segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Burricos de Atenor

Burricos de Atenor

Em pleno planalto mirandês fica a  aldeia de Atenor, freguesia do concelho de Miranda do Douro.
Situada na passagem da Terra Quente para a Terra Fria, não deixa de ser um exemplo da expressão que tão bem caracteriza esta região: nove meses de Inverno e três de Inferno!
Constituída em Maio de 2001, a AEPGA - Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino - tem como objectivo a preservação de uma raça autóctone - o Burro de Miranda. 


No seu programa de actividades estão contemplados os passeios de burro, uma das vertentes da actividade da associação mais apetecida pelas crianças.
Nestas férias de Verão fomos a Atenor. Era um fim de tarde, seco e quente, em que a energia dos meus netos - o Filipe e a Catarina - era inesgotável. 
Essa energia não era muito evidente nos seus companheiros de passeio: o Atenor e o Telha. Foi necessário cativá-los com uma promessa de lanche.




Albardados os animais, as alforges prontas para qualquer carregamento, os pés bem firmes nos estribos, está tudo a postos para iniciar a caminhada, na companhia dos seus tratadores. 



Por caminhos antigos, trilhados pelos aldeões, chegam a locais onde o  acesso só é possível deste modo.
Zona de ocupação muito antiga como o provam  a presença do homem, quer nos vestígios arqueológicos, quer nas construções mais antigas, como os pombais.


É momento de proporcionar uma refeição "aos nossos amigos" : um lanche breve mas  merecido, após o esforço penoso da caminhada, com uma carga tão pesada, mas com uma disposição alegre e ruidosa.
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Com grande pena dos cavaleiros, o passeio terminou. Despediram-se dos seus amigos, Atenor e Telha, prometendo uma outra visita nas próximas férias de Verão.

Esta associação deve muito ao empreendedorismo dos seus dirigentes, que mantêm contactos e compromissos com outras entidades, como é o caso da Quinta Pedagógica dos Olivais onde vive o "Buxo", burro mirandês, que ali se encontra para alegrar as crianças que o visitam. Organizam, também, passeios e caminhadas por todo o concelho de Miranda do Douro, mesmo para grupos de estrangeiros - é considerável, dentre outras nacionalidades, o fluxo de turistas holandeses - que os contactam e ali se deslocam.

A título de curiosidade, transcrevo do blog "hoije", a descrição, em mirandês, da visita de estudo que algumas escolas do concelho aí efectuaram, no passado dia 5 de Junho.

"Ls alunos de l radadeiro anho de las scuolas anfantiles de l cunceilho bejitórun la AEPGA an Atanor.
Fui na Associaçon que se juntórun para preparáren la caminada até al lhocal adonde se ancóntran ls burros de raça mirandesa. Fui un passeio guapo puls caminos lhadeados de plantas i flores i cun ua paisaige lhindíssema.
Para atrabessar l regato que passa acerca de l solar de ls burros, fui perciso atrabessar ua antiga puonte de piedra i que fui ua berdadeira abintura pa la maiorie de ls ninos.
Ne l solar tubírun a recibe-los ls moços que trabálhan alhá, boluntariamente ó cumo stagiairos, para les amostráren l solar i dáren ua berdadeira aula subre l burro mirandés. Parabienes a quien tan bien soube recebir ls nuossos ninos".



quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Um prato de rendas


Um prato do século XVII, decoração "rendas"

Proponho-me abordar neste texto um tema decorativo de manufactura portuguesa - a faiança de rendas.
As Artes Decorativas, nas suas diversas vertentes, desde sempre se influenciaram mutuamente, quer nas formas, quer nas composições decorativas. Vem isto a propósito da decoração de rendas, que se pode ver e apreciar em algumas peças da nossa faiança do século XVII.
As rendas, oriundas da China ou da Índia (?), entraram no mundo europeu, no século XV, pela mão de Veneza. A Sereníssima, tornou-se num centro afamado de produção textil de rendas. A sua influência vai espalhar-se para outros países, nomeadamente a Itália e Flandres.Os seus artesãos eram contratados para trabalharem nas novas manufacturas que se iam criando nessas regiões.
Arte de uma paciência infinita, ensinada nos conventos, vai ornamentar altares e as elegantes toilettes da nobreza e do clero.
Imagem retirada da Net
Os modelos, primorosamente traçados, chegam ao conhecimento dos artistas através dos álbuns de desenhos que circulam pela Europa. As diversas artes decorativas, naturalmente, colhem aí um tema de inspiração. A sua adaptação enriquece a estética decorativa  das peças onde são aplicadas.
De um modo geral, as peças de " Decoração de Rendas" podem ser datadas da segunda metade do século XVII, . Uma possível fonte de inspiração podem ter sido as golas e punhos rendados dos trajes masculinos e femininos, usados, quer no século XVI, quer no seguinte.


