sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Jarrinha de Massarelos (?)






A Exposição "O Exótico nunca está em casa?A China na faiança e no azulejo portugueses (séculos XVII-XVIII)", patente no Museu Nacional do Azulejo, pretende demonstrar a importante influência dos motivos chineses nas artes decorativas portuguesas, entre as quais se inclui a faiança. Inicialmente,a porcelana chinesa foi a principal referência para a produção portuguesa, começando em Lisboa e alargando-se, posteriormente, a outros centros cerâmicos, como Coimbra e Porto.
O fascínio exercido pelo Oriente, nomeadamente a China, vai fazer eclodir um fenómeno, a chinoiserie,que "representa na história do ornamento e das artes decorativas, a mais extraordinária manifestação da capacidade inventiva europeia dos séculos XVII e XVIII "1. É a reinvenção da China, o retrato idílico de um quotidiano longínquo que se imagina conhecer a partir de peças daí oriundas, das quais, porém, se desconhece o significado, nomeadamente pelo que respeita aos motivos decorativos.
O fenómeno da chinoiserie, verdadeira "invenção"do século XVIII, é "na essência um produto europeu, assente na reinterpretação da arte oriental" 2 e demonstra a capacidade inventiva dos artistas portugueses, reproduzindo uma cultura chinesa, que incorporam em novas realidades. Retratam, assim, um exótico imaginário.

A peça que mostro, de possível produção de Massarelos, encanta pelo seu cromatismo, forma e dimensão.


Os elementos orientalizantes, de clara identificação - os telhados em forma de pagode e os ramos de flores que se vão espraiando pela superfície da peça -, são já da transicção para o século XIX e  podem ter encontrado inspiração nos modelos da Real Fábrica do Rato.
A sua forma bojuda permite a inscrição dos motivos decorativos de modo harmonioso. Dois filetes em manganés estabelecem a separação com a base, iniciando-se, a partir das suas linhas, a definição da paisagem. Os telhados chineses, vistos através de uma cerca, enquadram-se perfeitamente com o tronco florido que, partindo do fundo, se bifurca, dando origem a dois ramos. As flores vão diminuindo de tamanho, conforme se afastam do núcleo central.





No colo da peça, uma cercadura constituída por traços leves, dos quais não se percebe muito bem o desenho, inscrita entre círculos concêntricos. 


Uma outra peça, idêntica na ornamentação mas diferindo nas dimensões, pode ser vista na referida exposição.

Exemplar nº 73 do Catálogo ( pág.349 )


Acerca desta peça, diz JPM (João Pedro Monteiro) que "em algumas fábricas do norte do país, nomeadamente Massarelos e Miragaia, no Porto, e Viana do Castelo, se produziram peças com o mesmo tipo de decoração orientalizante dos exemplares do Rato, apenas podendo ser identificadas quando se encontram marcadas"3, o que não é o caso.

Para suscitar ainda mais dúvidas, o que não deixa de ser aliciante para quem gosta e se interessa por faiança portuguesa, temos um exemplar de uma jarra atribuída a Massarelos (?), marcada com a inicial B, que esteve patente na Exposição sobre a Fábrica de Massarelos, promovida pelo Museu Nacional Soares dos Reis, em 1998.




Com datação de finais do século XVIII, início do XIX, mostra uma pintura polícroma sobre fundo branco. Apresenta uma decoração com motivos orientais: um pagode com cerca, degraus e jardim, de onde parte um ramo florido, cujas ramificações se estendem pela restante superfície da peça. Junto ao colo exibe uma cercadura com motivos reticulados inseridos em reservas semicirculares
Segundo Margarida Rebelo Correia, terá sido Luís Oliveira "quem primeiro atribuiu esta marca à Fábrica de Massarelos, por aparecer numa peça da sua colecção (...) um B entrelaçado num T da marca Porto"4.






1 - Alexandra Curvelo " O exótico nunca está em casa?" in O Exótico nunca está em casa? A China na faiança e no azulejo portugueses (séculos XVII-XVIII)", MNAz, 2013, pág.22.
2 - António Filipe Pimentel "Do portugal exótico ao exotismo europeu: o fenómeno da chinoiserie em Portugal", in O Exótico nunca está em casa? A China na faiança e no azulejo portugueses (séculos XVII-XVIII)", MNAz, 2013, pág.98.
3 - João Pedro Monteiro, Catálogo, pág:348.
4 - Margarida Rebelo Correia "Datação e marcas na fábrica de Massarelos", in Fábrica de Massarellos Porto, 1763-1936, Museu Nacional Soares dos Reis, Porto, 1998, pág.88.







