quinta-feira, 24 de abril de 2014

Uma colecção de postais...

Uma colecção de postais...




Desde sempre gostei de postais, cartões e imagens antigas. Tudo o que, pelo seu colorido e fantasia, me fosse permitido guardar em livros e cadernos. Aquelas pequenas imagens brilhantes e ingénuas fizeram e fazem as minhas delícias.
O meu interesse por este tipo de cartões bordados, em seda ou gaze, emoldurados por cercaduras de papel cartonado, trabalhadas em relevo, comemorativos de datas, efemérides ou contendo simples pensamentos, despertou, quando, há alguns anos, em Paris, no Marché aux Puces, passeava por entre os alfarrabistas e tendas de bric-à-brac. Por curiosidade, folheei um álbum. Chamou-me a atenção este pequeno pássaro, com um ramo de flores no bico e uma mensagem "Portez lui mon souvenir". Não resisti. Comprei-o. Foi o primeiro de alguns que entretanto fui coleccionando.




No ano de 1995, na revista francesa Marie Claire idées, saiu uma reportagem sobre estes postais. Fiquei ainda mais fascinada. Procurei aprender um pouco sobre a sua origem e produção.


O coleccionador mencionado nesse artigo, Alain Eleb, que posteriormente conheci, era uma figura muito simpática, que tinha a sua pequena loja no Louvre des Antiquaires. Esclarece que esta espécie de postais bordados nasceu com o início do século XX. Foram novidade na Exposição Universal de Paris, no ano de 1900.O seu sucesso foi imediato. Marcaram presença por toda a Europa e conheceram o seu apogeu na década de vinte. Com os tempos mais modernos foram desaparecendo. Hoje são objecto de colecção.

Produzidos em série, serviram, também, como fonte complementar de rendimento para as mulheres que, em tempo de guerra e escassez, como foi o caso da I Grande Guerra, 1914-1918, os bordavam em casa, por encomenda.




A singularidade destes três postais reside no facto de terem sido escritos nos anos de 1917 e 1918 por soldados portugueses, que integraram o contingente das tropas nacionais que lutaram naquele país. Num deles, o soldado José Maria Pereira escreve que o seu aniversário natalício decorreu já nos campos de batalha, a "combater com as feras que queriam ser senhoras do mundo inteiro".
É grande a diversidade dos temas bordados: nomes, mensagens, pensamentos, celebrações, sentimentos, datas. Conheceram grande popularidade, principalmente em França, devido à sua qualidade estética, aliada a alguma ingenuidade, ao seu colorido e à leveza dos materiais em que eram executados.







Alguns eram enriquecidos com pequenos cartões, inseridos dentro de uma pequena bolsa, outros mostravam lencinhos delicados "joliment travailés et peut-être même parfumés"1.









1- Marie Claire idées, nº19. Décembre 1995, pág.88.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

Azulejos de Massarelos ou um passeio de Lisboa a Torre de Moncorvo

Azulejos de Massarelos ou um passeio de Lisboa a  Torre de Moncorvo




Gosto de "fazer a Avenida", como diziam os habitués dos finais de século XIX, quando, incansavelmente, circulavam pelas suas alamedas. Neste último sábado, percorri a feira de velharias da Avenida, na esperança de vislumbrar os azulejos de Massarelos que tinha visto no mês anterior. Lá estavam eles, muito recatados, acenando-me. Aproximei-me e foi um coup de foudre. Declararam-me o seu amor incondicional. Retribui e trouxe o meu tesouro. De cara lavada, brilham em todo o seu esplendor. Agora vão integrar o pequeno painel de azulejos que estou a reunir.
Entretanto, porque descobri algumas fachadas cobertas com exemplares iguais, entendi que tinham direito a um post.
José Meco, aventa a hipótese de ter sido a Fábrica de Massarelos a iniciar a produção de azulejos relevados. Os moldes eram cheios com argilas, trabalhadas manualmente pela pressão dos dedos, para que as massas aderissem perfeitamente às formas. No tardoz, a parte central, correspondente à zona em relevo, era escavada para "diminuir as hipóteses de deformações do barro durante a cozedura"1, processo já utilizado na produção dos azulejos do palácio de Sintra, que são do início do século XVI.


Na imagem da esquerda, nota-se claramente esse escavado central, que tinha por função dar firmeza ao relevado central.
Feitos numa pasta grosseira, a sua superfície era totalmente esmaltada a branco. A paleta cromática usada neste tipo de azulejos era constituída pelas cores branco, azul e amarelo, raramente o verde. Tinha o propósito único de "colorir os volumes ou revestir o fundo liso" 2.




