Imagine-se, no século passado, uma pequena aldeia perdida nas serranias beirãs. Casas pequenas, esguias, construídas e amontoadas, para albergar famílias simples e numerosas que viviam do fraco sustento das terras circundantes. Sustento insuficiente, que forçava os chefes dessas famílias a procurarem, noutras zonas, a subsistência que a terra de origem lhes negava. Assim, na época das colheitas, rumavam às grandes herdades do Sul, de searas extensas e abundantes, mas parcas em mão-de-obra.
Partiam, engajados e seduzidos pelo manajeiro que lhes prometera "uma jorna que não é má, duas refeições quentes por dia, uma pinga de vez em quando, tarimba e cobertores"1.
Para trás ficava a aldeia, alcandorada, nas terras altas, que lhes permitia a visão até onde a vista, molhada de lágrimas, alcançava. Adeus, até à minha volta.
Esta palangana deve ter viajado com eles, os " Ratinhos", para as terras do Sul, bem protegida nos alforges que levavam ao ombro, à mistura com mantimentos e saudades. Terá, porventura, constituído moeda de troca por outros bens que lhes eram essenciais.
A decoração que enche o covo, mostra uma mão segura e rápida no delinear das casas, mas já cansada (?) e saturada no preencher do monte em que se observa a rudeza e a pressa nas pinceladas com que foi desenhado. Uma grinalda ondulada percorre a aba. Nas cartelas formadas por essa linha serpenteante, leves apontamentos em amarelo ocre. A cor que predomina é o manganés.
| Imagem retirada da internet |
Maioritariamente oriundos do distrito de Castelo Branco, alguns optavam por ficar. Fixavam-se nas novas terras, integrando-se, mas não esquecendo ou abandonando os seus costumes beirões. Vários locais do Alentejo testemunham essa permanência pelas múltiplas designações que para eles apontam: Monte dos Ratinhos de Baixo, Monte dos Ratinhos do Meio, Monte Novo dos Ratinhos 2.
A decoração com construções arquitectónicas não é das mais vulgares. Mesmo rara. Os edifícios ora surgem quase isolados, ora rodeados de uma pequena paisagem, na qual em harmonia se integram. É o caso das palanganas que a seguir se apresentam.
Habitação única, talvez uma casa senhorial, onde as flâmulas estão hasteadas. Revela uma elaboração cuidada, como o demonstram o lançamento das linhas, o detalhe preciso e o conhecimento da noção de perspectiva. Nota-se que o traço é seguro e célere. A vegetação envolvente, leve e bem projectada, quadra perfeitamente com a ornamentação da cercadura. Uma linha perlada separa o covo da aba, marcando de forma distinta as duas decorações. Os tons únicos - verde e manganés - apontam para uma data de produção mais recuada - primeira metade do século XIX.
Peça já dos finais do século passado, exibe uma decoração que preenche o covo na sua totalidade. O artista ensaiou uma tentativa de representação de uma paisagem. Ao centro, marcando bem a estrutura do esquema ornamental, uma árvore frondosa deixa ouvir o chilreio do pássaro que pousa no ramo mais próximo da casa. Na aba, numa cercadura de flores esponjadas, sobressai o quente do amarelo ocre.
Agradeço a cedência das peças que apresento.
Agradeço a cedência das peças que apresento.
1 - Adriano Pacheco "O povo ratinho". Lisboa, Edição Casa de Pedrogão Grande, 2005, pág.104.
2 - Aristides de Amorim Girão "Migrações Internas Estudos da População Portuguesa". Coimbra, Publicações do Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1948, Pág.17.






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