A produção das faianças com decoração de influência oriental teve, numa fase inicial - a primeira metade do séc. XVII - o mercado europeu como destino, nomeadamente, a Alemanha. Inúmeros exemplares existentes nos museus, assim o comprovam. A pintura, muito cuidada, e o esmalte leve e fino denotam que os artesãos conheciam bem as peças originais chinesas, que tomavam como modelo. Mais tarde, com a concorrência da faiança de Delft, a nossa produção torna-se menos cuidada, destinando-se, quase exclusivamente, ao mercado interno.

Com a individualização dos elementos decorativos - as espirais, as contas, os aranhões, as rendas, o desenho miúdo, a faixa barroca -  houve a tendência para os caracterizar por famílias decorativas. Foi o caso da "decoração da família  das rendas, constituída por sequências de meios arcos concêntricos dispostos linearmente e atravessados por feixes de raios terminados em pintas"1.




Prato inteiramente decorado a azul, vivendo da riqueza dos esbatidos. No covo, uma cruz central envolta numa primeira faixa de rendas. Aba com duas cintas semelhantes. 


Exemplar pertencente à Casa-Museu Guerra Junqueiro
Este prato mostra uma decoração de rendas, limitada por uma linha ondulada, que emoldura um conjunto de flores. Cercadura também com o mesmo padrão, em tons de azul cobalto e roxo vinoso. Estas peças, pela qualidade da sua execução e pelo modo como estão conservadas, indiciam uma origem mais aristocrática. O seu uso devia ser mais esporádico e restrito a momentos solenes. 


Diversamente, produziram-se também artefactos utilitários, de pequenas dimensões e com formas mais comuns. Para o conhecimento deste tipo de peças têm contribuído as escavações arqueológicas realizadas um pouco por todo o mundo e que atestam a presença portuguesa nessas zonas (Alemanha, Cabo Verde, Brasil, Caraíbas, Estados Unidos, Canadá).

MNSR



Canudo de farmácia ou boião de botica, destinado a conter produtos farmacêuticos, neste caso Goma Armoníaco. Apresenta uma forma tubular, com uma gola elevada e encurvada, com uma ornamentação de faixas paralelas de rendas. Entre elas a inscrição, numa cartela, G. ARMONI.




Dois pucarinhos com decoração de rendas. Em ambos, o bojo, em calota rebaixada, assenta num frete reentrante e elevado. O colo é alto e cilíndrico. Duas pequenas asas salientes, de perfil auricular.

Por último, dois conjuntos, de grande raridade, formados por quatro azulejos, onde é presente, também, o motivo das rendas.




Agradeço aos seus proprietários a permissão que nos concedeu para a divulgação das suas peças neste post. Bem hajam.


1-Catálogo "Exposição de Faianças Portuguesas de Farmácia", 1972, p.16
Rafael Salinas Calado "Faiança Portuguesa da Casa-Museu Guerra Junqueiro século XVII/XVIII, 2003
Rafael Salinas Calado " Faiança portuguesa 1600-1660", edição MNE, Secretaria de Estado da Cultura e Amsterdams Historisch Museum de Amerterdam,1987
Miguel Cabral de Moncada "Faiança Portuguesa Séc.XVI a Séc.XVIII", 2008
Rita Carole Dedeyan " L'Europe en Dentelles", 1989

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Havemos de ir a Viana

Havemos de ir a Viana


Se o meu sangue não me engana
Como engana a fantasia
Havemos de ir a Viana
Ó meu amor de algum dia

Fado cantado por Amália, com letra de Pedro Homem de Mello e música de Alain Oulmann.

