sábado, 22 de junho de 2013

Painel de Ratinhos

                                                               

Um painel de Ratinhos




Uma área, que servia de floreira, com novas flores. Este conjunto de Faiança Ratinha, num espaço reconvertido, revitaliza e homenageia os artistas que souberam dar cor e alegria às peças de sua produção.
Pratos, palanganas e alguidar: as tipologias que, pelo seu formato e dimensões, podem ser observadas.

As pequenas oficinas que os produziam, muitas vezes unifamiliares, recorriam às suas próprias composições das pastas, realizando diversas misturas e ensaios, até conseguirem aquela cujo resultado  os satisfizesse.
Depois de misturados, os diversos componentes eram introduzidos num tanque. A pasta obtida, depois de alcançar alguma homogeneidade, era retirada para um peneiro de metal, onde ficava em repouso, até a água se evaporar. Era a ocasião para seleccionar entre a camada mais fina -aproveitada para o fabrico de peças mais apuradas - e a parte mais grosseira, com a qual era produzida a generalidade deste tipo de faiança 1.
O menor cuidado na preparação da pasta originava, muitas vezes, deficiências e irregularidades: falhas no vidrado, deixando a descoberto zonas de massa rude contendo impurezas, bolhas e eflorescências.

  

A gramática decorativa dos artistas ratinhos era extremamente  rica e variada, a ponto de se poder assegurar que não existem dois pratos ratinhos iguais. A imaginação criativa dos pintores consubstanciou-se numa grande diversidade dos temas abordados, que se podem reconduzir  aos seguintes  grupos temáticos: figurativos, vegetalistas, geométricos, simbólicos, históricos e satíricos.





Palangana com estrela, em forma de  Rosa dos Ventos, de 16 pontas, sugerindo simbolicamente o caminho a seguir pelo Homem.






Outra palangana - terminologia que enquadra os pratos com dimensões iguais ou superiores a 35 cm - com uma decoração do tipo "arroz doce". A cercadura mostra pequenas cartelas, definidas por semicírculos concêntricos. Ao centro, observa-se o vidrado escorrido, sinal de uma peça ainda não totalmente seca, quando foi enfornada.







Este tipo de composição floral obedece a uma organização axial, na qual o ramo se dispõe simetricamente, dividido em grupos de três flores, envolvidas por leves filamentos. Utilizou-se a técnica do esponjado, em conjunto com o desenho à mão livre.





Prato com uma decoração leve e singela: pequena flor central inscrita numa coroa de flores, que ocupam a totalidade da superfície do covo. Falhas no vidrado e marcas de cortes, revelam sinais de muito uso. Um dos primeiros da minha colecção.



Uma decoração heptagonal definida por duas linhas paralelas, entrelaçadas com uma grinalda e  filamentos. Ao centro, uma espiral, inscrita em três círculos justapostos.







 Um alguidar com uma decoração invulgar e inscrição difícil de explicar, uma vez que  apresenta a palavra Lisboa,  circunscrita por três círculos concêntricos. Peça mais tardia, a raiar os finais do século XIX, início do XX.



1 LEPIERRE, Charles - Estudo Chímico e Tecnológico sobre a Cerâmica Portuguesa Moderna. Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, 1912.










quarta-feira, 12 de junho de 2013

"Os cinco-reisinhos, o tostãozinho ou o cêntimo para o Santo António"

Santo António nasceu em Lisboa, cerca de 1195 e morreu em Pádua, Itália, no ano de 1231. Foi canonizado em 1233, pelo papa Gregório IX.
Santo de especial devoção de muitas gentes, é protector dos marinheiros, dos pobres, das jovens casadoiras e dos objectos perdidos.
Anualmente, a 13 de Junho, celebra-se o seu dia. Uma das manifestações mais características, nomeadamente na cidade de Lisboa, embora tenha vindo a cair em desuso, são os tronos erguidos em sua honra.
A prática de organizar os tronos de Santo António é posterior ao terramoto de 1755. Nesse dia, a igreja, que lhe era dedicada, foi destruída. Não havendo dinheiro para a reerguer, a recolha de fundos para a sua reconstrução foi entregue às crianças, que pediam uma singela moeda para a nova obra que se pretendia edificar. Tal veio a acontecer em 1757. A tradição dos tronos manteve-se até meados do século XX, principalmente nos bairros mais populares.
Embora não percebesse claramente o que estava a fazer, lembro-me, nos meus tempos de criança, de correr as ruas, com as minhas amigas de brincadeira e pedir "um tostãozinho para o Santo António". Era uma maneira de arranjarmos umas moedas, que logo eram trocadas por rebuçados.
Bastante mais tarde, concorri, com este Santo António de flores silvestres, ao concurso organizado anualmente pelos "Artesãos da Região de Lisboa", sob a direcção da Srª D. Maria de Portugal.




O século XIX, foi um século em que os revivalismos e o sentido patriótico foram muitos sentidos. Nessa conformidade, esteve muito em voga a celebração dos centenários. Entre eles, destacou-se a efeméride do 7º centenário do Nascimento de Santo António. 






