Este ex-voto, de dimensões bastante grandes, representa uma cena que, tudo leva a crer, ser no interior de um convento, dada a presença das religiosas e da miraculada ser Madre Maria Perpétua.
Representam sinais de fé e diálogo com Deus. Estes pequenos quadros pintados nos mais diversos suportes - madeira, tela, folha de lata, cartão, papel - transmitem ingenuamente a cor local, retratando cenas de interiores onde, genericamente, se podem observar camas, mais ou menos requintadas, dado que os pedidos eram, maioritariamente, derivados de situações de doença. Traduzem as graças atendidas por intercessão daqueles a quem eram dirigidas. Pintados por artistas populares, são provas vivas da nossa riqueza etnográfica e reconstituem, de forma ingénua, e algo naif, o ambiente onde o milagre se produziu.
A proveniência deste ex-voto poderá ser atribuída, com alguma reserva, ao Convento
de Nossa Senhora de Campos de Sandelgas, dado que na legenda vem referida Nossa Senhora de Campos, nesse mesmo convento venerada..
Situa-se em Sandelgas, no concelho de
Montemor-o-Velho, distrito de Coimbra. Teve a sua origem numa pequena
ermida erigida no mesmo local, em 1415, consagrada a Nossa Senhora
de Campos. A viúva de D. João de Castro, D. Isabel de Castro,
juntamente com mais cinco senhoras, fundou um convento junto da mesma.
Devido às recorrentes cheias do Mondego, que
tornavam as instalações conventuais inabitáveis, em 1691, as
freiras foram transferidas para o novo convento, consigo transportando unicamente a Cruz de Cristo e uma imagem de Nossa Senhora de
Campos.
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, as
freiras de Sandelgas ingressaram no convento de Santa Clara de
Coimbra. Os edifícios foram vendidos em hasta pública, no ano de
1865 e comprados pela família Moura-Gusmão, que ainda mantém a sua
propriedade.
Nossa Senhora de Campos |
O espaço cénico revela, à esquerda, a imagem de Nossa Senhora de Campos, numa posição elevada, suportada por uma nuvem, simbolizando a representação teatral do sagrado.
A estrutura pictórica dos quadrinhos apresenta dois espaços distintos, mas que
se completam: o sagrado e o profano. As duas áreas são bem
definidas. O sagrado, no campo superior do quadro ou centralmente,
criando um jogo de simetrias, formado pela representação da
figura invocada, com os atributos que a individualizam.
Geralmente, a imagem invocada, surge envolta numa nuvem, causando um
efeito de teatralidade para a apresentação do sagrado.
No entanto, as cenas mais comummente fixadas, são
cenas de interiores, geralmente em lugar de destaque, uma cama onde
está representado aquele/a por quem se pede.
Muitas vezes, mais personagens surgem no espaço
cénico: familiares e domésticos, o padre, o médico, todos eles
numa acção conjugada e colectiva de interceder junto da imagem
divina no sentido de pedir a realização de uma graça, tantas
vezes, quase já in extremis.
“M. Q. FES N. S.
DECAMPOS A Mb. PERPETUA Mª SOLDANDOLHE HVMA ARTERIA DE HV. PEITO EM
QVE PADECIA HV GRªNDE ACHAQVE EAPLICANDOLHE OMANTO DA Sª. PAROU
OSANGVE ECONTINUARAM ASMILHORAS ANNO D 1726”.
Também parte integrante da pintura é a legenda,
que conjuga os dois espaços: o sagrado e o profano.
Nela estão inscritos : identificação do beneficiário, localidade de origem, motivo do pedido, entidade a quem se pede a graça e a data.
Transmissoras de uma mensagem, cumprem a missão de informar, agradecendo a graça recebida e divulgando, numa função catequética e de ensinamento, através da exposição nas paredes das igrejas, capelas e santuários, pretendendo que todos dela beneficiassem, exortando-os a proceder do mesmo modo
A legenda, escrita numa linguagem mais erudita,
identifica a entidade cuja protecção se celebra -Nossa Senhora de Campos - , a beneficiária da
graça concedida - Madre Perpétua Maria -, o motivo do agradecimento – uma artéria que
padecia um grande achaque – o modo como o milagre se concretizou –
protecção sob o manto da Senhora – e, no fim, a data - 1726.
Resta-me agradecer ao seu proprietário o ter permitido a sua divulgação. Bem haja.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarQue coisa linda. É também interessante observar que os toucados das religiosas mostram também a evolução da indumentária conventual. Hoje as irmãs da Ordem Terceira de S. Francisco já não usam essas toucas. Aliás, julgo que já nenhuma ordem religiosa os usa. Mas são um detalhe delicioso. Seriam talvez engomados de modo a fazerem uma espécie de plissados?
ResponderEliminarUm abraço