Viana do Castelo abre-se ao oceano, na foz do rio Lima.
Essa situação era favorável à exportação das faianças produzidas na fábrica de Viana, fundada em 1774, na freguesia de Darque, na margem esquerda do Lima. A sua fundação ficou a dever-se à iniciativa de dois negociantes da cidade, João de Araújo Lima e Carlos de Araújo Lemos, em sociedade com João Gaspar do Rego e António Alves Pereira de Lemos.
Para o início dos trabalhos foram, quase seguramente, contratados artesãos, vindos do estrangeiro ou de Lisboa, visto que, à época da instalação da fábrica, não havia em Viana artistas com experiência confirmada, que pudessem orientar essa produção.
Para apoiar esta ideia, baseiam-se alguns estudiosos na circunstância de muitas peças apresentarem a faixa de Rouen e pelo tipo de flores, formando ramos, levemente estilizados, como elemento decorativo. Tal daria veracidade às hipóteses aventadas sobre a origem dos ditos artesãos - estrangeiro ou Lisboa -, neste caso especificamente da Fábrica do Rato.
Atinge o máximo do seu esplendor no seu segundo período de laboração (1790/1820), sob a direcção de António José Gomes Ferreira. A riqueza cromática, a pasta fina e leve, bem como o esmalte lácteo e brilhante, a sua cuidada decoração, tornam a faiança de Viana alvo de apetecida procura pelas elites do Norte. Para além de outras zonas, é, também, objecto de intensa exportação para o Brasil, onde os colonos endinheirados lhe dão o merecido valor.
Com as Invasões Francesas e a entrada no mercado nacional das faianças inglesas, que com ela concorriam, as diversas fases do seu processo produtivo degradam-se: a pasta torna-se mais grosseira e a decoração menos elaborada. Entra, consequentemente, em acentuada decadência e vem a fechar em 1855.

Conjunto de faiança de Viana, antiga e actual
Gosto, de um modo geral, de quase toda a nossa faiança.
Gosto de formar pequenos núcleos por fábricas e este é sobre Viana. É-me especialmente grato, quer  pelo cromatismo em azul, quer pelas formas.





Estes três pratos fizeram parte de um serviço de jantar. Para além da marca V., também a "faixa que aparece na orla de alguns pratos, composta de uma linha ondulada, com pontos grossos colocados alternadamente nas ondulações, intercaladas por uma serrilha do lado de dentro e uma ou mais circunferências concêntricas do lado de fora" 1, é uma das características de algumas peças desta produção.




O V. ou o V sublinhado foram marcas usadas nos segundo e terceiro períodos de laboração.


Conquanto não esteja marcado, o que o colocaria possivelmente, com grande probabilidade de atribuição, no primeiro período de actividade da fábrica (1774/1790), este prato poderá ser imputado à manufactura de Viana, quer pela decoração primorosa e requintada, quer pelo azul " finamente executado e sombreado" ou   pelo esmalte, que se apresenta "branco e  levemente anilado" 2.




Embora não pertença ao conjunto inicialmente mostrado, também este prato fez parte de um serviço de Viana, com policromia em azuis, ocres e manganés.




Há alguns anos, num passeio por terras do Minho, visitei a Fábrica de Louça da Meadela, criada em 1947, com o objectivo de dar continuidade à produção da louça de Viana. Com o nome de "Empresa de Cerâmica Regional Vianense, Lda", ficou conhecida por Fábrica da Meadela. Na sua produção avultam o cromatismo, a delicadeza das pinturas, a execução esmerada, demonstradas nas fotos seguintes.

O motivo que ornamenta as peças, a nau, mostra um velame misto, formado por um conjunto de velas latinas e redondas. A cercadura da aba é muito semelhante à do prato anterior.





Fábrica da Meadela (Imagem retirada da Net)
As peças representadas fizeram parte da "Exposição Regional de Viana", que decorreu em Viana, durante o mês de Agosto de 2011.

1- Luís Augusto de Oliveira " Exposição Retrospectiva de Cerâmica Nacional em Viana do Castelo"
2- Isabel Maria Fernandes " Meninos Gordos Faiança Portuguesa"

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pôr - do - Sol em Mogadouro, Trás-os-Montes


Desde que me lembro, passo as férias de Verão em Mogadouro. 
São tantas as memórias! 
O calor, aliado à quietude dos fins de tarde, envolve os  registos mais marcantes.
Presente está sempre naquela varanda enorme, virada a poente,  a memória do meu Sogro, senhor afável, que apreciava sobejamente esses instantes de fugaz serenidade - um círculo de fogo, pleno, que paulatinamente ia descendo, deixando um rasto de luz.
Actualmente, já com os netos, o Filipe e a Catarina, numa constante roda viva, de energia inesgotável, esses minutos mais apreciados se tornam. 
Não me canso de olhar aquele mar de terras, uma vista distendida, próxima e distante...
Aquela cor castanha, intercalada de verdes, das árvores e dos lameiros, enternece e acalma, num frenesim de sentimentos.
Da varanda da casa, o pôr-do-Sol é magnífico.
O Sol, abrasador, começa a descer  através dos ramos do freixo que o meu filho, cumprindo o dever da sua irrequietude juvenil, a seu tempo depenou. O laranja avermelhado deixa-se entrever.







