sábado, 28 de outubro de 2017

Ana e Mateus ...os Meninos Gordos



Ana e Mateus, seu irmão, eram naturais do Piemonte, Itália, onde nasceram na primeira metade do século XIX. Por serem anormalmente obesos, inseriam-se na categoria de "curiosidades". Uma vez apresentados à corte do Piemonte, a partir daí iniciam uma digressão pelas diversas cortes europeias, chegando a Portugal no ano de 1842. 
Sendo uma forma de fazer dinheiro, graças à sua extraordinária obesidade, percorreram o nosso país, "tendo sido mostrados nas vilas e cidades por onde foram passando, em salas de espectáculo improvisadas"1. 
Para que o público acorresse a ver estas crianças, os promotores dos espectáculos recorriam à publicidade, imprimindo prospectos com imagens e descrição das crianças em causa.


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Mateus e Ana Perrera   percorreram algumas localidades do norte - Porto, Braga e Guimarães - tendo como seu empresário o Sr. Teixeira, que os apresentava em espaços improvisados, a preços convidativos e num horário alargado, que conviesse a todos.
Nas gravuras e folhetos que circulavam, eram retratados ambos de saias. Ana diferenciava-se pelo cabelo e por ter uma boneca nas mãos. Seu irmão, Mateus, "mostrava uma espécie de suspensório enviesado e colocado sobre o seu ombro direito"3.

Por serem diferentes, eram recordados e motivo de conversas nos serões e entardeceres, originando histórias que se perpetuaram na memória de muitos. Uma dessas memórias chegou até aos nossos dias na faiança portuguesa. Sempre foi do gosto dos ceramistas a reprodução de datas  e factos marcantes da nossa história e vida social. Os Meninos Gordos são disso exemplo. "O prato com os Meninos Gordos contava, narrava um acontecimento que se conhecia e outros conheciam, ou de que, pelo menos, tinham ouvido falar"4.



Assim sendo, os artesãos reproduziram largamente as imagens dos Meninos, quer porque os tenham visto ao vivo, quer por terem tido acesso às gravuras que circulavam entre as pessoas. Vários tipos de peças foram produzidas - pratos, canecas e paliteiros - sendo os primeiros os que restaram em maior quantidade, talvez  porque muitos desses pratos só serviam em ocasiões especiais.



                  




Relativamente à cronologia, podemos concluir que estas peças foram produzidas seguramente a partir de 1842-43, até um período bem mais dilatado de cerca de quarenta anos, dado que as figurações, continuavam em uso durante mais alguns anos. 
Quanto aos centros de fabrico, com segurança, podemos atribuir a sua produção à fábricas do norte, principalmente as existentes em Gaia e Viana. As características evidenciadas por esta última são fáceis de imputar. Distinguir as fábricas gaienses é problemático, dadas as semelhanças que apresentam entre si. São elas Bandeira, Fervença, e Afurada.


Bandeira(?)

Localizada no Largo do Mártir Sebastião, laborou desde a década de vinte até finais do século XIX.
Vive principalmente da sua decoração vistosa, policromia viva e forte e das suas cercaduras totalmente preenchidas com recurso à técnica da estampilha, sendo evidente o horror ao vazio.


Fervença (?)

Fundada em 1824 por Manuel Nunes da Cunha, situava-se no lugar de Fervença, perto do convento da Serra do Pilar. Produziu faiança de boa qualidade, rica em policromia. Entre as peças que lhe estão  atribuídas, destaca-se um prato todo em azuis, com uma aba decorada por estampilhagem, onde sobressai uma faixa formada por porcos.

Afurada (?)

Esta fábrica surgiu em 1789, no lugar do Lazareto, Gaia, fundada por Joaquim Ribeiro dos Santos. Fechada durante o período das Invasões Francesas, vai conhecer um período conturbado, passando pela mão de vários proprietários. O prato mostra uma decoração menos vistosa e com espaços mais livres e uma cercadura polícroma, executada à mão livre.


Viana 


Situada na margem esquerda do rio Lima,  fronteira à cidade de Viana do Castelo, a fábrica de Viana exportava grande parte das suas peças
 para o Brasil e Galiza. A produção dos pratos dos Meninos Gordos pertence ao terceiro período (1790-1820) de laboração da fábrica, caracterizada por uma decoração mais pobre, de composições simples e estampilhada.
Revela uma aba encordoada com perfil ondulado.

Este texto teve como suporte o livro "Meninos Gordos Faiança Portuguesa", de Isabel Maria Fernandes.Porto, Civilização Editora, 2005.

1 - Isabel Maria Fernandes " Meninos Gordos Faiança Portuguesa", pág.7.
2 - Isabel Maria Fernandes " Meninos Gordos Faiança Portuguesa", pág.8.
3 - Isabel Maria Fernandes " Meninos Gordos Faiança Portuguesa", pág.16.
4 - Isabel Maria Fernandes " Meninos Gordos Faiança Portuguesa", pág.23.

3 comentários:

  1. Ivete

    Muito interessante. O catálogo dos Meninos Gordos é um belo trabalho acerca dos motivo desses pequenitos italianos, bem como tentativa de sistematização de padrões decorativos das fábricas do Norte. Aprecio imenso o que li da obra de Isabel Maria Fernandes. Há uns tempos consultei uns textos sobre barro preto desta autora e eram estupendos. É uma pessoa que um dia gostaria de conhecer pessoalmente e ter uma aula prática sobre faiança portuguesa nas reservas de um bom museu. Deve-se aprender imenso com ela.

    Um abraço

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  2. Luís

    A obra "Meninos Gordos" da Drª. Isabel Fernandes marca a história da nossa faiança. É uma pessoa de fácil convívio, que fala connosco sem ares de sobranceria e erudição. Conhecia-a há alguns anos, quando tratava da investigação para a tese sobre os Ratinhos.
    Quanto aos Meninos Gordos, dado que na época não existiam tantas hipóteses de diversão, esta era a que restava para colmatar as faltas que se faziam sentir. Eram uma curiosidade que os empresários deixavam ver por uma quantia considerada razoável. Assim era a vida de oitocentos.

    Um abarço
    if

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    1. O ser humano sempre teve uma certa atracção pelo sórdido, pelo estranho e pelo aberrante. Não há agora na televisão uns programas horríveis, em que pessoas obesas submetem-se a programas violentos de exercícios físicos para perderem 40 ou 50 kilos e que são extremamente populares?

      Parece que as pessoas gostam apreciam ver na televisão ou num circo a desgraça alheia.

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