Por verdadeiro acaso, deparei-me com esta preciosidade. Ou quereria ela encontrar-se comigo? Foi um coup de foudre imediato. Folheei-a com cuidado, não fosse ela esconder e encerrar os seus tesouros.
Este pequeno Catálogo da "Exposição de Cerâmica Antiga Europeia e Oriental (Séculos XVI - XIX)", foi publicado pela Comissão Municipal de Turismo para a exposição que esteve patente no Palácio de D. Manuel", em Évora, no mês de Junho de 1956.
Com a contribuição dos seus proprietários, foi possível reunir uma amostra significativa de peças, entre as quais alguns pratos de Faiança Ratinha.
Túlio Espanca (imagem retirada da internet) |
Comissariada por Túlio Espanca, investigador eborense, autodidacta e autor de inúmeros artigos e trabalhos, versando o património artístico do Alentejo, foi, entre várias publicações, autor do volume referente ao distrito de Évora, para o Inventário Artístico de Portugal.
Conhecedor e apreciador da faiança portuguesa, pretendeu, com esta mostra realizada em Évora, dar-lhe o merecido lugar de destaque na "História da Cerâmica Artística"1.
No decorrer do século XIX, realizaram-se diversas exposições industriais, quer a nível nacional, quer regional. No distrito de Coimbra decorreram várias, destacando-se a que aconteceu no ano de 1884. Nela participaram diversos produtores cerâmicos, entre eles Adelino Pessoa e Irmãos, que apresentaram "louça de consumo ordinário, produtos baratos para os mercados populares, com interessantes pinturas: plumagens, flores caprichosas, algas e penas de pavão, feição característica da faiança coimbrã"2. Esta referência tem um nexo: a Faiança Ratinha, coimbrã, popular e económica, rica e chamativa, apelando aos sentidos pela sua cor e alegria.
A família Pessoa, notável dinastia de ceramistas de Coimbra, percorreu os séculos XIX e XX (parte), produzindo louça branca, nas suas duas vertentes: fina ou de Vandelli e grossa, de segunda qualidade. Será nesta última categoria que podemos incluir os pratos que figuraram na exposição de 1956 e de que foi possível identificar o percurso, até integrarem o acervo do Museu Machado de Castro.
Analisando as descrições constantes do catálogo, verifica-se que são oito as entradas - que correspondem aos nºs 90 a 97 - nas quais constam as expressões: Tipo "ratinho", fabrico da região de Coimbra, séc. XIX, das características da anterior, faiança do mesmo género, decoração idêntica, loiça ratinha. Dos proprietários que cederam as suas peças sobressai o nome do Eng. Júlio Reis Pereira. Além deste, mais dois nomes são referidos: os do Sr. Venceslau Lobo e do Sr. João Capa. Quer as imagens, quer as descrições, embora sucintas, permitem concluir que os exemplares expostos pertencem à denominada faiança ratinha.
Os quatro pratos expostos no escaparate pertenciam ao Sr. João Capa. Quando os fotografei, incorporavam já a colecção do Engº José Alberto Reis Pereira.
A colecção reunida por Júlio Reis Pereira, pintor e poeta, e grande coleccionador, foi conservada, na totalidade, por seu filho, Eng. José Alberto Reis Pereira. Por disposição testamentária deste último, integra agora a colecção do Museu Machado de Castro.
Plasmados como exemplos da figuração humana e zoomórfica atestam, sem sombra de dúvida, a sua origem "ratinha": materialmente pobre, mas rica no colorido e na diversidade das decorações.
Um outro prato, que não figura no escaparate fotografado, mas que foi possível identificar pela descrição que se encontra sob o nº 95, a fls. 28:
Belíssima palangana, com 35,5 cm de diâmetro. Pertenceu ao Sr. Venceslau Lobo, mas teve o mesmo destino - a colecção Reis Pereira. Tem a seguinte descrição:" Faiança; esmalte branco, decoração polícroma, com predomínio do verde, tendo no fundo um tocador de sanfona e um rapaz do povo". Rodeia o par, uma cercadura ondulada de pequenos círculos verdes, realçada por perlados, em manganés.
Por último, com figuração festiva, uma outra palangana, com a representação de uma construção "castelo ou touródromo embandeirado".
1 - Túlio Espanca - "Exposição de Cerâmica Antiga Europeia e Oriental", pág.9.
2 - 1º Centenário da Exposição Distrital de Coimbra. Coimbra, Secretariado das Comemorações, 1984, pág. 40-
Esse trabalho de reconstituir antigas colecções é sempre interessante, ainda para mais quando tem um final feliz e as peças passaram a integrar acervo e um museu nacional.
ResponderEliminarTambém interessante tentar perceber como o gosto se vai moldando, pois ainda hoje há quem não aprecie os ratinhos, acham-nos muito rústicos, toscos mesmos.
A divulgação que aqui vai fazendo desta faiança ajuda a sensibilizar o gosto para esta faiança e a r pistas aos jovens universitários sobre possíveis linhas de investigação na cerâmica portuguesa.
Um abraço
Luís
EliminarFoi gratificante seguir o percurso, meio século passado, e identificar os proprietários de alguns dos pratos que, posteriormente, vieram integrar a colecção de Júlio Reis Pereira. Conhecer o seu filho foi um privilégio. Pela sua simplicidade, pela preservação do trabalho desenvolvido por seu Pai e por me ter aberto as portas de sua casa para que pudesse estudar a sua colecção.
A Faiança Ratinha, rústica e tosca, foi tratada, apreciada e coleccionada, como sabemos, por dois grandes vultos das letras e das artes do século XX: José Régio, pseudónimo de José Maria Reis Pereira e Júlio Reis Pereira. Irmãos e coleccionadores da pobre Faiança Ratinha.
Um abraço
Ivete