Incandescente, a pouco e pouco, vai deslizando para a linha do horizonte, jogando às escondidas no seu eterno retorno.





Num claro-escuro contrastante, vai recolhendo, para nascer noutras partes do mundo. Ainda aquece, mas o seu braseiro apaga-se e o fogo esmorece.





Cada vez mais difusa, a luz vai-se esvaindo, despedindo-se para o renascer do novo dia... 





Agradeço a colaboração fotográfica do Filipe Ferreira.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ratinhos em Trás-os-Montes


Pobres migrantes Ratinhos que tanto tiveram que caminhar, tal como tantos emigrantes transmontanos  caminharam, nas últimas décadas do século passado, procurando melhores condições de vida..
A pequena  mostra de peças ratinhas veio para terras transmontanas e aqui foi usada, tal como tantas outras que vamos encontrando por aí.
O seu "ajuntamento" tem uma história interessante. Há bastantes anos, nas férias, tínhamos por hábito, percorrer as aldeias do concelho de Mogadouro em busca de preciosidades e achados. O grupo era liderado pela minha sogra, senhora de uma personalidade forte e marcante. Não ombreávamos com ela, nem no poder de compra, nem na capacidade de persuasão. Encantava as pessoas que lhe "cediam" as peças e guardavam ciosamente as notas em pequenos rolos. Para essas pessoas eram o seu tesouro. O seu tesouro sonhado. Assim se foi juntando uma pequena colecção de faiança, entre eles os ratinhos, que a seguir se mostram.


Estes dois pratos exemplificam  bem a pluma de pavão. A decoração do primeiro,  nasce claramente de um dos lados da aba, espraia-se pelo covo e termina em grandes flores. Aqui foram usadas as técnicas do esponjado e dos pequenos círculos justapostos. O segundo, um pouco mais avançado no tempo, vive da variedade  e abundância das flores que preenchem toda a superfície da peça.



Um outro exemplar com uma ornamentação plena, demonstrando bem o "horror vacui" que, alguns artistas ratinhos, na esteira da cerâmica  Iznik, magistralmente sabiam executar. Toda a superfície está preenchida com um ramo de flores que se desenvolve, em simetria,  a partir de um eixo vertical. Com um esponjado mais cheio, ou mais distendido, as flores dispõem-se alternadamente, variando na forma e na cor.






Estes dois pratos, espiralados, revelam uma decoração diferenciada na aba.O primeiro apresenta uma divisão em cinco cartelas, descrita por uma linha pentagonal, ladeada por outra, paralela, de pequenos círculos justapostos. O segundo, com uma ornamentação definida em cercadura, sugere uma estrela, expressa por traços delineados através de círculos justapostos, em alternância nas cores amarelo ocre e manganés, intercalados por esponjados e filamentos verdes. Técnica rápida e experiente, que interpreta a mestria dos artistas ratinhos, capazes de, com instrumentos simples, executarem ornamentações inventivas e apelativas aos olhares dos futuros utilizadores.



Para finalizar, duas das peças  mais pequenas da colecção cujas  dimensões  reduzidas lhes conferem especial  graciosidade e leveza. Embora também apresentem a pluma de pavão, podem incluir-se no grupo das flores, pois que são o motivo decorativo dominante. A segunda peça é uma representação mais característica da pena de pavão, uma vez que os respectivos tons,  predominantemente o verde e manganés, a aproximam da configuração do núcleo da própria pluma.



















sábado, 3 de agosto de 2013

Terrina de Santo António do Vale da Piedade

Uma surpresa com o motivo decorativo"País"

Num jantar em casa de pessoas amigas, e no fluir da conversa, abordou-se o tema da produção das nossas faianças. Grande coleccionador, apreciador e profundo conhecedor de antiguidades  mostrou algumas peças, qual delas a mais excitante (permitiu-me tirar outras fotografias, que ficam para um novo post) e abriu-se a caixa de Pandora: da gaveta de uma cómoda, surgiu esta bela terrina. 



Dirão: " É mais uma..." É. Mas tem a particularidade - sinal distintivo muito raro na generalidade da nossa faiança - de se encontrar marcada. Foi produzida na fábrica de Santo António de Vale Piedade.


VALENTE, Vasco
"Cerâmica Artística Portuense dos séculos XVIII e XIX", p.145




 A marca é característica do terceiro período de laboração da fábrica, aquele em que se produziu "loiça de uso doméstico, estatuetas, vasos para jardins e azulejos de faiança" 1, que decorreu entre 1887 e a terceira década do século XX. Era sua proprietária a firma António José da Silva e Silva.
A concorrência de louças estrangeiras, principalmente inglesas, mais baratas e de melhor qualidade, obrigou a que a sua produção se tornasse  mais popular, destinando-se a um público com menor poder de compra.





