segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A Faiança Ratinha na Exposição de Évora, em Junho de 1956






Por verdadeiro acaso, deparei-me com esta preciosidade. Ou quereria ela  encontrar-se comigo? Foi um coup de foudre imediato. Folheei-a com cuidado, não fosse ela esconder e encerrar os seus tesouros. 
Este pequeno Catálogo da "Exposição de Cerâmica Antiga Europeia e Oriental (Séculos XVI  - XIX)", foi publicado pela Comissão Municipal de Turismo para a exposição que esteve patente no Palácio de D. Manuel", em Évora, no mês de Junho de 1956.
Com a contribuição dos seus proprietários, foi possível reunir uma amostra significativa de peças, entre as quais alguns pratos de Faiança Ratinha.


Túlio Espanca
(imagem retirada da internet)

Comissariada por Túlio Espanca, investigador eborense, autodidacta e autor de inúmeros artigos e trabalhos, versando o património artístico do Alentejo, foi, entre várias publicações, autor do volume referente ao distrito de Évora, para o Inventário Artístico de Portugal.
Conhecedor e apreciador da faiança portuguesa, pretendeu, com esta mostra realizada em Évora, dar-lhe o merecido lugar de destaque na "História da Cerâmica Artística"1.

No decorrer do século XIX, realizaram-se diversas  exposições industriais, quer a nível nacional, quer regional.  No distrito de Coimbra decorreram várias, destacando-se a que aconteceu no ano de 1884. Nela participaram diversos produtores cerâmicos, entre eles Adelino Pessoa e Irmãos, que apresentaram "louça de consumo ordinário, produtos baratos para os mercados populares, com interessantes pinturas: plumagens, flores caprichosas, algas e penas de pavão, feição característica da faiança coimbrã"2. Esta referência tem um nexo: a Faiança Ratinha, coimbrã, popular e económica, rica e chamativa, apelando aos sentidos pela sua cor e alegria.
A família Pessoa, notável dinastia de ceramistas de Coimbra, percorreu os séculos XIX e XX (parte), produzindo louça branca, nas suas duas vertentes: fina ou de Vandelli e grossa, de segunda qualidade. Será nesta última categoria que podemos incluir os pratos que figuraram na exposição de 1956 e de que foi possível identificar o percurso, até integrarem o acervo do Museu Machado de Castro. 



Analisando as descrições constantes  do catálogo, verifica-se que são oito as entradas - que correspondem aos nºs 90 a 97 - nas quais constam as expressões: Tipo "ratinho", fabrico da região de Coimbra, séc. XIX, das características da anterior, faiança do mesmo género, decoração idêntica, loiça ratinha. Dos proprietários que cederam as suas peças sobressai o nome do Eng. Júlio Reis Pereira. Além deste, mais dois nomes são referidos: os do Sr. Venceslau Lobo e do Sr. João Capa. Quer as imagens, quer as descrições, embora sucintas, permitem concluir que os exemplares expostos pertencem à denominada  faiança ratinha.
Os quatro pratos expostos no escaparate pertenciam ao Sr. João Capa. Quando os fotografei, incorporavam já a colecção do Engº José Alberto Reis Pereira.
A colecção reunida por Júlio Reis Pereira, pintor e poeta, e grande coleccionador, foi conservada, na totalidade, por seu filho, Eng. José Alberto Reis Pereira. Por disposição testamentária deste último, integra agora a colecção do Museu Machado de Castro.  

Plasmados como exemplos da figuração humana e zoomórfica atestam, sem sombra de dúvida, a sua origem "ratinha": materialmente pobre, mas rica no colorido e na diversidade das decorações.








Um outro prato, que não figura no escaparate fotografado, mas que foi possível identificar pela descrição que se encontra sob o nº 95, a fls. 28:



Belíssima palangana, com 35,5 cm de diâmetro. Pertenceu ao Sr. Venceslau Lobo, mas teve o mesmo destino - a colecção Reis Pereira. Tem a seguinte descrição:" Faiança; esmalte branco, decoração polícroma, com predomínio do verde, tendo no fundo um tocador de sanfona e um rapaz do povo". Rodeia o par, uma cercadura ondulada de pequenos círculos verdes, realçada por perlados, em manganés.





Por último, com figuração festiva, uma outra palangana, com a representação de uma construção "castelo ou touródromo embandeirado".


1 - Túlio Espanca - "Exposição de Cerâmica Antiga Europeia e Oriental", pág.9.
2 - 1º Centenário da Exposição Distrital de Coimbra. Coimbra, Secretariado das Comemorações, 1984, pág. 40-

2 comentários:

  1. Esse trabalho de reconstituir antigas colecções é sempre interessante, ainda para mais quando tem um final feliz e as peças passaram a integrar acervo e um museu nacional.

    Também interessante tentar perceber como o gosto se vai moldando, pois ainda hoje há quem não aprecie os ratinhos, acham-nos muito rústicos, toscos mesmos.

    A divulgação que aqui vai fazendo desta faiança ajuda a sensibilizar o gosto para esta faiança e a r pistas aos jovens universitários sobre possíveis linhas de investigação na cerâmica portuguesa.

    Um abraço

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    1. Luís
      Foi gratificante seguir o percurso, meio século passado, e identificar os proprietários de alguns dos pratos que, posteriormente, vieram integrar a colecção de Júlio Reis Pereira. Conhecer o seu filho foi um privilégio. Pela sua simplicidade, pela preservação do trabalho desenvolvido por seu Pai e por me ter aberto as portas de sua casa para que pudesse estudar a sua colecção.
      A Faiança Ratinha, rústica e tosca, foi tratada, apreciada e coleccionada, como sabemos, por dois grandes vultos das letras e das artes do século XX: José Régio, pseudónimo de José Maria Reis Pereira e Júlio Reis Pereira. Irmãos e coleccionadores da pobre Faiança Ratinha.
      Um abraço
      Ivete

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