sexta-feira, 17 de julho de 2015

Uma Nossa Senhora de Malines





Terna Mãe que segura o seu Filho nos braços.
O tema mariano foi dos mais inspiradores para os artesãos das oficinas de Malines. Conhecem-se bastantes imagens que representam Nossa Senhora com o Menino. Para além desta representação, foram também esculpidas muitas outras, como a Pietá, Santa Ana, a Virgem ou unicamente o Menino. Estas figuras destinavam-se, de um modo geral, a estar expostas em altares individuais, muitos deles de devoção privada. Regra geral não são imagens de vulto pleno, isto é, que possam ser vistas em todas as posições, pois não são esculpidas na totalidade, nomeadamente nas costas. Contrariamente, as imagens de vulto parcial, expostas nos oratórios privados, estavam destinadas a ser olhadas unicamente de frente.
Esta imagem tem o Menino ao colo, do lado direito. A túnica cai em pregas sobre o corpo, deixando as pernas à vista. Envolve-o um rosário, a que faltam algumas contas e a cruz. A Senhora segura-o com carinho e devoção. Mostra uma indumentária tradicional, cuidada, com o usual decote quadrado. O manto cai em pregas, que se vão quebrando de modo natural. Revela um rosto sereno e testa alta, como era costume neste tipo de imagens. O cabelo entrançado deveria ter estado preso numa coifa. Estas peças, tidas em grande apreço pela sua graciosidade e beleza, foram sendo alvo de pinturas e arranjos posteriores, mais de acordo com as noções estéticas em vigor e também com a vontade dos seus possuidores. A coifa tradicional, de tecido entretecido com fiadas de pérolas,  foi substituída por uma coroa, possivelmente de prata. Para tal tornou-se necessário proceder a adaptações: a coifa desapareceu para dar lugar a uma zona onde fosse possível encaixar a coroa.



N.Srª. do Rosário
MNAA Inv.1350

Imagem proveniente da antiga colecção do comandante Vilhena que integra, actualmente, o acervo do MNAA. O Menino tem sobre os ombros um rosário. A policromia já não é a original. Refeita por várias vezes,  confere à imagem uma volumetria maior, escondendo a leveza da escultura. Mais tarde, foi-lhe aditada uma placa com uma cercadura de contas e flores em harmonia com o rosário que ornamenta o Menino.
Estas peças, originárias da Flandres, eram produzidas em três grandes centros: Malines, Bruxelas e Antuérpia. A influência da arte flamenga que já se sentia e imperava nos reinos ibéricos desde o século XV, vai alcançar o seu apogeu no século seguinte, quando as rotas comerciais, principalmente a  do açúcar, conhecem um grande desenvolvimento.
Nas principais cidades do Brabante existia uma próspera e produtiva indústria de retábulos, esculturas e pinturas que eram exportadas para a Europa, chegando às ilhas atlânticas da Madeira, Açores e Canárias. Devido ao comércio florescente, quer do açúcar, quer das especiarias, muitos comerciantes flamengos vêm estabelecer-se nessas novas zonas, com eles trazendo o gosto e devoções artísticas que, rapidamente, são absorvidas pela sociedade local. Daí a existência de tantas peças flamengas ou ao gosto flamengo que ainda se podem encontrar nos museus e em colecções particulares.
Para salientar a importância dada à arte flamenga foi,entre Dezembro de 2004 e Julho de 2005, decidido promover um congresso de especialistas com vista a proceder à sua divulgação. O mesmo ocorreu em Lisboa. Para além disso realizou-se uma exposição que reuniu peças existentes nas Ilhas Canárias completada com muitas outras provenientes de colecções belgas, portuguesas e espanholas.
Essa exposição esteve patente em Madrid, Bélgica e Santa Cruz de Palma.