O motivo "País" tem como matriz a decoração da louça inglesa executada com estampilha e predominância da cor azul. Esta sobressai do vidrado leitoso com que está coberta.
O casario desta peça não apresenta o típico edifício com cobertura oriental, antes lembrando uma construção  inspirada nos prédios pombalinos (referência já feita pelo LuísY, no seu blog Velharias), constituídos por vários andares e uma mansarda. Todo o conjunto está envolvido por vegetação.




Asas laterais bem delineadas que, pelo torcido das formas, poderão  simular troncos de árvore,  que se espraiam para baixo, pelo corpo da terrina, através de um apontamento de folhas, cujos contornos foram levemente acentuados.



Não quero terminar a apresentação desta peça,  sem agradecer ao seu proprietário a  gentileza e  imediata disponibilidade para  me deixar fotografar a terrina e divulgá-la neste blog. Bem haja.


1. VALENTE, Vasco "Cerâmica Artística Portuense dos séculos XVIII e XIX"


terça-feira, 16 de julho de 2013

Uma figura de convite da Fábrica da Roseira


Uma figura de convite da Fábrica da Roseira






 Francisco Hipólito Raposo, grande conhecedor e coleccionador de faiança portuguesa, na crónica semanal que escrevia no jornal Expresso, na década de noventa do século passado, conta-nos como descobriu uma figura de convite, produzida na extinta fábrica da Roseira. 


Francisco Hipólito Raposo

Numa ida para o Alentejo, enquanto duravam as manobras do comboio em Santa Apolónia, sua irmã Isabel avistou, num pequeno vão de escada, uma figura colorida. Por ela alertado, foi até lá. Fascínío completo - era uma figura de convite de um soldado, pintado por Mestre Roseira. Estava na parede de uma casa pombalina, toda revestida de azulejos setecentistas, onde laborara a antiga Fábrica da Bica do Sapato. A esta  sucedeu a  Fábrica da Calçada dos Cesteiros, também conhecida por Fábrica da Roseira, designação que passou a tomar devido ao  nome do seu posterior adquirente, Augusto Victor Roseira.


Fachada principal da Fábrica da Roseira

Depois de várias diligências com a sua proprietária, descendente do Mestre Roseira, foi fixado como preço de aquisição o valor de doze contos. Uma condição adicional - que o grande coleccionador, naturalmente, satisfez de bom grado - foi a de que ele se comprometia a mandar  substituir, por azulejos comuns, o espaço desfalcado.



A figura de convite revelou-se um original soldado de um qualquer regimento português do século XIX, com "calças bombadas de zuavo, o quépi tipo "Meninos da Luz" e gola amarela com a insígnia dos Caçadores, a trompa de caça". Recuperados que foram os azulejos, estes passaram a decorar as paredes da casa do coleccionador.

A Fábrica da Roseira continuou a sua laboração, dedicando-se, especialmente, à produção de azulejos de fachada e de painéis publicitários.
Por encomenda do rei D. Fernando II, produziu parte dos painéis azulejares para o Palácio da Pena. Também se tornou mais conhecida a partir do momento em que forneceu o revestimento exterior do Palacete Beau-Séjour, em Lisboa. 



   
Palacete Beau Séjour
Imagem de autoria de Mário Marzagão







Palacete Beau Sejour
Imagem de autoria de Mário Marzagão





O enriquecimento de um grupo urbano de industriais e comerciantes, desejosos de demonstrarem a modernidade do seu gosto, fez com que os painéis publicitários em azulejo entrassem na moda. Estes, para além de afirmarem a individualidade dos seus encomendantes, engrandeciam, pelo seu colorido, as fachadas onde eram afixados. As lojas, mais apelativas e personalizadas, transformam-se, assim, em pólos de atracção de clientes.

É o caso do painel publicitário, alusivo à fábrica de goma "A Japoneza", também produção da Fábrica Roseira. Pertenceu à colecção Leitão. Actualmente, faz parte do acervo da colecção Berardo.




Cortesia do coleccionador Leitão

Há poucos dias, folheando o Almanaque Bertrand de 1913, encontrei um anúncio à fábrica Roseira. Por entender que pode trazer alguns esclarecimentos para o  estudo da mesma fábrica, junto-o a este post.




Nota: Este post teve como suporte a crónica "Bandeira do Património",escrita semanalmente, por Francisco Hipólito Raposo, no Jornal Expresso, 1993.