Colecção Particular

Uma outra decoração relevada, também da produção de Massarelos, com a flor central mais pequena e maior relevo nos cantos que o exemplar anterior. Este apresenta a particularidade de exibir na respectiva cercadura, onde se nota a alternância de cores, um forte contraste com o azulejo: azul nos relevos e amarelo no fundo.





Rua do Quelhas, nº19, Lisboa


As fachadas de azulejos relevados, sendo abundantes nos edifícios nortenhos, rareiam para Sul. Este prédio, inteiramente recoberto de azulejos relevados de Massarelos, destaca-se pela cor, brilho e jogo de sombras. A parte da fachada rente ao passeio, ao alcance do furto de vândalos,  apresenta o mesmo motivo, mas em azul e branco. A passagem para a cor dominante - o amarelo - faz-se pela barra de cantaria e pela cercadura, nos mesmos tons, mas em alternância de cores: fundo branco, relevo em amarelo.






Pormenor curioso e para justificar o título, deixo-vos com uma fachada lindíssima, revestida pelos mesmos azulejos de flor central branca e fundo amarelo, que fotografei na Rua Manuel Seixas, em Torre de Moncorvo, Trás-os-Montes.





Esta casa, hoje adaptada a Turismo de Habitação, tem três pisos, onde sobressaem os elementos que caracterizaram a arquitectura do século XIX: o ferro, a pedra e o azulejo. Da sua conjugação resultou um belo edifício, que se enquadra bem nas características da região, onde abundam o granito e o ferro. Para revestir a fachada recorreram aos azulejos relevados de Massarelos, com motivos florais em amarelo e branco. No primeiro piso, um conjunto de janelas com varandas em ferro, encimadas com molduras concheadas, em pedra. No varandim central pode ler-se a inscrição "Seixas" e a data, 1880.







1/2- José Meco "O Azulejo em Portugal", Publicações Alfa, Lisboa, 1986, pág.79.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Um arraial de Ratinhos

Um arraial de Ratinhos





Hoje há festa! Vamos ao arraial! Bailar ao som de violas, pandeiretas e tambores, tocados a preceito pelos artistas Ratinhos.
Para comemorar o primeiro aniversário deste blogue, em jeito de festa, apreciemos um grupo de músicos e dançarinos num qualquer arraial popular, tão do agrado geral e meu, em particular. Violas, pandeireta e tambor alegram os ânimos. Que o "balho" comece!
Esta louça, de carácter essencialmente rústico e popular, torna-se inconfundível no panorama da faiança de produção nacional: "Produto de de um artesanato regional virgem de lições ou influências estranhas, é a expressão pura, original e espontânea das virtualidades plásticas do nosso povo"1.
A decoração figurativa humana apresenta uma temática riquíssima e variada. Centrada nas actividades e interesses das camadas sociais mais desfavorecidas, capta situações representativas da vida quotidiana, de profissões ou de simples lazer.
A cena que nos interessa hoje, pelo particular significado de celebrar o aniversário deste blog, é o de uma qualquer festa ou romaria popular, tão semelhante às que se realizam em diversas regiões do nosso país.
Na imagem que segue, observamos o estralejar dos foguetes do fogo de artifício, animados pelos sons do bombo e da corneta. A animação é brava!

António Capucho. Retrato de um homem através da colecção, pág.174




A violeira, em traje de "ver a Deus", dedilha uma qualquer modinha, enquanto o violeiro, vestido a rigor, de calça marialva, pequena casaca e chapéu de palhinha, se junta à companheira, marcando o ritmo com o pé, em jeito de dança. Envolve-os um ramo florido, exuberante, que ocupa a restante superfície do prato.



A viola portuguesa, largamente difundida pelo nosso país, é um "dos principais instrumentos musicais populares portugueses, que perdura até aos nossos dias"2. Não é, pois, de admirar que seja uma temática tão do agrado dos artistas ratinhos, que largamente a  representaram.



O rapaz do tambor marcha, ritmado e garboso, à frente da banda, enquanto o seu colega, de traje mais simples e modesto, anima, com os movimentos lestos e rápidos da sua pandeireta, os passos do petiz, que dança junto da senhora que o acompanha com a viola.



Colecção particular

             Bem hajam todos os que me acompanharam durante este ano, com comentários ou simples visitas.

                                            
Imagem retirada da internet
                                                   


1 - A. Moradas Ferreira "Pratos Ratinhos", Separata de estudos de Castelo Branco, Revista de História e Cultura, 1962.
2 - Olinda Sardinha "Os Ratinhos, Faiança Popular de Coimbra",MNAz, 1998, pág.31.
Luísa Arruda, Paulo Henriques, Alexandre Nobre Pais, João Pedro Monteiro -"António Capucho. Retrato do Homem através da colecção".