quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Miragaia II



Um conjunto de faiança de Miragaia

Os belos azuis, profundos, ressaltando do branco do fundo, são uma das marcas que identificam a produção da fábrica de Miragaia, com o motivo País. Aprendi a apreciar esta faiança através dos excelentes textos, publicados nos seus blogs, da Maria Andrade e do Luís Montalvão, 
Iniciei este conjunto com uma loucura. A primeira peça, adquirida a um particular, resultou de uma desejo momentâneo e de uma vontade irresistível de posse. As outras, já mais acessíveis e com valores razoáveis, foram compradas em leilão. Agrupadas, enriquecem a arca, resultando num conjunto harmonioso.
João da Rocha in "Fábrica de louça de Miragaia", pág.5

No ano de 1775, a fábrica de Miragaia foi fundada por João da Rocha e seu sobrinho João Bento da Rocha, nas traseiras da igreja de Miragaia, estendendo-se, pelas escarpas e adoptando uma edificação em patamares.
Beneficiou da proximidade das margens  do rio Douro que permitia a chegada das matérias-primas, essenciais para a sua produção e um rápido escoamento das peças para o Brasil e África.
Gravura de Raimundo Joaquim da Costa, Colecção MNSR
O motivo conhecido pela designação País, vive unicamente dos azuis e branco. A qualidade destas cores imortalizou-se e das peças decoradas com estes tons diz-se que são "azul de Miragaia". Do livro de receitas da fábrica constam dezoito modos de produzir esta cor, havendo referência a vários tons de azul, destacando-se,  a receita nº 37 descrita como "receita de azul melhor de uso comum da fábrica"1. A sua composição continha óxido de cobalto, sal de tártaro e silicato de cobalto.


In "Fábrica de louça de Miragaia", pág:89


A prospeção arqueológica junto das fábricas tem contribuído para trazer luz a muitas das dúvidas que se colocavam quanto á atribuição de peças a determinados centros de fabrico, pois os vários fragmentos que se encontram in situ permitem obter algumas certezas. Também em Miragaia foi feita uma sondagem e colhidos vários elementos.
A importância das marcas existentes no tardoz das peças permite a certeza da sua produção. Quando não existe, as atribuições fazem-se tendo em conta critérios estilísticos "considerando a apreciável similitude das produções das diversas unidades fabris do Porto e Vila Nova de Gaia desde os finais do século XVIII e ao longo da centúria seguinte"2.

                                                In "Fábrica de louça de Miragaia", pág:101


 O motivo País vai derivar da faiança denominada Herculaneum Pottery, de Liverpool, criada por Ralph Mansfield. A influência inglesa torna-se predominante após a derrota de Napoleão Bonaparte. A louça produzida em Inglaterra entra em força na Europa trazendo, como novidade, a decoração pelo processo da estampilha. "Grande parte destas peças, por facilidade técnica, era decorada a azul e utilizava como modelo as gravuras em voga na época, a maior parte das quais descreviam paisagens inglesas com as suas ruínas, castelos e casas apalaçadas que o romantismo tanto apreciava, ou então continuava a seguir as decorações orientais que nunca deixaram de influenciar as composições decorativas europeias"3.







As travessas, moldadas e de covo acentuado, bordo recortado, ambas de produção de Miragaia, apresentam uma decoração similar, marcadas por pequenas diferenças, patentes no completar da composição: base e vegetação envolvente. A aba mostra uma decoração de fundo esponjado, com flores e folhagem a azul e branco. As marcas, a letra gótica, uma delas ladeada de ramos de louro. 



In "Fábrica de louça de Miragaia", pág:220






 Dois pratos de serviços diversos. As marcas de fábrica também são diferenciadas. A da esquerda apresenta as iniciais M.P (Miragaia/Porto). Peças moldadas, circulares, de covo pouco acentuado e aba levemente levantada, com canelura junto ao bordo e recortado em forma de aletas. A aba mostra uma decoração de fundo esponjado, com flores e folhagem a azul e branco. As marcas, a letra gótica. Uma unicamente com as iniciais e outra com a expressão "Miragaia Porto", ladeada de ramos de louro. 



1- Isabel Maria Fernandes "Fábrica de louça de Miragaia", pág.55.
2- Manuela Ribeiro/ António Silva "Fábrica de louça de Miragaia", pág.85.
3- Margarida Rebelo Correia "Fábrica de louça de Miragaia", pág.101.





4 comentários:

  1. Cara Ivete,
    Como gosto de ler suas postagens, pois além de aprender tanto sobre um assunto que muito aprecio, viajo no seu texto e suas fotos!
    Obrigado por cada uma de suas publicações neste seu blog maravilhoso.
    abraços!
    Fábio

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    1. Fábio

      Agradeço as suas palavras tão gentis. A faiança é um mundo infindável, pois estão sempre a surgir novas peças e novas pistas. A fábrica de Miragaia produziu peças de grande qualidade e com decorações variadas. Marcou uma época e por isso, as atribuições são mais que muitas. Tudo é Miragaia...

      Ivete

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  2. Ivete

    Que belas peças que hoje nos traz aqui e ficam lindamente em cima dessa arca. Recordo-me que há uns anos, visitei em trabalho uma casa particular no Alentejo, que tinha um serviço completo de jantar Miragaia exposto. Uma parte, colocada sobre uma cômoda ou aparador e outra por cima num escaparate de pratos. O conjunto produzia um efeito fabuloso, pois este padrão que simplifica um motivo de origem inglesa é extremamente apelativo.

    Ainda bem que eu e a Maria Andrade lhe despertamos o gosto por este padrão.

    Nunca é demais escrever sobre Miragaia. Continuam-se a fazer tantas confusões no mercado de velharias com este nome. Tudo o que é azul e branco e antigo é atribuído a Miragaia.

    Um abraço

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  3. Luís

    A imagem que descreve do serviço de Miragaia exposto na totalidade numa casa do Alentejo deve ser de cortar a respiração. Aprendi a apreciar as peças desta fábrica através das suas palavras e das suas imagens.
    Os azuis ressaltam sobre a cor escura dos móveis em que estão expostos. É de salientar a consideração desta fábrica no Norte, por comparação nas zonas mais a Sul.

    Um abraço

    if

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