domingo, 5 de janeiro de 2014

Azulejos de figura avulsa



Azulejos de figura avulsa

Este pequeno conjunto de azulejos de figura avulsa, de produção nacional (Lisboa), balizada entre finais do século XVII e o início do século XVIII, demonstra bem a adaptação dos artistas portugueses às novas tendências da obra azulejar da Holanda, caracterizada por uma pintura delicada e minuciosa, evidenciada pelas suas composições bem definidas.
Importados a partir de meados do século XVII, os azulejos de Delft servem de modelo para os nossos pintores que rapidamente iniciam uma "carreira" própria, introduzindo temas e desenhos mais ajustados ao nosso modo de interpretar a vida, conferindo-lhes um estilo marcadamente português. 
Surge uma quantidade imensa de temas: flores, animais (pássaros, patos, peixes, veados, gazelas, coelhos, cães, gatos), barcos, casas, torres, cestos com flores ou frutos e também figuras humanas.


Deste agrupamento de azulejos, em que predominam as aves e  figurativos humanos, destacam-se, pela força que deles emana e pelo desenho de pincelada e o azul mais forte,  os dois primeiros pássaros que preenchem a totalidade da superfície a decorar. Penso que serão de época mais recuada, talvez mesmo de finais do século XVII, início do XVIII.




José Meco ensina que "a principal característica destes azulejos (...) reside essencialmente no motivo ornamental solto que decora o centro, o qual tanto pode ser o único ornamento decorativo do azulejo como pode ser completado por outros ornatos secundários nos cantos, ligados entre si ou isolados". Diz-nos, ainda, que "a figura avulsa destaca-se pelo pitoresco dos motivos variados (...) geralmente de representação espontânea e ingénua, por vezes com carácter caricatural, em parte devido a terem sido pintados por crianças, que nestes trabalhos de menor responsabilidade adquiriam prática, tornando o produto mais barato"1.
Tendo estes azulejos de figura avulsa perdido um pouco da sua importância a partir do terramoto de 1755, mercê das orientações do Marquès de Pombal para a reconstrução da cidade, voltarão a adquirir relevo e a "renascer" durante o século XIX, devido ao ecletismo decorativo desta época. Passam a ser fabricados pelos processos da estampilha manual e da estampagem mecânica que propiciam uma mais fácil e rápida produção. Aplicados nas entradas, nos corredores, nas cozinhas vão embelezar casas e palacetes da nova burguesia.

Painel de flores: entrada de casa particular, em Lisboa


Painel de vão de janela: casa particular, em Lisboa
Neste conjunto, observa-se uma miscelânea de motivos, formados por elementos florais, zoomórficos, barcos e cestos de flores, enquadrados numa cercadura de enrolamentos. É de notar a fiada de azulejos marmoreados, que estabelece a ligação entre o chão e o painel.


Por último, pelo interesse e criatividade que demonstram e também pelo facto de poderem ainda, ser observados in loco, na Rua do Jardim à Estrela,  mostra-se a fachada, extremamente curiosa, de um prédio, inteiramente revestido a azulejos, com a particularidade de representarem cabeças de orientais, referenciada por José Meco, como tendo sido encomendados em "1881 pelo proprietário, um pintor de carruagens e de cerâmica"2.



Esta mesma tipologia, pela sua singularidade, foi objecto de selecção e  encontra-se representada no acervo do Museu Nacional do Azulejo.

Exemplares patentes no Museu Nacional do Azulejo



A originalidade da decoração induziu uma natural apelatividade e, portanto, a sua réplica. Tive notícia da existência de um outro conjunto, de que apenas subsistem algumas peças - similares no motivo, mas de proveniência física e titularidade diversas -, que terão sido produzidos na Fábrica de Campolide, a pedido do seu proprietário, para com eles revestir a fachada da sua habitação, situada na mesma freguesia. Segundo o seu coleccionador, que dispõe unicamente de dois azulejos, estes terão sido removidos aquando da demolição do prédio. Distinguem-se dos anteriores por não terem a grinalda de folhas de parra a separá-los.



Agradeço aos seus proprietários a permissão para fotografar e publicar as imagens.



1/2 -José Meco " O Azulejo em Portugal", Publicações Alfa, 1989, páginas 147 e 151
J.M.dos Santos Simões "A azulejaria em Portugal no Século XVII, tomo I, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997
Teresa Saporiti "Azulejos de Lisboa do Século XX", Edições Afrontamento, CML
A.J. Barros Veloso e Isabel Almasqué "Azulejos de Fachada em Lisboa V", Lisboa Revista Municipal, Ano XLV, 2ª Série, Nº 8/9/10 -2º,3º e 4º Trimestres de 1984