domingo, 14 de maio de 2017

Uma arca esgrafitada











Uma pequena e elegante arca esgrafitada que, apesar de lhe faltar a base,que lhe confere um pouco de elevação, fazendo-a sobressair e ganhar estatura relativamente ao solo, não desmerece face a outras congéneres.
As arcas esgrafitadas, durante tanto tempo atribuídas a produção estrangeira, foram executadas e produzidas de forma ímpar nas ilhas açorianas, com uma provável influência flamenga, dada a colonização de algumas das ilhas por colonos oriundos da Flandres.
A localização atlântica das ilhas estabelecia a ligação entre dois mundos e proporcionava conhecimentos de outras civilizações que, depois de uma “reflexão adequada e utilizando as madeiras dominantes, nascia a própria arte local, matizada de novas soluções, algumas delas ingénuas, mas sempre nobres e de espírito elevado”1.
Resultam de vivências fortes e de adaptações às características geoespaciais, marcadas pela insularidade.

Pelo valor intrínseco que possuem, pelo interesse cultural e artístico, pela raridade, pela grande época, pela sua beleza e carácter sociológico são alvo de interesse de  estudiosos, coleccionadores, antiquários e também de pessoas em geral.
As arcas são o modelo mais usual e comum do mobiliário, não só pelo seu carácter prático e funcional, mas também pelo destino que lhes era dado. Eram peças cruciais do mobiliário de uma casa tradicional.
Apresentam como principais características serem desprovidas de molduras, exibindo malhetes de canto, alguns bastante trabalhados levando quase a concluir que os “artesãos que os executaram (tiveram) mais interesse em que constituíssem um elemento de decoração demonstrativo do seu virtuosismo, do que correntio sistema de emsamblagem”2.
De forma paralelipipédica, mostram o tampo justaposto à estrutura para melhor funcionamento dos gonzos, excedendo lateralmente as ilhargas.




 Móveis de decoração incisa, também conhecidos por esgrafitados, vivem da ornamentação que é obtida por incisão ou pirogravura. As incisões eram preenchidas com uma massa escurecida com noz de galha.
Datadas dos séculos XVI e XVII, foram exportadas com sucesso por toda a Europa, encontrando-se muitos exemplares na região de Manchester e também em Espanha e na Flandres..
O cedro, madeira na qual eram produzidas, existia em grande abundância nas ilhas açorianas.
Verifica-se, pois, que em Angra a indústria produtora de móveis estava florescente com a consequente exportação. Daí a “relativa frequência com que se encontra este tipo de trastes no mercado internacional” 3.
O esquema organizativo da decoração está dividido em três compartimentos. O central, e os laterais, maiores e simétricos, como simétrica é a ornamentação que revelam: dois leões rompantes, com a cauda enrolada entre motivos vegetalistas. Centralmente uma composição floral.
Apesar de, durante parte do século XX, terem despertado pouca atenção entre o meio do antiquariato, alguns exemplares integravam colecções particulares e o acervo de instituições públicas, tais como o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo, o Museu do Caramulo e o Museu da Quinta das Cruzes, no Funchal.

MNAA Nº Inv.1662 Mov
1 - FORJAZ, Jorge Pamplona - “Nota preambular”in MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira "O desconhecido mobiliário açoreano do século de ouro”.

2/3 - FELGUEIRAS, José J. G. Jordão - “O desconhecido mobiliário açoreano do século de ouro”. Lisboa, 2002, Revista Museu IV série, nº 11, Círculo Dr.José de Figueiredo, pág.78 e 83.