não o contemple, e o que possuía é tudo menos rústico.
E, a partir daí foi um desvario, de tal forma que hoje, apesar de gostar muito da casa, é tudo menos rústica! Vai tendo os seus apontamentos rústicos, mas é só isso mesmo, apontamentos!
A fazer-me lembrar esta sua arca, pois é igualmente rústica, guardo uma arca de embarcadiço que me ficou de um antepassado há muito desaparecido, feita parcialmente em madeira de cedro, com a tampa forrada a madeira de cânfora.
Há muitos anos que aguarda restauro, o qual ainda não me foi possível, no entanto estou a contar aplicar-lhe um saial recortado, que muito gosto e que fica parfeitamente adequado a este tipo de móvel.
Quanto ao recheio, bem ... este não consigo arranjar, no entanto contento-me em ver este que, em boa hora, aqui nos deixou e que faz uma pessoa sonhar com outras épocas.
Manel
Manel
ResponderEliminarGosto de mobiliário simples, sem muitos arrebiques. No entanto, também tenho um certo fascínio pelas peças arte nova. Vá-se lá saber porque?
Fiquei curiosa em ralação a arca de embarcadiço que menciona. Pode ser que o Luis faça um texto sobre ela.
As faianças alegraram a simplicidade da arca.
Um abraço
Ivete
Muito interessante, só é pena induzir em erro quem possa ver este este post, Estremoz pertence ao Distrito de Évora e não ao de Portalegre.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu reparo. O erro já foi emendado.
Eliminarif
Eu, cá no Brasil, tenho uma dessas arcas. Meus antepassados vieram de Trás-os-Montes de onde certamente trouxeram-na.
ResponderEliminarCaro anónimo
EliminarÉ natural que seja de origem transmontana- A ida de portugueses para o Brasil e outras terras espalhadas pelo mundo foi uma constante ao longo do tempo. A minha arca veio do concelho de Macedo de Cavaleiros.