Pelo decreto de 19 de Julho de 1894, estabeleceu-se o calendário e o projecto oficial da Festa Nacional, do 7º Centenário de Stº António de Lisboa, que iria decorrer entre 13 e 30 de Junho, portanto durante três semanas, sob a "Presidência Honorária de Sua Majestade A Rainha".
A Comissão Executiva, presidida pelo Marquês de Pombal, preparou um programa repleto de actividades, a maior parte destinada a ser gozadas e apreciada pela população, como espectáculos de fogo de artifício e balões incandescentes, iluminações em vários pontos da cidade, arraiais no Terreiro do Paço, corrida de touros à Antiga Portuguesa, na Praça de Algés, Grande Cortejo de carros alegóricos e um concorrido Cortejo Fluvial no Tejo, no qual seria levada, em procissão, a imagem de Santo António no bergantim real,  desde o cais de Stª Apolónia até ao cais da Rocha Conde de Óbidos. O cortejo pretendia simbolizar o momento do embarque de Santo António para África. As festividades, conforme programado, terminariam no dia 30, pelas 4 horas da tarde, com uma "Solemne Procissão" pelas principais ruas da cidade e culminariam com um Te-Deum, na Sé Patriarcal.

O cariz marcadamente popular destas comemorações foi potenciado pela profunda devoção de que o Santo era alvo. A análise do programa revela que diversas outras actividades dele constavam, nomeadamente uma Exposição de Arte Sacra Ornamental, de cuja "comissão dirigente" faziam parte, entre outros, o escritor Ramalho Ortigão, os artistas plásticos Rafael Bordalo Pinheiro e João Vaz e o arquitecto Adães Bermudes. Para além desta exposição, que teve o contributo de peças vindas dos vários paços reais, outros eventos ocorreram: os Espectáculos de Gala nos Teatros D. Amélia e D. Maria II, ou a Regata Internacional e, ainda, o Tiro aos Pombos, na Real Tapada da Ajuda.


Muitas e curiosas demonstrações relativas a este 7º Centenário perduram em registos expressivos,  tais como pratos de faiança, placas comemorativas, selos e postais de correio, medalhas,  servindo até de base a anúncios publicitários de casas comerciais.

A repercussão que a comemoração do 7º Centenário alcançou encontra-se documentada, entre muitos outros testemunhos, pelas fotografias que seguem, gentilmente facultadas por um coleccionador particular.












Imagem retirada da internet














sábado, 1 de junho de 2013


A propósito de uma peça de arte da Fábrica das Devesas



António de Almeida e Costa foi o criador e impulsionador da  Fábrica das Devesas, situada em Vila Nova de Gaia.
Nascido nos arredores de Lisboa, onde aprendeu a arte de canteiro, foi viver para o Porto, ingressou na oficina de Emídio Amatucci e nesta continuou a sua aprendizagem. Ambicioso e visando o futuro, investiu na sua formação, matriculando-se na cadeira de Geometria e Ornato, que frequentou na Escola Industrial do Porto.
Alguns anos mais tarde, em 1865, fundou a Fábrica das Devesas e, em 1886, inaugurou a sucursal na Pampilhosa do Botão, situada na confluência das linhas de caminho-de-ferro Lisboa/Porto e Beira Alta, que unia a Figueira da Foz a Vilar Formoso, estação última de saída para Espanha. Dotado de uma aguda perspectiva de desenvolvimento económico, não descuidando o mercado interno ( daí a localização estratégica da sucursal), tinha, também, a exportação, como ideia dominante .
Associando a arte à indústria, diversifica a sua produção, concentrando-se, entre outras vertentes, na execução  de peças de grande formato, destinadas à decoração exterior, de jardins e fachadas.

Não descurava, por outro lado,  a formação técnica e artística dos seus operários e, por isso, fundou, na própria fábrica, uma escola de modelação e desenho, cuja frequência se documenta através do pedido de apoio, requerido ao Rei D. Carlos por Joaquim Gonçalves da Silva, operário da Fábrica das Devesas, que lhe permitisse, em virtude das suas carências económicas, continuar a frequentar o curso de desenho histórico da Academia Politécnica do Porto.





Sufragando esse pedido, António de Almeida e Costa atestou, como acima se vê, o exemplar desempenho e assiduidade no trabalho desse seu operário, salientando o seu percurso de formação, quer na própria fábrica, quer na escola Industrial Passos Manuel, circunstância que, naturalmente, favoreceu o deferimento régio obtido, exarado no despacho constante do documento que segue. 




Para além desta vertente pedagógica e social, há que realçar a preocupação de António de Almeida e Costa em acolher e apoiar  artistas portuenses, em especial escultores.  Subsidiou um estágio em Paris ao escultor António Teixeira Lopes.

Numa simbiose entre a indústria e a arte, a  sua cerâmica apresenta atributos dignos de nota, por via da qualidade do esmalte, da pintura cuidada e de uma paleta cromática diversificada.
É o caso desta coluna, de faiança fina e polícroma, cujas imagens se devem à cortesia da leiloeira Cabral de Moncada ( Catálogo do Leilão 147, pág. 65) 
                                  
Uma coluna finamente esmaltada, onde avultam, em cada uma das faces, duas cenas, uma de um casal a bailar, outra de dois homens envolvidos numa briga. A pintura retrata uma paisagem,com casario,  ao gosto das fábricas do norte, envolta por uma ornamentação bem delineada. 
A marca surge na base "Fª DAS DEVESAS".








 A cena do bailado, pela atitude, pela posição, pelos requebros e pelo marcar ritmado das castanholas, pode  bem ter colhido inspiração na imagem que segue:

O Povo de Lisboa. Exposição Iconográfica.
 Câmara Municipal de Lisboa, Junho/Julho 1978/1979


  

Este tipo de peças, as colunas, destinavam-se a servir de suporte a imagens de algum porte, como a que se retirou do livro de Artur de Sandão "Faiança Portuguesa Séculos XVIII/XIX, pg 213".