sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Uma peça decorada com o motivo "Cantão Popular"

Uma peça decorada com o motivo "Cantão Popular"



A peça que hoje apresento, pela leitura da curiosa inscrição da cartela "F. da B., 13 de Agosto de 1865" , induz, de imediato, a uma possível atribuição à Fábrica da Bandeira.
O facto de estar datada com precisão "13 de Agosto, do ano de 1865" sugere, também, poder ter sido feita por encomenda, para algum fim específico. 
Contudo,o registo "F.DA.B." e o facto de estar inscrita numa cartela de uma das faces do bojo, não nos permite uma conclusão tout court. Suscita algumas incertezas, principalmente porque as poucas informações acerca desta fábrica são contraditórias. Evocando uma citação de José Queiroz,  diz-nos este que "o Sr. Ramiro Mourão (actual proprietário da Fábrica da Torrinha) que a Fábrica da Bandeira teve o seu início em Sto. Ovídio, aí por 184... Afiança este mesmo senhor que a Fábrica da Bandeira nunca marcou os seus produtos"(1). No entanto,  considera este autor que poderia ser da produção da Fábrica da Bandeira um gomil, marcado com as mesmas iniciais "F.B.", que encontrou no Museu Municipal de Azuaga, em Gaia, e terá figurado na Exposição do Porto, de 1882.
Curiosamente, no roteiro da exposição de Cerâmica Portuense realizada no Porto, no ano de 1973, e na parte que respeita à Fábrica da Bandeira, afirma-se que "marcou poucas peças com as iniciais F.B."(2)
Foi o caso do prato que figurou nessa exposição com o nº 233.


in "Cerâmica Portuense", de Pedro Vitorino, pág.70

A Fábrica da Bandeira já existiria desde 1828, segundo Charles Lepierre (3), situada no largo da Bandeira, em Gaia, tendo sido transferida do sítio de "Traz os Valles", Mafamude. Numa curiosa indicação de Pedro Vitorino (4), o seu primeiro dono terá sido terá sido um "indivíduo conhecido pela alcunha de Perna de Chumbo". A partir de 1845, os almanaques de Gaia e do Porto dão como seu dirigente e proprietário Gaspar Gonçalves de Castro e, após 1877, sua viúva D. Margarida Cândida de Sá Castro e seu filho Cândido Augusto de Sá Castro (5).   A fábrica terá continuado a sua laboração até 1912, encerrando pouco tempo depois.

O edifício era de pequenas dimensões e constava de dois pavimentos e um depósito bastante espaçoso. Produziam essencialmente faiança comum, destinada preferencialmente a uso doméstico.
Nas exposições do Porto (1882) e de Gaia (1894), em que foram exibidos os seus produtos, obteve, em ambas, menções honrosas.





Esta peça - que pertence a um coleccionador de primeira linha, a quem agradeço a disponibilidade para a permitir a sua divulgação - é invulgar pela forma, duas esferas achatadas e sobrepostas, e também pelo motivo, de inspiração orientalista. A sua decoração aponta para o conhecido Cantão Popular, que Luís Montalvão e Maria Andrade (6/7) tão bem têm caracterizado nos seus blogs. Quer na parte inferior, quer na superior, só se observam os telhados e as cúpulas das construções, ladeados por árvores.
Tem uma pasta fina, agradável ao toque, cores vivas e um vidrado brilhante, o que não se coaduna com a as peças mais populares e rudes dos últimos períodos de laboração da fábrica e a que esta recorreu, para fazer face à concorrência das suas congéneres.



Arthur de Sandão (8) publica, na página 144 do seu livro "Faiança Portuguesa Séculos XVIII - XIX", uma pequena cabaça, também monocromática, num azul denso e vivo, com a inscrição - AMOR FIRME -, a encimar uma coroa. 



Bandeira ou outra filiação não lhe tiram a sua originalidade e encanto. 



1- José Queiroz -"Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos", 2002.
2- Cerâmica Portuense (Séculos XVIII e XIX), 1973
3- Charles Lepierre - "Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna", 1899.
4- Pedro Vitorino - "Cerâmica Portuense",1930.
5- Manuel Leão - "A Cerâmica em Vila Nova de Gaia", 1999.
6- Luís Montalvão - "Velharias do Luís"
7-Maria Andrade -"Arte Livros e Velharias"
8-Arthur de Sandão -"Faiança Portuguesa séculos XVIII - XIX",1976.
Isabel Maria Fernandes - "Meninos Gordos Faiança Portuguesa", 2005.









sábado, 2 de novembro de 2013

Um bouquet... de Ratinhos



Um bouquet ... de Ratinhos




As flores dos ... Ratinhos! Alegram a vista e aquecem a alma! Tão simples! Tão rústicos! Tão autênticos!
Saídos das pequenas e familiares olarias de Coimbra, das mãos hábeis de anónimos artistas, alcançaram um lugar à parte no panorama das faianças portuguesas. Nas sábias palavras de Moradas Ferreira " um título pelo menos lhe é devido: o de ser a mais autenticamente popular de todas elas. Produto de um artesanato regional virgem de lições ou de influências estranhas, é a expressão pura, original e espontânea das virtualidades plásticas do nosso povo"(1).
Destinada a uma população de mais fracas posses, mas que se não alheava, por isso "exigindo" uma decoração colorida, cujo significado compreendesse. Daí a continuidade dos processos de fabrico e dos traços ornamentais, a que os produtores, tributários das exigências do mercado, não podiam fugir.

Um núcleo unido pelo tema da flor (2) - já que neste post não abordo a decoração figurativa -, categorizável como elemento autónomo e autenticado pela pluma de pavão, traço identificativo único desta louça, que entronca na tradição oriental e permite estabelecer a sua distinção relativamente à restante faiança do nosso País, produzida na mesma época - o século XIX. É essa a sua marca.



Pratos coloridos que têm em comum três flores esponjadas, envolvidas pelos filamentos, sugerindo e simbolizando as folhas. Em comum: a decoração abrange toda a superfície da peça, covo e aba.. Assemelham-se, mas ligeiras diferenças os distinguem: o centro da flor, mais ou menos cheio, os filamentos, em maior ou menor quantidade e a paleta cromática.





Este exemplar mostra cinco flores maiores, da qual se destaca a central, totalmente esponjada, mas contornada por uma leve linha ondulada. As outras, numa disposição simétrica, ocupam  o espaço restante.





Nesta palangana, a ornamentação vive da riqueza do ramo central. O enquadramento da aba coaduna-se com o cromatismo do motivo principal. A composição é formada por quatro flores, lembrando a forma da túlipa, dispondo-se quase simetricamente.


Os produtores da faiança ratinha participaram com as suas peças em diversas Exposições Industriais, como foi o caso da que se realizou em Coimbra, no ano de 1869. Nela foram premiados Joaquim Alfredo Pessoa e José Júlio de Oliveira. Joaquim Alfredo Pessoa lamentou-se publicamente (O Conimbricense, de 20 de Julho de 1869) que lhe tinham saído estragadas várias fornadas, pelo que tinha sido obrigado a utilizar o barro usado na louça mais ordinária. Apesar destas vicissitudes, ressalvou que, até então, não lhe tinha sido dado apreciar pintura de tanto "mimo e gosto".




1-A. Moradas Ferreira "Pratos Ratinhos". Separata de Estudos de Castelo Branco, Revista de História e Cultura, 1962.
2-Ivete Ferreira "OS RATINHOS Cerâmica Portuguesa de Cariz Popular",pág.201.