sábado, 15 de dezembro de 2018

Natal 2018








Um Menino Jesus, Salvador do Mundo, abençoa-nos.
 Sorridente, com Ele celebramos o seu dia.
 A todos desejo um Santo Natal.





sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Algumas peças de Estremoz


Faiança de Estremoz. Pássaro integrado na paisagem. O mesmo motivo central, com envolvimentos diferenciados nos pratos. Um galheteiro no qual as galhetas apresentam, também, o motivo anteriormente referido.
A produção de faiança em Estremoz terá tido início cerca de 1770 e persistido até 1808, altura em que a laboração das oficinas findou, mercê da acção devastadora das invasões napoleónicas, que também se repercutiu noutros centros produtivos do país..
No dizer de João Castel-Branco Pereira "a faiança de Estremoz surge com estatuto periférico"1, relativamente a outros centros de produção cerâmica como Viana, Porto, Aveiro, Coimbra, Caldas da Rainha e Lisboa. Continua o mesmo autor afirmando que, embora "circunscrita a um mercado local (...) esta louça, fundamentalmente utilitária, reflecte um curioso compromisso entre as vivèncias profundas da ruralidade da região, marcada pela aplicação decorativa de uma botânica local e a transposição de modelos eruditos coevos"2. Perfeitamente identificada pela leveza da sua pasta, pelo brilho do seu vidrado e pela delicadeza da sua decoração, esta faiança é profundamente valorizada não só na  região estremocense, como em grande parte do Alentejo. 

Apresenta uma grande variedade de motivos decorativos nas reservas centrais, mas são as cercaduras que melhor caracterizam as peças, pois representam espécies vegetais autóctones, como a beldroega, a murta, o loureiro, a madressilva, a oliveira e o pinheiro.



As peças que se mostram, incluídas no grupo dos animais, visto ser um pássaro - o gaio - o seu motivo aglutinador, são valorizadas por estarem integradas numa paisagem conjugando, deste modo, dois temas decorativos decorativos tipicos da faiança de Estremoz.


Resultado de imagem para gaio
Imagem retirada da internet





Em primeiro plano, na reserva central, definida por dois círculos concêntricos, é-nos dado observar um gaio, ave que se encontra de norte a sul do país, em ambientes tipicamente florestais. Equilibra--se num ramo de árvore tendo, como fundo, uma paisagem campestre. Aba com círculos concêntricos, decorada com estilizações de folhas de oliveira.






No livro de Sven Stapf "Faiança Portuguesa Faiança de Estremoz", caracteriza-se a pintura paisagística como demonstrando uma grande "simplicidade, atingindo por vezes a abstracção  pelos seus inconfundíveis traços de pincel que, não sendo finos, conseguem transmitir uma grande leveza"3.
A reserva central exibe a mesma ornamentação da peça anterior, se bem que menos rica e com menor número de pormenores. Mostra uma aba composta por elementos vegetalistas estilizados.





Galheteiro de Estremoz. As galhetas  revelam a mesma decoração abordada anteriormente. Os gaios exibem as penas, com leves apontamentos em azul forte, uma das suas marcas de imagem.





A base é formada por quatro recipientes cilíndricos, dois maiores com base cintada e dois menores com base escalonada, ligando-se, simetricamente em cruz. Ao centro, a pega em aro sobre apoio vertical em balaústre. A ornamentação dos contentores das galhetas aproxima-se da decoração paisagística, com alguns elementos de construção, se bem que não idealmente definidos.










