quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Meninas prendadas


Sempre gostei de bordados e de bordar. Nestes últimos tempos tenho vindo a reunir alguns mostruários bordados a ponto de cruz, feitos pelas mãos sempre habilidosas de jovens adolescentes. É o caso deste, que tem a particuralidade de ter informações de carácter sociológico, o que nos permite inferir sobre a educação proporcionada às raparigas, na cidade de Lisboa.




Maria da Anunciação, 14 anos de idade. A data,14 de Abril de 1830, mostra-nos a sua provecta idade. Está quase a completar dois séculos - 188 anos. A jovem Maria da Anunciação, bordou esmeradamente o seu mostruário, introduzindo-lhe informações que pudessem vir a ser úteis para os seus descendentes. Pode ter sido educada num estabelecimento de ajuda à infância desvalida, que era um dos nomes que davam aos lugares onde eram acolhidas as crianças orfãs ou de fracos recursos económicos. Muitas vezes eram as próprias famílias que as entregavam aos cuidados dessas instituições. A criação destas instituições pode ter ficado a dever-se quer a iniciativas privadas, quer de associações ou ainda estatais. Localizavam-se, principalmente, junto dos grandes centros urbanos, existindo, também, ao longo do território.
Cumpriam a sua função social de acolhimento, protecção e educação. Os femininos insistiam na execução das tarefas domésticas pelas alunas e na aprendizagem de competências como bordar e costurar.Na posse destas competências podiam aspirar a uma "carreira  auspiciosa" de bordadeiras ou costureiras.




Um outro exemplar, mais tardio, mas com uma execução mais cuidada, visível numa cercadura florida, que circunda um cesto de flores. Indica-nos o ano e mês, bem como as iniciais da sua autora. 

Estes "Exemplaires" serviam de mostruário para os profissionais de bordados. Muitas vezes os desenhos eram copiados de outros mais antigos ou ainda de catálogos, que circulavam entre as pessoas. Considerados como documentos da história dos bordados, da sua execução e ensino, começam a despertar o interesse dos grandes museus, como foi o caso do VA de Londres e da Casa-Museu Anastácio Gonçalves. 
                                               




Uma pequena tira de linho serviu, também, de mostruário. Pequenas figuras, do senhor e da senhora e dos empregados, talvez escravos, pela cor da sua pele. Pormenores estranhos e que nos fazem sorrir o que têm nas mãos: cesto, chave, flores, trela do cão.

Estas curiosidades que nos chegam às mãos, plenas de interesse e de histórias, são alienadas pelos herdeiros, na ânsia de acrescentarem alguns cêntimos à parca herança que receberam.

Um mostruário já com alguma idade.



















1 comentário:

  1. Ivete

    Até ao momento em que mostrei há uns tempos no meu blog um mostruário destes feito pela minha bisavó, a Maria Clara acreditava que estes pedaços de panos eram característicos dos países anglo saxónicos e agora a Ivete mostra mais três exemplares todos feitos em Portugal. Creio que a história dos ditos lavores femininos ainda está por fazer no nosso País. As rendas e os bordados dariam belíssimos estudos académicos e belas exposições nos museus. E depois atrás do virtuosismo destas peças, está a história secreta das mulheres, sempre feita de silêncios.

    O meu amigo Manel comprou há uns tempos uma almofada de bilros e tem-se dedicado a aprender a fazer aquela renda. Com a almofada, vinha um velho pergaminho todo picotado com o desenho da renda, que agora o Manel tenta executar e digo-lhe aqueles desenhos são geometria pura, Aquelas mulheres eram verdadeiras geómetras, ainda que de uma forma empírica.

    Um abraço

    ResponderEliminar