quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Havemos de ir a Viana

Havemos de ir a Viana


Se o meu sangue não me engana
Como engana a fantasia
Havemos de ir a Viana
Ó meu amor de algum dia

Fado cantado por Amália, com letra de Pedro Homem de Mello e música de Alain Oulmann.

Viana do Castelo abre-se ao oceano, na foz do rio Lima.
Essa situação era favorável à exportação das faianças produzidas na fábrica de Viana, fundada em 1774, na freguesia de Darque, na margem esquerda do Lima. A sua fundação ficou a dever-se à iniciativa de dois negociantes da cidade, João de Araújo Lima e Carlos de Araújo Lemos, em sociedade com João Gaspar do Rego e António Alves Pereira de Lemos.
Para o início dos trabalhos foram, quase seguramente, contratados artesãos, vindos do estrangeiro ou de Lisboa, visto que, à época da instalação da fábrica, não havia em Viana artistas com experiência confirmada, que pudessem orientar essa produção.
Para apoiar esta ideia, baseiam-se alguns estudiosos na circunstância de muitas peças apresentarem a faixa de Rouen e pelo tipo de flores, formando ramos, levemente estilizados, como elemento decorativo. Tal daria veracidade às hipóteses aventadas sobre a origem dos ditos artesãos - estrangeiro ou Lisboa -, neste caso especificamente da Fábrica do Rato.
Atinge o máximo do seu esplendor no seu segundo período de laboração (1790/1820), sob a direcção de António José Gomes Ferreira. A riqueza cromática, a pasta fina e leve, bem como o esmalte lácteo e brilhante, a sua cuidada decoração, tornam a faiança de Viana alvo de apetecida procura pelas elites do Norte. Para além de outras zonas, é, também, objecto de intensa exportação para o Brasil, onde os colonos endinheirados lhe dão o merecido valor.
Com as Invasões Francesas e a entrada no mercado nacional das faianças inglesas, que com ela concorriam, as diversas fases do seu processo produtivo degradam-se: a pasta torna-se mais grosseira e a decoração menos elaborada. Entra, consequentemente, em acentuada decadência e vem a fechar em 1855.

Conjunto de faiança de Viana, antiga e actual
Gosto, de um modo geral, de quase toda a nossa faiança.
Gosto de formar pequenos núcleos por fábricas e este é sobre Viana. É-me especialmente grato, quer  pelo cromatismo em azul, quer pelas formas.





Estes três pratos fizeram parte de um serviço de jantar. Para além da marca V., também a "faixa que aparece na orla de alguns pratos, composta de uma linha ondulada, com pontos grossos colocados alternadamente nas ondulações, intercaladas por uma serrilha do lado de dentro e uma ou mais circunferências concêntricas do lado de fora" 1, é uma das características de algumas peças desta produção.




O V. ou o V sublinhado foram marcas usadas nos segundo e terceiro períodos de laboração.


Conquanto não esteja marcado, o que o colocaria possivelmente, com grande probabilidade de atribuição, no primeiro período de actividade da fábrica (1774/1790), este prato poderá ser imputado à manufactura de Viana, quer pela decoração primorosa e requintada, quer pelo azul " finamente executado e sombreado" ou   pelo esmalte, que se apresenta "branco e  levemente anilado" 2.




Embora não pertença ao conjunto inicialmente mostrado, também este prato fez parte de um serviço de Viana, com policromia em azuis, ocres e manganés.




Há alguns anos, num passeio por terras do Minho, visitei a Fábrica de Louça da Meadela, criada em 1947, com o objectivo de dar continuidade à produção da louça de Viana. Com o nome de "Empresa de Cerâmica Regional Vianense, Lda", ficou conhecida por Fábrica da Meadela. Na sua produção avultam o cromatismo, a delicadeza das pinturas, a execução esmerada, demonstradas nas fotos seguintes.

O motivo que ornamenta as peças, a nau, mostra um velame misto, formado por um conjunto de velas latinas e redondas. A cercadura da aba é muito semelhante à do prato anterior.





Fábrica da Meadela (Imagem retirada da Net)
As peças representadas fizeram parte da "Exposição Regional de Viana", que decorreu em Viana, durante o mês de Agosto de 2011.

1- Luís Augusto de Oliveira " Exposição Retrospectiva de Cerâmica Nacional em Viana do Castelo"
2- Isabel Maria Fernandes " Meninos Gordos Faiança Portuguesa"

4 comentários:

  1. Cara If

    Muito obrigado pelo seu post. É importante que existam na internet conteúdos fiáveis sobre faiança portuguesa, que as pessoas possam recorrer para conhecer, avaliar o valor artístico ou raridade das suas antiguidades e velharias.

    Um abraço

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    1. Caro Luís

      Muito obrigada pelas suas palavras. Procuro fazer o melhor que sei. Gosto de partilhar, pois é desta partilha que vamos esclarecendo as nossas incertezas e dúvidas.
      Um abraço

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  2. Gostei muito deste post, Ivete! Obrigada por mais esta partilha.
    É um regalo para os olhos o conjunto de faianças que nos mostra aqui, magnificamente disposto sobre um belo exemplar de mobiliário português(?) antigo.
    E tudo acompanhado de um texto esclarecedor sobre a faiança de Viana, algo que nem sempre encontramos on line, como o Luís bem notou.
    O que me deixa muito intrigada, sempre que leio algum texto sobre a Fábrica de Darque, é o nome de um dos seus fundadores, João de Araújo Lima. É que, pela cronologia,não pode ser o mesmo que arrendou e foi depois proprietário de 1842 a 1861 da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade, mas o nome é realmente coincidente. Seriam familiares ou há apenas coincidência? Antes de vir comentar andei à procura de mais informação, mas apenas encontro o mesmo nome para os dois casos, sem mais.
    A Ivete tem conhecimento de alguma relação entre os dois? Para mim é um pequeno mistério que gostaria de ver esclarecido. :)
    Um abraço

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    1. Agradeço o seu comentário e peço desculpa pela resposta tardia, mas ainda me estou a habituar aos novos horários escolares do neto e das responsabilidades acrescidas que daí advieram.
      Gostei imenso de escrever este texto, não só pelo gosto que me deu e, principalmente, porque aprecio esta produção tão fina e leve. Quanto ao mobiliário onde estão expostos, realmente é uma mesa com um saial muito simples, mas aí é que reside a sua beleza.
      Quanto à coincidência de nomes dos proprietários, também fiz alguma pesquisa e não cheguei a conclusão nenhuma.Era necessário ir aos Arquivos Industriais e Registos Paroquiais, para se poder ter algumas certezas.
      Um abraço

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