sábado, 25 de abril de 2015

Os Ratinhos: sua influência na produção de Alcobaça



Colecção particular

João da Bernarda sublinha que a "faiança de Alcobaça é um caso tardio da cerâmica portuguesa do último quartel do século XIX, descendendo em linha recta da de Coimbra"1.
Não é pois de admirar que a peça que abre este texto se tenha inspirado numa outra, esta sim da produção de Coimbra, explicável pela proximidade geográfica entre as duas localidades.


Casa Museu Vieira da Natividade NºInv 353
Integrando o acervo da Casa Museu Vieira da Natividade, é óbvio que serviu de modelo à peça alcobacense. Distingue-se pela cercadura florida, mais cheia e garrida, devido, quer às pinceladas fortes e cheias, quer à policromia mais acentuada. As senhoras, previdentes, de sombrinha na mão, não fosse a chuva ou o Sol abrasador aparecerem, talvez se dirigissem ao terreiro da feira, para comprar alguma louças, daquelas mais económicas, mas tão coloridas e agradáveis aos seus olhos e bolsas. "As peças identificam-se pelo motivo decorativo. Diferem pela concepção e pelas cores. É, porém, indiscutível a influência de Coimbra"2.


Casa Museu Vieira da Natividade NºInv 19892

Colecção particular

Nestes dois exemplares, os jovens marialvas, fadistas amadores, ensaiam passos de dança, enquanto dedilham melodias que encantam as moçoilas que os escutam. Mais uma vez se nota a influência coimbrã no motivo central. As diferenças  patenteiam-se na paleta cromática e na composição ornamental da cercadura. 


O Mosteiro de Alcobaça fez, durante muito tempo, encomendas de louças, nomeadamente de Coimbra. A partir de 1834, na feira semanal que  passou a realizar-se, era comercializada cerâmica de diversa proveniência. Entre elas estava a de Coimbra, especialmente apreciada pois eram "de maior competição e aspecto apelativo"3.
É conhecido o intercâmbio dos artesãos de cerâmica entre regiões e oficinas. Com eles levavam o seu saber e a sua arte. Foi o caso de José dos Reis dos Santos  que, de Coimbra migrou para Alcobaça onde fundou a sua fábrica na zona da ponte de D. Elias. Aí, continuou a produzir louça grossa de feira, para satisfazer a clientela que tanto apreciava o seu colorido e garridice. No entanto, introduziu-lhe pequenas nuances que lhe conferiram alguma individualidade. Pelo processo de estampa, com acabamentos manuais e pela combinação das cores tornou-a visualmente mais chamativa. Criou um carimbo próprio que imprimia na pasta, ainda fresca.

Marca da Fábrica de J. Reis
in João da Bernarda "A loiça de Alcobaça", pág. 49
Em 1927 é criada a OAL, Olaria de Alcobaça. Iniciada a renovação da produção cerâmica de Alcobaça, são procuradas novas fontes de inspiração. Para além dos temas do século XVII, das olarias de Lisboa, também Coimbra influencia a decoração das suas peças. Copiam-se e reinterpretam-se  formas e motivos ornamentais da faiança ratinha.

Colecção particular


Pequeno alguidar com uma flor, ao jeito ratinho, com a característica pena de pavão. É interessante o facto de, no tardoz, estar assinalada a inscrição referente à primeira fornada feita pela OAL, que se realizou no dia 5 de Outubro de 1927. 


1/3- João da Bernarda "A Loiça de Alcobaça". Asa Editores, 2001, págs.9 e 24.
2 - Ivete Ferreira "Cerâmica na Colecção da Fundação de Manuel Cargaleiro". Câmara Municipal de Castelo Branco", pág.26. 


5 comentários:

  1. Ivete

    Embora as imitações dos Ratinhos feitas por Alcobaça não tenham a espontaneidade dos originais, não deixam de ser apelativas. Claro, são produto de um fabrico mais industrial, mas não há mal nenhum em copiar bons modelos. No passado, os artistas europeus viajavam até Roma para aprender com as obras da antiguidade romana.

    O seu post tem também o mérito de ajudar a distinguir com clareza os verdadeiros ratinhos das produções de Alcobaça. É sempre útil que na internet existam bons conteúdos sobre faiança, porque que é aqui que a maioria dos amadores vem colher informações sobre cerâmica.

    Um abraço

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    1. Luís
      Embora se distingam das peças originais, não deixam de ter qualidade, quer pela pasta, quer pelo seu cromatismo mais acentuado e forte. O intercâmbio de artesãos entre oficinas e regiões é bem conhecido, como já por várias vezes referiu no seu blog. A influência, interpretada pelo artista, faz-se sentir nas novas peças produzidas. É um saber reinventado.
      Um abraço
      if

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  2. É verdade que os sucedâneos de Alcobaça dificilmente poderiam ombrear com os originais, seria difícil, pois uns têm a originalidade e a frescura do que sai "de um jacto", da imaginação do criador, os outros são uma elaboração que tentam apoiar-se nas regras já criadas, fruto de elocubração transformadora.
    Têm a sua beleza, mas já longe da outra.
    No entanto, este seu post é muito bom para dar conta das produções que se vão fazendo, com base num gosto que, face ao seu valor artístico intrínseco, foi tomando e ocupando o seu lugar na história da cerâmica em Portugal.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Manel

      Concordo com o seu modo de ver e interpretar. À originalidade dos artistas ratinhos, contrapõe-se a elaboração pensada segundo técnicas ensinadas, a que falta o traço de criatividade dos primeiros. São peças que resultam de uma interpretação de modelos, mas que não deixam,também, de ter o seu encanto e valor.
      if

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  3. Queridos amigos e amigas.
    Ando cuidando da saúde e de tentos afazeres que não nos deixam, mesmo quando precisamos tanto sossegar. Mas é a nossa vida.
    Por isso sem o devido tempo para as postagens dos amigos e sem ânimo e motivação para as próprias.
    Mas estou recomeçando com uma postagem de Cerâmica Portuguesa. Talvez Bordalo.
    Então voltarei aqui, se a Providência o permitir, para uma visita agradável e com o devido olhar e atenção que cada postagem de vocês merece.
    Até.
    Um abraço.
    ab

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