Catálogo, pág. 73

Feitas para os encomendantes, fossem eles o rei, a igreja, particulares ou mesmo comerciantes, apresentavam muita qualidade. Transportadas nas embarcações na tornaviagem, abasteciam o mercado peninsular e insular, ávido de novidades e de exibir o seu recente poder económico. A resposta a  este intercâmbio artístico e cultural é feita de modo inédito para a época: a criação de oficinas especializadas neste tipo de obras de arte.  Malgré a sua execução em série, as peças tinham qualidade artística e a sua originalidade excluía-as de um carácter mais popular. Eram sujeitas ao exame do júri dos mesteres  e autenticadas com as marcas  próprias de cada centro produtor, podendo assim atribuir-se-lhes uma origem. No caso de Malines eram apostas, nas costas, por punção, as três barras, alusivas ao brasão da cidade.





"Ao modo da Flandres.Disponibilidade,Inovação e Mercado da Arte (1415-1580)". Actas do Congresso Internacional Celebrado na Reitoria da Universidade de Lisboa, Abril de 2005.
Catálogo da Exposição "El Fruto de la Fe. El Legado Artístico de Flandres en la Isla de La Palma".
Willy Godenne "Préliminaires à l'inventaire général des statuettes d'origine malinoise présumées des XV et XVI siècles"
"O Brilho do Norte". Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 1997.




sexta-feira, 26 de junho de 2015

Panos bordados ou a educação de uma jovem no século XIX






As iniciais bordadas neste pequeno mostruário, que não excede os trinta centímetros de comprimento, pertenceram a uma jovem transmontana que, na sua aldeia de Castelo Branco, concelho de Mogadouro, aprendeu a bordar letras e números, para futuramente marcar as peças do seu enxoval. A pessoa de família na posse de quem está, não conseguiu desvendar o anonimato da sua autora. Dos vários exemplares que me foi dado analisar e fotografar, é o mais recuado no tempo. Abecedário composto por letras góticas, nas cores vermelho e azul, muito usadas para marcar quer  roupas da casa, quer roupas femininas. 
Possuo um mostruário bordado por minha Mãe, religiosamente guardado, que nem as buscas mais aturadas me permitiram encontrar. Entre a família já serve de mote para me arreliarem:"Já desvendaste o segredo do tesouro?". Qualquer dia, num momento mais feliz, hei-de deparar com ele ... e exibi-lo-ei com o orgulho de quem levou a sua demanda a cabo.

Executados pelas meninas com fins educacionais, quer em casa, quer nos colégios internos, integravam o currículo das diversas artes a desenvolver pelas educandas, por vezes surgindo o nome e a data, como foi o caso de Isabel Maria Nepomoceno que bordou o seu exemplar no distante ano de 1892.




No século XIX, eram geralmente bordados em ponto de cruz e os símbolos e desenhos,  românticos e ingénuos, dispostos em frisos, com bandas de elementos geométricos a estabelecer a separação entre eles.


Neste exemplar, assinado pela jovem Emília e bordado algures na segunda metade do século XIX, já muito desbotado e com parte do desenho desfeito, podemos ver a cercadura florida que envolve todo o esquema organizativo do lavrado. Em cima o alfabeto maiúsculo, separado do minúsculo, por um friso de folhas, talvez de carvalho. Recorda os meus tempos de menina de escola, quando tínhamos como TPC diário, a cópia do texto que estudávamos. No fim, antecipando o nome e a data, os dois abecedários - maiúsculo e minúsculo - rematavam as benditas cópias...
Estes samplers, nome pelo qual ficaram conhecidos, foram temas abordados e muitíssimo bem analisados, nos blogues do Luís Montalvão e da Maria Andrade. Aliás, após essa abordagem, recordaram-me aquela tira de linho com letras e números lavrados a vermelho, que minha Mãe bordara, nos seus tempos de meninice, em Trás-os-Montes. Em feiras de velharias fui encontrando alguns desses mostruários, quase votados ao abandono, alienados por um qualquer herdeiro, visando tão somente um punhado de cobres. Assim se vendem memórias...

Executados por toda a Europa, desde o século XVI, constituíam mostruários para o trabalho das bordadeiras profissionais, que assim mostravam o valor da sua arte. Repositório de exemplos de pontos e temas, mais tarde surgem álbuns como o "Neues Modelbuch", de Rosina Fuerst, publicado em 1689, em Nuremberga. Livros de desenhos de rendas e bordados, de fácil circulação, permitiam fazer reproduções das imagens que continham, servindo, também, de fonte de inspiração para novos motes, criados a partir das imagens impressas.