1/2 - "Faiança de Estremoz". Catálogo da Exposição realizada no Museu Nacional do Azulejo, 1995.
3 - Sven Stapf "Faiança Portuguesa Faiança de Estremoz",1997.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

A Faiança Ratinha e as migrações internas em Portugal







Um conjunto de pratos que simbolizam elementos de um rancho de ratinhos que se dirigem para as planícies alentejanas. O manajeiro, o rapaz com a sua merenda, o camponês e a sua alfaia agrícola e o violeiro, que vai animar os fins de tarde.
Desde sempre houve um desequilíbrio entre o norte, fortemente povoado e o sul, com graves carências populacionais. Era "um Portugal onde a terra falta ao homem e outro onde o homem falta à terra"1. Interessante expressão que espelha de forma real a disparidade da distribuição populacional no nosso país, problema que, também hodiernamente, se faz sentir de modo acutilante. A população teve, desde sempre, tendência em se concentrar em certas zonas, rareando noutras.
Entre as causas que propiciaram estas variações populacionais encontram-se  a orografia e o clima. Zonas com relevo baixo, vales pouco profundos e com chuvas abundantes atraem pessoas, opondo-se àquelas onde  o relevo mais alto, bem como as áridas planuras, com clima mais seco e quente que obriga a uma maior escassez de gentes.
"Onde a água existe e as condições de terreno são favoráveis, a população fixa-se e a propriedade divide-se; onde ela falta, a exploração agrícola  (...) só é possível em regime de grande propriedade"2.
Estas grandes assimetrias completam-se e complementam-se. A abundância de produção agrícola pede abundância de esforço e braços. Assim se conjugam vontades.
A resposta para esta contínua falta de mão-de-obra está nas migrações internas. São movimentos populacionais de carácter temporal limitado, associados aos ciclos produtivos agrícolas. Os fluxos migratórios tomam, preferencialmente, a direcção Norte-Sul e da montanha para a planura.
Maioritariamente oriundos do distrito de Castelo Branco, os Ratinhos eram  trabalhadores incansáveis, mourejando  sob o Sol escaldante, na mira de um ganho  maior.




Girão, Aristides de Amorim
"Geografia de Portugal"





O migrante Ratinho. Socos de madeira nos pés, fato de cotim, escuro, varapau ao ombro levando a manta e a merenda. A seu lado a interpretação sob o olhar arguto do artesão conimbricense. Semelhanças entre as duas imagens: um caminha para o seu local de trabalho, o outro, já de regresso, cansado, mas feliz.  Saudades para quem parte. Felicidade para quem regressa.




Num momento de descanso e final de um dia de trabalho. Duas figuras ligadas ao trabalho agrícola. Arrimado à sua pá, o homem, arrogante na sua virilidade, penacho no chapéu, prepara a ida à fonte, na mira das conversadas.
Pratos característicos da produção de Coimbra, conhecidos por faiança ratinha, nomeada que se lhe colou por serem levados pelos migrantes ratinhos, quando se deslocavam para as fainas agrícolas do Alentejo. Policromia, cercadura, plantas que ladeiam as figuras centrais.






O manajeiro e o violeiro. Funções importantes. Trabalho e distração. Pela Primavera, dirigia-se ao Alentejo a fim de averiguar sobre o estado das searas, do seu crescimento e estado de maturação. Apalavradas as ceifas, tomava de empreitada várias casas, comprometendo-se na angariação da mão-de-obra necessária para o trabalho a realizar. Regressado à sua terra iniciava o alistamento e formava as camaradas.Com alguma segurança, com um certo ar de senhor, que lhe advinha do conhecimento e exercício do que também tinha executado, dava conta da notícia do que iriam ganhar, escondendo, para os novatos nessas lides, o menos bom.
Partiam em meados de Maio. A pé, de burro, às vezes de combóio e, por vezes, de camioneta.




No fim da jorna do dia, na frescura do entardecer, mandavam notícias através daqueles que sabiam escrever. Apesar de cansados, o corpo pedia um pouco de dança. Surgiam as violas. O balho começava.
O manajeiro, com um certo ar de senhor, mas a que não faltam trejeitos de saltimbanco, olha-nos do meio da sua dupla cercadura florida. Figura ingénua, de um ingénuo artista.
O violeiro, em passo de dança, marca o ritmo e a roda começa. Braços no ar, bater ritmado dos pés, as figuras volteiam, incansáveis. Mais uma faina cumprida. Para o ano há mais.



