sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Uma intervenção arqueológica no Largo das Olarias





Esteve patente ao público, no Museu Nacional de Arqueologia a exposição temporária "MEMÓRIAS DE UMA OFICINA ESQUECIDA" com curadoria de Anabela Castro e coordenação de Alexandre Pais e Lurdes Esteves. Resultou de uma iniciativa conjunta do Museu Nacional do Azulejo, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil  e do ARTIS - Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e deu-nos conta do contributo essencial e acrescido para o conhecimento da produção das faianças portuguesas dos espólios  recuperados aquando da intervenção arqueológica realizada no Largo das Olarias, no bairro da Mouraria, entre os anos de 2015 e 2017. Através dos materiais recolhidos pudemos fazer uma ideia do modo de funcionamento dos fornos e dos "acidentes" que, por vezes, ocorriam. Foi o caso desta exposição que nos mostrou, quase realisticamente, os infortúnios que podiam ocorrer. No entanto, essses objectos "apesar de destruídos (...) são capazes de nos cativar com uma beleza que somente se pode encontrar na imperfeição"1.



Imagem retirada da internet

Os fornos encontrados e escavados serviam, entre outros tipos de cerâmica, para a produção de faiança esmaltada de branco e com pintura, em azul, claramente de influência oriental. 
Foi feito e levantamento de quatro fornos, um circular e três ovais. Apresentavam duas câmaras: uma de combustão inferior (fornalha) e outra superior, onde se procedia à cozedura das peças. Entre as câmaras encontrava-se uma grelha assente em arcos, com orifícios, destinados à passagem do calor. Um corredor, em abóboda, permitia o acesso ao local onde se acendia o fogo. 
O seu período de laboração  situa-se cronologicamente entre os finais do século XVI e primeiras décadas do XVII. Dependendo dos materiais utilizados na sua construção, muitas vezes de fraca qualidade, o que implicava remodelações, o seu tempo médio de funcionamento foi de cinquenta anos. 

"Dos depósitos escavados recolheu-se um número considerável de fragmentos de trempes, cerâmica não vidrada e faiança em vários momentos de produção (enchacotada, vidrada e pintada mas não cozida segunda vez e peças acabadas mas apresentando defeitos)"2.


Imagem retirada da internet
Foram encontradas grandes quantidades de cerâmica esmaltada de branco, decorada a azul, com clara influência da porcelana chinesa, reproduzindo "animais envolvidos por vegetação no seu habitat natural"3: aves coelhos e cães adaptados à fauna autóctone.
Outras formas recuperadas e que permitiram aferir o que se usava no quotidiano das casas mais abastadas foram as tigelas e galhetas, numa decoração geometrizada e em cartelas, preenchendo a totalidade da superfície  das peças.




Observando a imagem supra podemos constatar outras formas recuperadas, mais simples, não vidradas e de claro uso doméstico, como por exemplo bilhas e púcaros.



Muitas das peças exibidas na exposição mostram anomalias devidas, principalmente, à falta de controlo da temperatura do forno. As altas temperaturas atingidas fizeram com que houvesse um processo de fundição das peças, formando-se conjuntos amalgamados, entre a faiança e o próprio recipiente contentor, neste caso as casetas, caixas refractárias, cuja função era "preservar as peças no processo de vitrificação durante a segunda cozedura"4- Cilindricas, apresentavam duas formas: bordo vertical e fundo plano ou de bordo vertical e fundo aberto, com orifícios verticais onde encaixavam os cravilhos que iriam servir de suporte para os pratos de aba.
Esta era a técnica oleira mais comum usada nas olarias lisboetas, por contraposição ao que acontecia nas oficinas de Coimbra ou Gaia, onde o recurso às trempes era o mais usual.






Por curiosidade mostram-se dois conjuntos de pratos, amalgamados, em chacota e já na segunda cozedura, recuperados nas escavaçóes de Santa Clara a Velha, Coimbra, aquando da campanha das obras de restauro e conservação do espaço adjacente ao mosteiro, provenientes dos caqueiros que foram sendo constituídos nas cercanias do mesmo. 


1- Textos informativos da exposição.
2/3/4- Anabela Castro, Nuno Amaral da Paula, Joana Bento Torres, Tiago Curado, André Teixeira -"Evidências de produção oleira nos séculos XVI e XVII no Largo das Olarias, Mouraria, Lisboa". Arqueologia em Portugal, 2017, Estado da Questão.

2 comentários:

  1. Ivete

    Já tinha aqui vindo ler o seu post, mas não tive oportunidade de o comentar. Que pena ter perdido essa exposição. Mesmo em cacos algumas peças são lindas. Curiosa essa diferença de técnica entre os oleiros de Lisboa e Coimbra. Os primeiros usavam as casetas e os segundos as trempes, o que significa que a louça da cidade do Mondego tinha sempre as marcas das trempes. Seria interessante saber por quanto tempo permaneceu essa diferença técnica entre Lisboa e Coimbra. Enfim, temos todos muito a aprender e descobrir pela faiança.

    Um abraço e obrigado pela partilha de informação

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  2. Luís

    Realmente a exposição dava uma fidedigna imagem dos fornos e das peças produzidas e dos acidentes que ocorriam durante o processo de produção. Esteve patente numa das salas das exposições temporárias e, apesar de ser uma amostra pequena, explicitou de forma clara todo o processo produtivo das olarias que funcionavam em Lisboa na época em reporte.

    Um abraço

    if

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