domingo, 30 de novembro de 2014

A moda e os Armazéns Grandella






A moda, como fenómeno da sociedade, é uma criação da cultura ocidental. Das profundas transformações económicas e sociais vividas em França, após a Revolução Francesa, resulta a ascensão de uma burguesia enriquecida, que vai marcar a sociedade francesa ao longo do século XIX. Luxuosa e exuberante, adora exibir-se. A moda permite esse teatro. Paris é o palco. Paris torna-se, assim, a capital incontestada da moda.
Cerca de 1850, com o desenvolvimento dos meios de transporte - caminhos-de-ferro e barcos a vapor-, a moda democratiza-se. Nascem os grandes armazéns. A imprensa especializada generaliza-se. A moda chega a todo o lado.
Os "Grandes Armazéns do Louvre" começam a publicar os primeiros catálogos que podem ser enviados a pedido e livres de encargos.






Portugal não quis apartar-se dessa modernização. Também aqui se publicam jornais e revistas especializados. Também aqui, replicando Paris, vão surgir grandes armazéns. Entre eles os Grandes Armazéns do Grandella.


Francisco de Almeida Grandella

Francisco de Almeida Grandella nasceu em Aveiras de Cima, no ano de 1852. Com onze anos veio para Lisboa, onde trabalhou como marçano em duas lojas de fazendas. Empreendedor e de espírito arrojado, vamos encontrá-lo, em 1891, já na Rua do Ouro, com os Grandes Armazéns Grandella, inspirados nos modelos parisienses. Contratou Georges Demay, arquitecto do Printemps que, respondendo às suas exigências, idealizou e realizou a planta do edifício. Dessa aliança de ideias surgiu uma construção de 11 pisos, 40 secções e um universo de 500 empregados.

Fachada principal dos Armazéns Grandella

A loja com entrada pela Rua do Carmo era dedicada às sedas, às fitas e às rendas. Talvez uma das secções mais importantes pois, pela sua localização privilegiada, permitia às senhoras descobrirem tudo aquilo de que necessitavam para ornamentar e enriquecer as suas toilettes. Ouçamos as palavras elogiosas de uma das agendas publicitárias do Grandella: "Entrando pela Rua do Carmo encontra-se a mais importante e mais rica secção do estabelecimento. É a secção das sedas. O seu sortimento proveniente das principais fábricas estrangeiras eleva-se a algumas centenas de contos de réis. Aqueles castelos de peças, cheias de vida, de finura, de graça, matizadas, vaporosas, estonteantes, dão a esta secção um tom de grandeza que deslumbra"1.
O êxito desta casa comercial cresce, mercê da dinâmica actuação do seu proprietário. A melhoria e desenvolvimento dos meios de transporte, principalmente o caminho de ferro, permite alcançar os mercados e regiões do interior. Graças a inteligentes campanhas de marketing, os catálogos publicitários chegavam a toda a metrópole, às ilhas e aos territórios ultramarinos. Os pedidos sucediam-se. Para responder a todas essas demandas, tornou-se necessário criar a Secção de Amostras onde, "de manhã á noite uma máquina poderosa de cortar fazendas em minúsculos bocados reduzia a simples amostras peças de lã, de sedas, de cheviotes, de todos os tecidos expostos à venda, enquanto outras máquinas as pregavam nas carteiras respectivas, com as indicações dos preços e das medidas"2.   


Secção de amostras in "História", nº112, 1998, pág.16




A divulgação dos catálogos obtém grande sucesso. Chegam a todo o lado, aumentando o número de pedidos e de encomendas, seja de vestidos já prontos, seja de fazendas para a sua confecção. O facto de conterem instruções sobre o modo de se tirarem medidas, ainda mais contribui para o seu êxito. Agora, já todas as senhoras podem vestir à moda da capital e também de Paris.





Apreciados, manuseados, ciosamente guardados, fizeram sonhar gerações de meninas, adolescentes, jovens e senhoras. Ainda hoje, como testemunho de uma época passada, se escondem como tesouros, fazendo com que o seu preço, quando se encontram à venda, em leilão ou nos alfarrabistas, suba desenfreadamente. Publicados com a entrada das novas estações, para além de nos fazerem sorrir, pela moda tão caprichosa e ditadora que divulgam, os elemento que contêm são excelentes para o estudo social e económico das épocas a que respeitam.



 



  



O Boletim da Moda, publicado em 15 de Dezembro de 1894, dá informações sobre expediente, portes e, nomeadamente, descreve, ao pormenor, os trajes que divulga. Nele também se pode ler que "a inauguração do novo atelier de modista foi o acontecimento mais notável do importante estabelecimento da Rua do Oiro (...) Este salão tem sido visitado extraordinariamente e as encomendas chovem ali, não havendo quase tempo para se aviarem.
Madame Pauline, já conhecida das nossas leitoras, que por muitos anos esteve na rua de Saint-Honoré, onde só se faziam toilettes para rainhas e imperatrizes, dirige os elegantes ateliers da casa Grandella, que, n'este ramo sofreu uma transformação au grand complet"3.