Imagem retirada da internet
Estes bordados, quer fossem executados pelas meninas das elites, quer pelas simples bordadeiras que viviam desse trabalho, minucioso e cansativo, eram parte integrante da educação feminina.
Para além das tiras, de linho ou outro tecido, também eram executados em forma de quadrado,como o exemplar que se segue, incompleto, mas preparado para conter desenhos mais elaborados. Revela, para além das letras do abecedário, uma linha vertical de flores e, no canto inferior direito, uma cena de pastorícia.







Fonte:
www.vam.ac.uk/content/embroidery-pattern-book


quarta-feira, 10 de junho de 2015

O motivo decorativo contas na faiança setecentista







Um conjunto de faiança com a tipologia decorativa conhecida por "contas". Peças que resistiram ao tempo, bem conservadas, vocacionadas para uma  exposição, em lugar de destaque. Peças de aparato, fugindo ao uso quotidiano, por tal preservadas ao longo de gerações. 
O traço de união que observamos são as faixas decorativas de contas, circunscritas por círculos concêntricos, servindo de enquadramento ao motivo central: ramo florido e ave segurando um ramo no bico. A pequena terrina, graciosa no seu formato redondo, completa harmoniosamente o conjunto.
Tal como outros tipos decorativos setecentistas, nomeadamente as rendas e a faixa barroca, caracterizam-se pela decoração de azul cobalto, contornada a roxo de manganés. É conhecida uma excepção: um canudo que integra o acervo do Paço Ducal de Vila Viçosa, no qual o azul deu lugar ao verde de cobre.



In " Cerâmica de Coimbra do século XVI-XX", pág.45
Na parte central deste canudo, observa-se uma faixa dupla, na qual alternam grupos de seis contas, mais raros, nos tons verde e manganés, numa peça de formato mais invulgar.

Os grandes centros produtores deste tipo de faiança eram Lisboa e Coimbra. Datável essencialmente do primeiro quartel do século XVII, foi sendo produzida ao longo de  toda a centúria, chegando ainda também ao século XVIII. Já da segunda metade de setecentos, uma peça datada 1767, ainda com um rebordo de contas, se bem que desenhado e executado de um modo mais fugidio e rápido.
Leiloeira S.Domingos, leilão nº63, Outubro 2011, lote nº525



Exemplar semelhante, atribuível ás olarias do Monte Sinai, em Lisboa, integra o acervo do Museu de Évora. Foi recuperado em 1990, aquando das escavações arqueológicas realizadas na área ocupada pelo antigo convento dominicano de Santa Catarina de Sena. 



Segundo Miguel Cabral de Moncada "atribui-se a designação de Decoração de Contas  aos objectos produzidos na segunda metade do século XVII contendo uma faixa ou uma tarja decorada com grupos de três ou seis "Contas" colocadas em triângulo, assemelhando-se à cabeça de "um ruyi"1.
A continuidade da existência deste tipo decorativo, durante o século XVIII, mostra a importância das famílias de oleiros que prolongavam estas decorações nas peças que produziam. À semelhança das olarias de Lisboa, também as coimbrãs utilizaram largamente este motivo. 


MNAA, inv.6213, foto José Pessoa


Os fragmentos de faiança portuguesa recuperados nas escavações arqueológicas que se vão realizando um pouco por todo o mundo revelam a sua importância, pois testemunham o apreço em que era tida a louça produzida em Portugal, bem como comprovam os contactos comerciais mantidos com locais tão distintos e longínquos.
O conhecimento documentado de naufrágios de naus portuguesas que no seu bojo transportavam faianças portuguesas destinadas a alimentar o comércio ultramarino é importante para determinar a sua datação e centros produtivos.
Dois casos elucidam esta informação. O naufrágio da nau Santo António de Taná, que saiu de Goa com destino a Mombaça e naufragou em 20 de Outubro de 1697, ao largo do Quénia. Parte do seu carregamento consistia em faiança, que abastecia as feitorias e funcionava como elemento de troca que fomentava o comércio dessas zonas.Algumas das peças recuperadas, decoradas  com o motivo de contas, encontram-se no Museu Nacional do Quénia.
Também a carga do galeão Sacramento, naufragado ao largo de Salvador da Bahia, em 5 de Maio de 1668, revelou um largo espólio, entre ele imensas peças de faiança, cuja imagem se reproduz:


Revista Oceanos, Nº 22, Abril/Junho 1995, pág.13



Por fim, uma peça que nos apresenta o busto de uma senhora. Ocupando o centro da caldeira, revela, no traço e nos ornamentos, uma modernidade que está muito além das  decorações setecentistas suas congéneres.
Os bustos de senhoras representados usualmente na faiança desta época registam grandes toucados, alguns bem fantasiosos. No caso presente, a linha de rosto foi delineada com um traço leve e preciso, conferindo à imagem elegância e mistério. O toucado, bem cingido à cabeça, remete-nos para uma rede, ornamentada com pérolas, que deixa visualizar alguns caracóis de cabelo. A restante superfície, deixada na cor do esmalte estanífero, acentua a beleza da composição central. A decoração remata com uma leve cercadura de contas.








Esta peça integrou a colecção do Comandante Vilhena, como se comprova pelo selo que tem afixado no tardoz.
Agradeço ao seu proprietário ter permitido a sua publicação.

1 - Miguel Cabral de Moncada " Faiança portuguesa Séc XVI a XVIII", Scribe, 2008, pág.116.
Revista Oceanos, Nº 22- Abril/Junho 1995
Alexandre Pais, António Pacheco, João Coroado "Cerâmica de Coimbra", Edições Inapa, 2007







sexta-feira, 15 de maio de 2015

As vilas operárias




Imagem de Lisboa tirada do  miradouro da Igreja da Graça. De uma das suas  colinas a vista foge e alcança um panorama único, quiçá irrepetível.
Num destes últimos sábados fui conhecer a Graça operária. Bairro tradicional e de características muito próprias, se o  percorremos com o coração aberto, revela-se, deixando perceber a riqueza que guarda dentro de si.
O surto industrial de meados do século XIX originou uma súbita e urgente necessidade de mão-de-obra. Para a colmatar recorreu-se às gentes do interior. Ao crescente afluxo de pessoas que acorriam a uma ilusória melhoria de vida não correspondia a cidade com um parque edificado que oferecesse condições mínimas de habitabilidade. A cidade crescera, tendo-se desenvolvido para novos bairros  e zonas como Estefânia, Campolide, Campo de Ourique, Almirante Reis e Avenidas Novas. Embora a construção  de casas nessa novas zonas fosse mais barata, ainda assim os salários auferidos pelos operários não permitiam o seu arrendamento.
Numa tentativa de solucionar o problema e também com intuitos sanitários - impedir, nomeadamente, a propagação da tuberculose - que poderia afectar a população de uma forma cega, vão ser procuradas soluções. Adaptam-se antigos palácios ou conventos, transformando-os em habitações para as pessoas de mais fracos recursos, ou vão construir-se casas, de baixo custo, algumas devidas à iniciativa privada, de modo a permitir o seu arrendamento pelos operários e, ao mesmo tempo, assegurar  rentabilidade aos seus construtores.




Esta vila é conhecida pela designação de pátio do Barbosa por ter pertencido a Francisco Barbosa. Propriedade que foi  dos Senhores da Trofa, o palácio mantém a sua fachada seiscentista. O acesso ao pátio faz-se pelo portal, que ainda mostra sinais da sua imponência. No interior, as casas distribuem-se em  redor do que foi, possivelmente, o pátio de honra. Ainda podemos ver o que resta da antiga cisterna.


Pátio do Barbosa
Imagem retirada da internet


Uma forma diferenciada de vilas, também aproveitando um antigo palácio, se bem que reabilitado, inteiramente revestido de azulejos verdes, fica no Largo da Graça, nº32. Com entrada directa para a rua, o acesso para o interior faz-se por um largo portal em ferro forjado que ostenta orgulhosamente a data de 1890 e o nome pelo qual é conhecida - Villa Sousa.





