Uma pequena e elegante arca esgrafitada que, apesar de lhe faltar a base,que lhe confere um pouco de elevação, fazendo-a sobressair e ganhar estatura relativamente ao solo, não desmerece face a outras congéneres.
As arcas esgrafitadas,
durante tanto tempo atribuídas a produção estrangeira, foram executadas e produzidas de forma ímpar nas ilhas açorianas, com uma provável influência
flamenga, dada a colonização de algumas das ilhas por colonos oriundos da Flandres.
A localização atlântica das ilhas estabelecia a ligação entre dois mundos e proporcionava conhecimentos de outras civilizações que, depois de uma “reflexão adequada e utilizando as madeiras dominantes, nascia a própria arte local, matizada de novas soluções, algumas delas ingénuas, mas sempre nobres e de espírito elevado”1.
Resultam de vivências fortes e de adaptações às características geoespaciais, marcadas pela insularidade.
Pelo valor intrínseco
que possuem, pelo interesse cultural e artístico, pela raridade,
pela grande época, pela sua beleza e carácter sociológico são alvo de interesse de estudiosos,
coleccionadores, antiquários e também de pessoas em geral.
As arcas são o modelo mais
usual e comum do mobiliário, não só pelo seu carácter prático e
funcional, mas também pelo destino que lhes era dado. Eram peças cruciais do mobiliário de uma casa tradicional.
Apresentam como
principais características serem desprovidas de molduras, exibindo
malhetes de canto, alguns bastante trabalhados levando quase a
concluir que os “artesãos que os executaram (tiveram) mais
interesse em que constituíssem um elemento de decoração
demonstrativo do seu virtuosismo, do que correntio sistema de
emsamblagem”2.
De forma paralelipipédica, mostram o tampo justaposto à estrutura para melhor funcionamento dos gonzos, excedendo lateralmente as ilhargas.
Móveis de decoração
incisa, também conhecidos por esgrafitados, vivem da ornamentação que é obtida por incisão ou pirogravura. As incisões eram preenchidas com uma massa escurecida com noz de galha.
Datadas dos séculos XVI e XVII, foram exportadas com sucesso por toda a Europa, encontrando-se muitos exemplares na região de Manchester e também em Espanha e na Flandres..
O cedro, madeira na qual eram produzidas, existia em grande abundância nas ilhas açorianas.
Verifica-se, pois, que em
Angra a indústria produtora de móveis estava florescente com a
consequente exportação. Daí a “relativa frequência com que se
encontra este tipo de trastes no mercado internacional” 3.
O esquema organizativo da decoração está dividido em três compartimentos. O central, e os laterais, maiores e simétricos, como simétrica é a ornamentação que revelam: dois leões rompantes, com a cauda enrolada entre motivos vegetalistas. Centralmente uma composição floral.
Apesar de, durante parte do século XX, terem despertado pouca atenção entre o meio do antiquariato, alguns exemplares integravam colecções particulares e o acervo de instituições públicas, tais como o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo, o Museu do Caramulo e o Museu da Quinta das Cruzes, no Funchal.
MNAA Nº Inv.1662 Mov |
1 - FORJAZ, Jorge Pamplona - “Nota preambular”in
MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira "O desconhecido mobiliário açoreano do século de ouro”.
2/3 - FELGUEIRAS, José J. G. Jordão - “O desconhecido mobiliário açoreano do século de ouro”. Lisboa, 2002, Revista Museu IV série, nº 11, Círculo Dr.José de Figueiredo, pág.78 e 83.
Muito bonita, a arca. E o seu pedagógico texto.
ResponderEliminarJá aprendi, hoje, algumas coisas. Obrigado.
E uma boa noite!
Caro APS
ResponderEliminarSão bonitas e quase desconhecidas estas arcas e de produção portuguesa. Muitas encontram-se no estrangeiro com atribuição errada. Ainda bem que gostou, quer das imagens, quer do texto.
if
Ivete
ResponderEliminarMuito interessante.
De facto há pouco tempo tive notícia de uma arca muito arcaica como esta, que aqui mostra, com inscrições em português e que estava num museu estrangeiro e agora, percebo porquê, depois de ter lido o seu pequeno texto.
Fui lendo aqui e ali sobre a riqueza e a especificidade do mobiliário feito nos Açores ou existente nas colecções açorianas, fruto da das relações privilegiadas daquelas ilhas com as Américas e a Europa. Por exemplo, nos Açores usam para o pau-santo, a mesma designação que os brasileiros, o jacarandá.
Estas arcas arcaicas impressionam pela sua solidez e pela forma como que desafiaram o tempo e as modas.
Um abraço