Mais uma vez se nota a excelência de Paris, e a necessidade de fazer notar a nacionalidade da modista "Madame Pauline", bem como a utilização de expressões em francês, no próprio texto da notícia. 
É inegável, Paris foi, é e será a capital da moda.
Para corroborar a importância da confecção e pronto a vestir dos Armazéns Grandella, apresentam-se dois trajes de passeio, ali confeccionados e que integram o acervo do Museu Nacional do Traje.
                                          






1 - Marina Tavares Dias "Lisboa Desaparecida, volume 2, pág.118.
2 -Joaquim Palminha Silva "Armazens Grandella", Revista História, Ano X, nº112, Setembro 1998, pág.12.
3- Boletim da Moda, nº1, 1894.





quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Obviamente... Miragaia







As excelentes peças da Fábrica de Miragaia, publicadas pela Maria Andrade e pelo Luís Montalvão, muito têm contribuído para incentivar o meu interesse pelo estudo da sua produção. O motivo da série País, correspondente ao 2º período da sua laboração, que podemos situar entre 1822 a 1850, é o que mais me atrai. Os seus azuis, intensos e brilhantes, fascinam.  A pouco e pouco, devagar, interiorizam-se e ficam, marcantes, assenhoreando-se  de todo o nosso sentir.
A travessa que hoje mostro, com dimensões bastante grandes (39cm por 33cm), é uma peça que, por si só, irradia expressiva beleza: numa parede, coberta com faiança dos mais diversos tons de azul, proveniente de vários centros de fabrico, sobressaía pela riqueza das cores e pela decoração cheia. Apelava aos sentidos, como que pedindo que a observasse, a sentisse, a admirasse. Sentir-lhe o toque, macio e aveludado, perceber a sua textura, entender as técnicas decorativas, foi uma satisfação plena. A surpresa maior: a marca "Miragaia Porto". Desta vez não há interrogações, incertezas, nem dúvidas. Obviamente ... é produção da fábrica de Miragaia. 





Caracteriza-se como peça moldada, rectangular, pouco funda, com a aba decorada em esponjados, onde ressaltam as flores e folhagens. Ao centro, paisagem oriental, com um conjunto de edifícios, formado por vários corpos. Um deles coberto por uma cúpula. Um outro exibe um crescente. Toda esta composição está rodeada de árvores e vegetação.







Se bem que de dimensões um pouco maiores, esta travessa de Miragaia, marcada, é em tudo semelhante a uma outra que o respectivo Catálogo apresenta:  no formato, na composição decorativa e na paleta cromática.


In"Fábrica de Louça de Miragaia", MNSR, 2008, pág.245


Francisco da Rocha Soares (1806-1857)
in "Cerâmica Artística Portuense"

Francisco da Rocha Soares, homem de ideias avançadas para a sua época, sucedeu a seu pai na direcção e propriedade da fábrica. Antevendo a concorrência da louça inglesa, resolveu iniciar a produção em novas formas e decoração. Para concretizar a pretendida reconversão, chamou técnicos e artistas que lhe assegurassem a execução dos moldes. Concomitantemente, importou  peças inglesas para servirem de modelo. Iniciou a produção de faiança ao estilo britânico, sendo a série "País" uma das que mais aceitação teve em terras portuguesas.
Com incursões na politica, por várias vezes fugiu, chegando a estar preso. Arruinado, declara a falência.
Faleceu em 1857.




Fábrica de Louça de Miragaia, MNSR, Porto, 2008.
Vasco Valente " Cerâmica Artística Portuense dos séculos XVIII e XIX", Porto.
Luiz Augusto de Oliveira "Exposição Retrospectiva de Cerâmica Nacional em Viana do Castelo no ano de 1915", Porto, 1920.


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Igreja de S. Quintino ou um tesouro em azulejos








Imagem retirada da internet

A descoberta de um tesouro...
Numa ida à vila da Merceana, passei pela freguesia de S. Quintino, no concelho de Sobral de Monte Agraço.  Em posição sobranceira, dominando o casario, destaca-se uma pequena igreja dedicada a São Quintino. Só quando me aproximei é que me apercebi de toda a sua beleza. No branco caiado da sua frontaria, sobressai a cor da pedra. Datada de 1530, percebe-se a delicadeza do seu trabalho, qual renda tecida pelas mãos obreiras de uma qualquer rendeira.







O portal manuelino é ladeado por duas pilastras esculpidas com grutescos, figuras fantásticas e antropomórficas, flores e enrolamentos vegetalistas.
Quando entramos, uma inscrição latina, num  tecto pintado, convida-nos à oração.




O seu interior fascina pela cor e diversidade dos azulejos.
Logo à entrada, deslumbram-nos os raros painéis de azulejo ponta de diamante, que se repetem também no baptistério.



As naves e arcadas estão cobertas de azulejos barrocos: figurativos, albarradas e de  padrão.





Na campanha de obras, que data de 1738, para além dos novos revestimentos, foram reaproveitados e aplicados na parede do fundo de uma das capelas laterais alguns dos azulejos hispano-árabes já existentes.




No frontal de do  altar destaca-se uma cruz, ladeada por uma cercadura de azulejos de rendas,  os quais embora de produção posterior, se harmonizam  perfeitamente no conjunto.


O culto de S. Quintino terá sido introduzido na península aquando da vinda dos cavaleiros franceses, para ajudarem na reconquista cristã.
Filho de um senador romano converteu-se ao cristianismo e partiu para o norte da Gália, numa acção evangelizadora.Preso e alvo de terríveis torturas, porque se recusava a abandonar a sua fé, tornou-se mártir. O seu túmulo encontra-se na cidade francesa de Saint-Quentin, onde é venerado.




www.momumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2439