1/2- Aristides de Amorim Girão e Fernanda de Oliveira Lopes Velho "Estudos da Populaçáo Portuguesa. Evolução Demográfica e Ocupação do Solo Continental  (1890-1940), Coimbra,1944, Separata da Revista Biblos, vol.XX.















quinta-feira, 22 de março de 2018

A Faiança Ratinha na colecção Abecassis





O Eng. José Abecassis foi um apaixonado coleccionador de faianças, com especial destaque para os paliteiros. Criterioso, reuniu um acervo do que de melhor se produziu na faiança nacional, sendo um dos seus enfoques a denominada Faiança Ratinha. 
O Palácio de Correio Velho leiloou a sua colecção, em Março de 1996. 

PCV, Catálogo
Colecção de Faianças
Eng. José Abecassis

PCV, Catálogo, Pág.18
Como já tinha sido referido, entre a sua colecção de faiança sobressaem os Ratinhos. Reuniu uma variedade impressionante de pratos, com  motivos decorativos diversificados. Enunciá-los, seria excessivo. A imagem fala por si mesma. Dos exemplares representados nesta página, dois se podem mostrar. 





Bicromático, em tons de verde e manganés. Pesado e de pasta compacta. Na cercadura e centro revelam-se encordoados, que se entrelaçam entre si, num entrecruzar sinuoso de linhas, que nos deixam admirados pela riqueza do desenho, conseguida pela utilização de instrumentos simples e de fácil manuseamento: pincel e cana de secção circular. 




Neste exemplar, com uma decoração mais requintada, podemos intuir a influência (?) de alguns painéis azulejares. A taça, onde se entrevêem dois corações asseteados, quiçá alusivos a amores incompreendidos, está ladeada por dois pássaros. Um ramo florido ornamenta o vaso. Observa-se uma paleta cromática - verde, amarelo ocre e manganés -, tão característica da faiança de Coimbra. Com três cores consegue uma decoração rica e sugestiva. Temporalmente, podemos situá-los no último terço do século XIX.

PCV, Catálogo, Pág.19

Esta página do catálogo mostra-nos, essencialmente, figuras humanas. Umas representam imagens de nobres mas, na generalidade, caracterizam figuras populares. Era a  faiança produzida para os menos favorecidos economicamente, mas que também tinham direito à imaginação e criatividade dos artesãos que, com forte probabilidade, a eles destinavam as suas pinturas. Também desta página se mostram dois exemplares.




A senhora, no seu traje de ver a Deus, de saia de riscas, mais curta do que era usual, presa na cintuda com uma faixa  que lhe dá um ar distinto. Blusa com decote pronunciado, mas não em exagero, que cai sobre as ancas, formando uma sobressaia. Na cabeça, um chapéu "mignon", com fitas duplas que caiem sobre as costas.
Envolve-a uma dupla cercadura florida,  preenchendo a superfície restante do covo.





A seu lado, como se fosse o seu acompanhante, mas que sabemos que tal não poderá ter acontecido, pois a figura representada - um jovem trabalhador, provavelmente agrícola -, não está vestida com os trajes adequados, comparativamente àqueles envergados pela senhora.
Uma cercadura mais leve e simples, formada por esponjados e linhas onduladas, que estabelecem a união entre as flores. A policromia exibida inclui já o azul, se bem que em apontamentos muitos escassos. Temporalmente, aponta para finais do século XIX. O desgaste que se nota no vidrado permite-nos concluir, com alguma certeza, o uso que lhe foi dado pelos seus utilizadores até ao momento em que entrou numa colecção sendo, desde então, considerado como elemento destinado a expôr e a preservar.


PCV, Catálogo, Pág.24


Nesta página, mais uma vez, predominam as figuras. Na última linha, os músicos: tocadores de viola, de gaita de foles e guitarristas. Todos eles, homens e mulheres, pelos trajes que envergam, mais populares e simples, sugerem pertencer ao povo. Muitos mais instrumentos musicais surgem, também, nas representações figurativas da Faiança Ratinha. No entanto, estes são aqueles que aparecem em maior número, talvez pelo carácter recriativo que lhes está subjacente.