Esta vila tinha dois objectivos: arrendamento à pequena burguesia industrial e comercial, bem como a funcionários públicos ou membros do exército de baixa patente e, evidentemente, aos operários. A parte que dava directamente para a rua era ocupada pela elite do operariado ou do funcionalismo público e, no interior, nas casas que rodeavam o largo, vivia a "classe laboriosa" que, alegre e ruidosamente, reproduzia o modus vivendi das suas aldeias longínquas. Um corredor largo e com alguma magnificência de construção, como se pode constatar pelos tectos de estuque e a escadaria de acesso às habitações de melhor qualidade.






Outro tipo de vilas, como a Vila Berta, em que a construção é mais cuidada, já com  preocupações de beleza e conforto. Apresenta-se com duas entradas distintas, dispondo-se as residências ao longo de toda uma rua. A sua edificação ficou a dever-se  à iniciativa do seu fundador e construtor, Joaquim Francisco Tojal, brasileiro, filho de emigrantes portugueses, que regressa a Portugal, em finais do século XIX.




Foi-lhe atribuído o nome de família, como se pode verificar pelo belo painel de azulejos Arte Nova e pela tabuleta afixada na parede do prédio. Acabada em 1908, foi ocupada pela família, parentes e amigos formando um pequeno grupo social, coeso e intimista, que não era habitual existir numa grande cidade.



Nos topos da rua ficavam a casa do proprietário, tipo chalet, com telhados amansardados e varanda assente num conjunto de cachorros. No topo oposto, um edifício da quatro andares, dando acesso à Rua do Sol à Graça, através de um arco. Está ornamentada, também,  com azulejos Arte Nova.




A vila desenvolve-se ao longo da rua, com duas bandas de casas, em correnteza. Num lado têm dois andares. No outro três. A originalidade destas habitações está nas suas varandas de ferro, formando pequenos terraços. Toda a rua respira tranquilidade.





Este texto já vai longo, mas não é possível deixar de abordar mais dois exemplos de vilas existentes na freguesia da Graça.São eles  a Vila Rodrigues e o Bairro Estrela d'Ouro.
A primeira, típica vila operária, situa-se nas traseiras de um grupo de prédios, de melhor qualidade arquitectónica. O acesso faz-se por um portão lateral que exibe o nome Vila Rodrigues.






Depois de dobrar o cotovelo formado pela rua, onde um pequeno cão, rafeiro barulhento e belicoso, nos deu as boas vindas chegámos à vila propriamente dita. O grupo edificado tem dois conjuntos paralelos de casas. O acesso faz-se exteriormente por galerias e varandas em ferro, demonstrativas das modernas tecnologias de construção da época, 1902. A falta de terrenos provocou  a sobreocupação dos poucos existentes. Com esta sobrelotação de edifícios pretendia obter-se uma elevada  rentabilização. Uma área mínima, para uma máxima ocupação.




O Bairro Estrela d'Ouro situa-se na freguesia da Graça. A sua construção deve-se à iniciativa de um industrial galego, Agapito Serra Fernandes.


Família de Agapito Serra Fernandes
Imagem retirada da internet
Foi um planeamento pensado e executado pelo arquitecto Norte Junior  tendo em conta as necessidades da própria família do fundador, bem como os alojamentos para os trabalhadores.             Conta-se que a estrela, de cinco pontas, presente na ornamentação e nos pormenores   decorativos patentes em todo o conjunto era um elemento significativo para o industrial galego.    
                               
                           


                                         


A moradia principal, com belos painéis de azulejos Arte Nova, era casa de habitação da família. As casas estavam dispostas em forma de U, alinhadas ao longo das ruas. O acesso exterior, faz-se por escadarias e varandas em ferro.




Este é um pequeno grande pormenor que deve ter sido acrescentado posteriormente. No jardim da casa principal, onde hoje está instalado um Lar de Idosos da Misericórdia, foi construído um banco todo revestido com azulejos pombalinos. Qual terá sido o seu primitivo local de origem?






