Uma peça interessante e invulgar, que desperta a atenção, quer pelas dimensões, quer pela forma e ainda pela riqueza decorativa. Forte probabilidade de ter sido produzida no início do século XX.
É atribuída, por um coleccionador de escol, à Fábrica do Senhor do Além, situada na vertente norte da serra do Pilar, nas margens do Douro, em Vila Nova de Gaia. Foi uma das muitas fábricas vilagaienses, que existiram e laboraram nesta zona, nos séculos XIX e XX.
Ruínas da Fábrica do Senhor do Além Imagem retirada do Blog "Monumentos Desaparecidos" Fotografia de Alexandre Silva |
No ano de 1861, as instalações foram vendidas a António Rodrigues dos Santos, sendo o imóvel caracterizado como "uma propriedade de casas no sítio que foi antigamente o Hospício do Senhor d'Alem"1. A partir de 1866, a fábrica fica sob a gerência dos irmãos Vieira Braga. Estes, por dissensões internas, não conseguem manter a sua laboração e vai entrar num período de decadência. Finalmente, em 1908, uma nova gerência dá-lhe vida e fulgor. Adquire prestígio e a sua produção artística torna-se conhecida e apreciada. Embora não sejam muitas as peças conhecidas e marcadas, existem algumas que, inclusivamente, têm constado da almoeda de algumas casas leiloeiras, como a Cabral de Moncada.
Peça bem lançada, com um esmalte branco baço e uma paleta cromática forte e viva. Frontalmente, como se vê na primeira imagem, apresenta uma pequena albarrada, com flores em tons de rosa forte e amarelo. Poderá estar associada a idênticos motivos decorativos da produção azulejar a que a fábrica se dedicou no seu último período de laboração. Lateralmente, e nas imagens que antecedem, podem ver-se as armas de Portugal e do Brasil, encimadas pelas respectivas coroas real e imperial, e ladeadas por palmas. Todo este trabalho é relevado. No frete, recolhido, bem como no início do bojo e no terminal da boca, observam-se cinturas de perlados, azuis e rosa, numa alternância ritmada e bem conseguida.
A boca é larga e bem lançada, admitindo-se que nela possa ter sido aposta uma tampa. A asa, elegante e de forma auricular, num belo tom azul esverdeado, apresenta trabalho relevado, terminando num emaranhado de folhas.
Termino este post com uma pequena história, contada através de uma outra peça de faiança, exactamente do mesmo modelo e forma, também relevada, mas com paleta cromática diferente, alusiva a um aluno que sonhava, quem sabe, com o canto dos grilos e com os espaços abertos que o deixariam mais feliz do que as repetidas lições do Senhor Professor. Como o respeito e a autoridade do mestre eram, à data, inquestionáveis e soberanos, o pai do garoto, cerâmico na Fábrica do Senhor d' Além, ciente de que o seu filho era um aluno rebelde e traquinas, modelou este jarro e ofereceu-o ao Mestre, como que pedindo desculpa pelo comportamento do seu rapaz.
Frontalmente pode ler-se o nome do homenageado António de Oliveira Reis, professor primário na freguesia de Avintes, ladeado pelos escudos de armas de Portugal e do Brasil.
A singularidade da peça está na tampa, que exibe todos os elementos necessários ao trabalho escolar: o quadro preto, o compasso, o esquadro, a secretária, o tinteiro, o ponteiro, a palmatória, o livro e a pena para escrever. Ao centro, choroso, o sonhador castigado...
"A Cerâmica em Vila Nova de Gaia", pág.286 |
"A Cerâmica em Vila Nova de Gaia", pág.287 |
Ivete
ResponderEliminarÉ muito útil ir mostrando aqui alguma da produção de fábricas mais ou menos desconhecidas da região do Porto e Gaia. Será sem dúvida útil para os amadores de faiança. Embora estes dois jarros me pareçam peças de excepção. Sem dúvida a fábrica teria uma produção mais corrente de pratos e travessas, que se calhar, hoje quando os encontramos nos mercados de velharias, somos capazes de os atribuir a Fervença, Miragaia, Bandeira ou até a Coimbra...
Um abraço
Olá Ivete,
ResponderEliminarRealmente este é o tipo de peças que se identificam com a Fábrica do Senhor d'Além. São magníficas!
E graças a este seu poste pude identificar e fotografar o local da fábrica, umas ruínas e capela que se vêm a partir das Fontainhas, do outro lado do rio.
Sempre muito interessantes estes postes! Obrigada.
Abraços
Luís e Maria A.
ResponderEliminarRespondo conjuntamente pois os vossos comentários completam-se muito bem. Realmente o jarro que me foi possível fotografar é espectacular pela forma, pelo tamanho, pelas cores e pela decoração relevada. Não se consegue perceber se teve tampa ou não, mas que é imponente, disso não há dúvidas.
Um abraço para os dois
Ivete
Nessa casa em ruínas que se vê na foto morei e criei os meus filhos Rua cabo Simão NR 63 / 35 anos de felicidade e alegria,, saudades profundas desse tempo maravilhoso.
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