Novamente as vilas operárias. Este gosto por conhecer Lisboa tornou-se em mais um dos meus interesses. Quem sabe, tanta dispersão, a que resultados levará? Mas, um pouco de loucura, faz bem à alma e enriquece a vida.
Há poucos dias, numa volta por Campolide, freguesia onde vivi até casar, deparei-me com algumas vilas operárias. Uma, que já tinha podido "ver em tempos", numa visita de estudo organizada pela CMLisboa, com o objectivo de contextualizar urbanisticamente o Aqueduto das Águas Livres. Nos seus tempos mais áureos a Vila Romão da Silva, assinalada por uma inscrição algo escondida no pilar do portão, anunciar-se-ia por uma placa cerâmica ou de outro modo mais digno. Hoje, a recordação fica-se por letras pintadas manualmente. São tão dignas como a mais elaborada das pinturas.
Construída nas traseiras daquele que foi o Palácio Laguares, edifício do século XVIII, ocupado durante muitos anos pela escola primária nº13, actualmente aí funciona a Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul.
Com o incremento da industrialização tornou-se premente a necessidade de construir casas, económicas e salubres, para o operariado, parte integrante da nova realidade social que se forma nos finais do século XIX e se sedimenta nos primórdios do século XX. Necessitados de casas com melhores condições de habitabilidade, e dada a escassez de terrenos bem localizados, que fossem próximos dos locais de trabalho, e permitissem uma construção económica, assistimos ao aproveitamento de espaços nas traseiras dos prédios, muitos deles destinados à pequena burguesia. Na Rua Professor Sousa da Câmara temos dois exemplos. A Vila Romão da Silva, com um amplo pátio, circundado por habitações de rés do chão e primeiro andar, onde um habitante solitário goza uma réstia de Sol e
a Vila Raúl com entrada por um portão gradeado, entre dois edifícios que dão directamente para a rua. Característicos das primeiras décadas do século XX, um deles ainda habitado, outro já com o destino traçado - o abate. Casas que ladeiam uma rua de acesso, porta e janela, num convívio quase forçado, entre os seus ocupantes
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A condessa do Paço do Lumiar, em 1889, vendeu terrenos que detinha na zona de Campolide, para a construção do Bairro Novo de Campolide. As primeiras ruas delineadas e posteriormente executadas, designadas inicialmente pelos números 1 a 4, deram, posteriormente, origem às ruas Conde das Antas, General Taborda, Victor Bastos e D. Carlos de Mascarenhas. Para além de edifícios mais elaborados e com projecto de autor vamos, mais uma vez, encontrar as já "famosas" vilas operárias.
Na Calçada dos Mestres, rua que deve o seu nome aos mestres de ofícios que, no século XVIII, vieram trabalhar para o aqueduto das Águas Livres, também deparamos com a Vila Emília, com acesso por um portão de ferro e um arco, por debaixo do prédio, entretanto recuperado.
Encontrei o portão fechado. Mas o engenho e uma máquina "mignone" permitiram uma fotografia. Mais uma vez se nos depara uma rua estreita, com leve inclinação para o centro, talvez com o intuito de permitir que as águas escorressem, ladeada por casas baixas, aparentemente bem conservadas. Habitação menos remediada entre outras mais remediadas. Os operários ocupavam-nas, embora hoje os seus habitantes sejam outros, pois os filhos dos primitivos ocupantes fugiram para casas mais modernas, nos dormitórios adjacentes a Lisboa.
Na Rua Soares dos Reis, perpendicular à Rua General Taborda, a Villa Motta, com acesso por um arco sob o prédio, portão gradeado, aberto, convidando a entrar. Não me fiz rogada. Sorrateiramente fui andando e deparei-me com uma senhora, gozando o sol de uma tarde amena. Orgulhosamente, informou-me que tinha nascido no nº 2, a casa por trás de si. Rua com calçada à portuguesa, de casa bem tratadas, algumas exibindo, com donaire, sinais exteriores de riqueza.
Continuando para a rua General Taborda a nossa vista encontra-se com a Villa Borba, com acesso através de um arco que passa por baixo do prédio. O mesmo esquema de edificação - rua bordejada por correnteza de casas, com três pisos.
Estas vilas, expressamente destinadas a famílias operárias, tinham regras bem definidas para a sua construção. O Regulamento Camarário de 1930 definia-as como "edificações destinadas a uma ou mais moradias construídas em recintos que tenham comunicação, quer directa, quer indirecta, com a via pública, por meio de serventia"1.
Ainda deambulando pela Rua Professor Sousa da Câmara, deparei-me com a fachada azulejada de um palacete, encimado por balaustrada e peças de faiança: jarrões e pinhas.
Mas as surpresas ainda não tinham findado. Não muito ao meu jeito, por regra sou tímida, entrei pelo portão do dito palacete. Devia ter sido a entrada de honra, mas agora está reduzido a pequenas oficinas, uma delas de restauro de móveis. Qual não é o meu espanto quando avisto azulejos de figura avulsa, recolocados ao acaso, nos muros e paredes. No meio deles, sem qualquer relação, um motivo que nunca tinha visto - jarras de flores. Que vontade de os trazer comigo. Que belíssimo painel formariam, depois de devidamente restaurados. C'est la vie! Fica o prazer de os ter encontrado e de os dar a conhecer.
Nuno Teotónio Pereira "Pátios e vilas de Lisboa, 1870 - 1930:a promoção privada do alojamento operário". Análise Social, vol.XXIX, 1994, pág.512.
Gostei de acompanhar neste passeio por algumas das vilas operárias de Lisboa menos conhecidas. Trabalhei durante uns 3 anos na Rua Conselheiro Fernando de Sousa, perto do CC das Amoreiras e por vezes à hora de almoço ia meter no nariz nas vilas operárias ali vizinhas, algumas delas já debaixo da ameaça imediata da especulação imobiliária. Confesso que me encantavam. Dizia muitas vezes aos meus colegas de emprego da época, que achava aqueles bairros uma graça e que se fosse em Paris aquelas casinhas eram vendidas ao preço do ouro a artistas, mas eles olhavam para mim como se eu fosse parvo.
ResponderEliminarUm abraço