Nuno Teotónio Pereira -"Pátios e vilas de Lisboa 1870-1830", Análise Social, vol.XXIX, 1994.
Sónia Cristina Ildefonso Pinto -"Vilas operárias em Lisboa, Emergência de novos modos de habitar. O caso da Vila Berta". Dissertação de Mestrado em Arquitectura, IST, Universidade Técnica de Lisboa, Novembro de 2008.





sábado, 25 de abril de 2015

Os Ratinhos: sua influência na produção de Alcobaça



Colecção particular

João da Bernarda sublinha que a "faiança de Alcobaça é um caso tardio da cerâmica portuguesa do último quartel do século XIX, descendendo em linha recta da de Coimbra"1.
Não é pois de admirar que a peça que abre este texto se tenha inspirado numa outra, esta sim da produção de Coimbra, explicável pela proximidade geográfica entre as duas localidades.


Casa Museu Vieira da Natividade NºInv 353
Integrando o acervo da Casa Museu Vieira da Natividade, é óbvio que serviu de modelo à peça alcobacense. Distingue-se pela cercadura florida, mais cheia e garrida, devido, quer às pinceladas fortes e cheias, quer à policromia mais acentuada. As senhoras, previdentes, de sombrinha na mão, não fosse a chuva ou o Sol abrasador aparecerem, talvez se dirigissem ao terreiro da feira, para comprar alguma louças, daquelas mais económicas, mas tão coloridas e agradáveis aos seus olhos e bolsas. "As peças identificam-se pelo motivo decorativo. Diferem pela concepção e pelas cores. É, porém, indiscutível a influência de Coimbra"2.


Casa Museu Vieira da Natividade NºInv 19892

Colecção particular

Nestes dois exemplares, os jovens marialvas, fadistas amadores, ensaiam passos de dança, enquanto dedilham melodias que encantam as moçoilas que os escutam. Mais uma vez se nota a influência coimbrã no motivo central. As diferenças  patenteiam-se na paleta cromática e na composição ornamental da cercadura. 


O Mosteiro de Alcobaça fez, durante muito tempo, encomendas de louças, nomeadamente de Coimbra. A partir de 1834, na feira semanal que  passou a realizar-se, era comercializada cerâmica de diversa proveniência. Entre elas estava a de Coimbra, especialmente apreciada pois eram "de maior competição e aspecto apelativo"3.
É conhecido o intercâmbio dos artesãos de cerâmica entre regiões e oficinas. Com eles levavam o seu saber e a sua arte. Foi o caso de José dos Reis dos Santos  que, de Coimbra migrou para Alcobaça onde fundou a sua fábrica na zona da ponte de D. Elias. Aí, continuou a produzir louça grossa de feira, para satisfazer a clientela que tanto apreciava o seu colorido e garridice. No entanto, introduziu-lhe pequenas nuances que lhe conferiram alguma individualidade. Pelo processo de estampa, com acabamentos manuais e pela combinação das cores tornou-a visualmente mais chamativa. Criou um carimbo próprio que imprimia na pasta, ainda fresca.

Marca da Fábrica de J. Reis
in João da Bernarda "A loiça de Alcobaça", pág. 49
Em 1927 é criada a OAL, Olaria de Alcobaça. Iniciada a renovação da produção cerâmica de Alcobaça, são procuradas novas fontes de inspiração. Para além dos temas do século XVII, das olarias de Lisboa, também Coimbra influencia a decoração das suas peças. Copiam-se e reinterpretam-se  formas e motivos ornamentais da faiança ratinha.

Colecção particular


Pequeno alguidar com uma flor, ao jeito ratinho, com a característica pena de pavão. É interessante o facto de, no tardoz, estar assinalada a inscrição referente à primeira fornada feita pela OAL, que se realizou no dia 5 de Outubro de 1927. 