Este prato, nas palavras do leiloeiro "dos melhores da colecção", tem uma presença marcante. Mostra-nos uma senhora abastada - colar e brincos de pingente - que, delicadamente, segura uma flor na mão. Saia comprida, listrada, e um corpete, apertando frontalmente com uma fileira de botões. A senhora tem como base para apoiar os pés, uma estrutura, semelhando um murete. 
Envolve-a uma dupla cercadura florida,  preenchendo a superfície restante do covo.

PCV, Catálogo, Pág.25
Esta página brinda-nos com a riqueza e variedade das representações zoomórficas: aves e peixes, com predomínio para as primeiras.



Uma  palangana com uma decoração excepcional: um soberbo pelicano. A representação desta ave ocupa uma forte tradição no imaginário social. Símbolo escolhido pelo rei D. João II traduz os valores fundamentais da fidelidade e do sacrifício. Zela extremosamente pelos filhotes, alimentando-os com o próprio sangue. Enrola-se sobre si mesmo, numa atitude de protecção.
Apresenta uma decoração cheia, de cores fortes e marcantes. Aliás, tem a comprovação de ter pertencido à colecção do Eng. Abecassis.








quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Meninas prendadas


Sempre gostei de bordados e de bordar. Nestes últimos tempos tenho vindo a reunir alguns mostruários bordados a ponto de cruz, feitos pelas mãos sempre habilidosas de jovens adolescentes. É o caso deste, que tem a particuralidade de ter informações de carácter sociológico, o que nos permite inferir sobre a educação proporcionada às raparigas, na cidade de Lisboa.




Maria da Anunciação, 14 anos de idade. A data,14 de Abril de 1830, mostra-nos a sua provecta idade. Está quase a completar dois séculos - 188 anos. A jovem Maria da Anunciação, bordou esmeradamente o seu mostruário, introduzindo-lhe informações que pudessem vir a ser úteis para os seus descendentes. Pode ter sido educada num estabelecimento de ajuda à infância desvalida, que era um dos nomes que davam aos lugares onde eram acolhidas as crianças orfãs ou de fracos recursos económicos. Muitas vezes eram as próprias famílias que as entregavam aos cuidados dessas instituições. A criação destas instituições pode ter ficado a dever-se quer a iniciativas privadas, quer de associações ou ainda estatais. Localizavam-se, principalmente, junto dos grandes centros urbanos, existindo, também, ao longo do território.
Cumpriam a sua função social de acolhimento, protecção e educação. Os femininos insistiam na execução das tarefas domésticas pelas alunas e na aprendizagem de competências como bordar e costurar.Na posse destas competências podiam aspirar a uma "carreira  auspiciosa" de bordadeiras ou costureiras.




Um outro exemplar, mais tardio, mas com uma execução mais cuidada, visível numa cercadura florida, que circunda um cesto de flores. Indica-nos o ano e mês, bem como as iniciais da sua autora. 

Estes "Exemplaires" serviam de mostruário para os profissionais de bordados. Muitas vezes os desenhos eram copiados de outros mais antigos ou ainda de catálogos, que circulavam entre as pessoas. Considerados como documentos da história dos bordados, da sua execução e ensino, começam a despertar o interesse dos grandes museus, como foi o caso do VA de Londres e da Casa-Museu Anastácio Gonçalves. 
                                               




Uma pequena tira de linho serviu, também, de mostruário. Pequenas figuras, do senhor e da senhora e dos empregados, talvez escravos, pela cor da sua pele. Pormenores estranhos e que nos fazem sorrir o que têm nas mãos: cesto, chave, flores, trela do cão.

Estas curiosidades que nos chegam às mãos, plenas de interesse e de histórias, são alienadas pelos herdeiros, na ânsia de acrescentarem alguns cêntimos à parca herança que receberam.

Um mostruário já com alguma idade.