1/3- João da Bernarda "A Loiça de Alcobaça". Asa Editores, 2001, págs.9 e 24.
2 - Ivete Ferreira "Cerâmica na Colecção da Fundação de Manuel Cargaleiro". Câmara Municipal de Castelo Branco", pág.26. 


quarta-feira, 8 de abril de 2015

As Bellas na Faiança Ratinha





E, num ápice, chegou o segundo aniversário deste blog. Para  celebrar a efeméride!!! revelam-se algumas peças de Faiança Ratinha que se destacam do panorama habitual de  peças desta espécie.de faiança. Palanganas de rara beleza - pelo motivo ornamental, paleta cromática e técnica de pintura - (elevam e) demonstram a categoria dos seus executantes que, com grande probabilidade, colheram inspiração em fontes mais arcaicas, possivelmente álbuns de gravuras que circulavam pelo meio artístico e a que puderam ter acesso. 
Numa clara demonstração ao horror vacui - herança e influência prováveis da cerâmica de Iznik -,a superfície  a decorar cobre-se de uma sinfonia de ritmo e cor. 




Na Faiança Ratinha, devido à fraca qualidade da louça, os artistas utilizavam a técnica do desenho livre, pintando directamente "a traços largos, com pincéis macios"1.
Nestas duas peças, a "técnica do desenho livre alcança elevada expressão"2. Representam-se dois bustos femininos, de perfil. O corpo, em forma de coração, é delineado por traços e aguadas que lhes conferem profundidade. O realce salienta-se nos rostos. As "características faciais, testa alta, pescoço esguio, nariz curvilíneo, olhos grandes e rasgados, sobrancelhas espessas"3  levantam a hipótese de ter havido uma grande proximidade entre artistas, uma vez que há traços muitos equivalentes no desenhar da linha do rosto. Diferem nos ornamentos de cabeça. A senhora desenhada na primeira das peças que se apresentam exibe um chapéu a lembrar a caça, pela sua aba revirada a que não deverá faltar uma pena, se bem que invisível, dada a sua posição de perfil. A outra senhora, numa clara inspiração renascentista, ostenta uma coifa (?), enfeitada com plumas, jóias e um conjunto ornamental de difícil caracterização e especificação.
Inscrevem-se num enquadramento vegetalista, obtido pelo recurso à técnica do esponjado.

A produção da faiança coimbrã vai conhecer o seu apogeu durante o século XVIII tendo sido executadas peças com as mais variadas formas e motivos. Em finais do século, destaca-se, dentre  os oleiros produtores de cerâmica, a família Brioso. As peças que se apresentam, de uma colecção particular, poderão ser atribuídas à  produção de Brioso.





Diferindo nas cores, em que foram usados o azul e o manganés, aproximam-se na composição decorativa. O mesmo rosto de perfil, testa alta e olhos amendoados, na qual de destaca a coifa, ajustada ao tamanho da cabeça. Também nestas peças se recorreu ao uso do desenho livre e da técnica do esponjado para finalizar o esquema decorativo, obedecendo à regra do preenchimento quase total da superfície a ornamentar.
Esta temática das representações de bustos de senhora, conhecida como as Bellas, terá origem italiana. Estará, porventura, associada "ao retrato das mulheres mais bonitas das cidades onde estes objectos eram produzidos e o seu intuito estava relacionado com o namoro, sendo ofertas de homens apaixonados para aquelas que eram devedoras da sua afeição"4. 

PCV, Leilão nº 45, 1999

PCV, Lote 57, Outubro 2010

As Bellas são peças raras. Quando surgem, em leilão, como é o caso das anteriores, atingem preços muito altos. As imagens destas Bellas denotam diferenças no seu tratamento, principalmente nas faces e nas coifas. Talvez um pequeno aprendiz de pintor, encantado com a delicadeza do tema, se tenha aventurado a esboçar o desenho, mas escondendo a sua autoria, receando uma reprimenda. Imaginamos que o seu mestre, divertido com a sua ousadia, deixou que a peça seguisse o seu caminho. Para bem de todos, chegou até nós.


1 - Charles Lepierre "Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna". Lisboa, Imprensa Nacional, 1899, Pág.122.
2/3 - Ivete Ferreira "Os Ratinhos Cerâmica Portuguesa de Cariz Popular". Tese de mestrado, Escola das Artes, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2007, Vol. I, Pág.119.
4 - Alexandre Pais, António Pacheco, João Coroado "Cerâmica de Coimbra". Lisboa, Edições Inapa, 2007, pág.75.