segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Salva de aguardente Miragaia (???)







Uma surpresa ...
Foi posta em praça, no último leilão da Cabral de Moncada, esta salva de aguardente. De imediato, nasceu uma intensa vontade de a ter, que, felizmente, se concretizou.
Face à descrição exaustiva de que foram objecto as peças análogas que vi, lindas e muitíssimo bem caracterizadas nos blogs do Luís, da Maria Andrade e da Maria Paula, creio que não há muito mais a dizer. Talvez, como indicam as várias interrogações apostas no título deste post, esta se possa aproximar do fabrico de Miragaia, pois apresenta as flores que são um dos elementos marcantes da sua produção. Por comparação com as outras peças registadas, a base é muito semelhante às mostradas, diferindo na cercadura do prato e na decoração central.






O prato exibe uma cena de casario alargado, querendo, porventura, lembrar uma pequena localidade, perdida no território. Não é, de todo, a costumada cena do pagode chinês, com as suas cúpulas redondas, a ponte e as árvores laterais. Pelos escassos exemplares que pude observar, todos eles mostram decorações diferenciadas. 

O fim a que se destinavam estas peças - aproveitamento da aguardente, através da recuperação dos pingos caídos dos copos bolcados- faz-me recordar uma pequena história que se passou comigo, já lá vão alguns anos, nas longínquas terras transmontanas. Num fim de tarde de Outubro, chuvoso e em que o frio apertava, fazia-se aguardente num grande alambique de cobre. As brasas ardiam e um fio escorria lentamente para o recipiente onde era recolhido. Quiseram dar-mo a provar, num daqueles pequenos copos de vidro estriado, com as marcas bem nítidas das várias vezes em que tinha sido cheio. Ingenuamente, bebi de uma só vez. As lágrimas caíram, tal o ardor que senti. Remédio santo. Até hoje, nunca mais toquei numa gota desse precioso líquido.



Um outro exemplar desta espécie de peças, este fotografado na leiloeira Marques dos Santos, a quem agradeço a gentileza por me ter permitido fazê-lo.
A decoração é  mais singela e muito agradável ao olhar. O ramo florido atravessa longitudinalmente a superfície do covo, conferindo-lhe um ar primaveril. De possível (?) atribuição a Gaia ou Coimbra, por comparação com algumas terrinas que apresentam decoração e paleta cromática semelhantes.














quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Algumas peças em Cantão Popular

Peças decoradas com o motivo Cantão Popular



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Uma pessoa de família reuniu uma bela colecção de peças com a decoração conhecida por Cantão Popular. Estas terrinas demonstram o seu bom gosto. Se bem que se assemelhem no motivo decorativo e na forma, apresentam algumas diferenças nas pastas e nos azuis, uns mais intensos, outros mais esbatidos. Feitas por e para pessoas simples, eram executadas em materiais mais grosseiros,  apresentando alguns defeitos, como o vidrado escorrido e a pintura algo apressada. O facto de terem chegado inteiras até aos nossos dias, demonstra a estima em que eram tidas e o cuidado no seu manuseio.
De conformidade com as palavras que o Luís Montalvão escreveu no seu post, de 9.10.2010, o motivo conhecido por Cantão Popular, mais não é que "a adaptação livre e ingénua da louça inglesa do Willow Pattern e foi fabricado em Portugal por várias oficinas, a maioria anónimas, desde o início do século XIX até aos anos 60 ou 70 do século XX. 
A partir do momento em que se estabeleceu o contacto com o longínquo Oriente e logo que as peças oriundas da China começaram a chegar aos mercados europeus, as chinoiseries (muitas delas simples interpretações, algumas bem fantasiosas) tornaram-se moda em muitos ramos das artes decorativas e a cerâmica também acompanhou a nova tendência. O motivo conhecido entre nós por Cantão Popular, inspirado na porcelana inglesa, foi popularizado por Thomas Minton, cerca de 1790 e passou a caracterizar a porcelana inglesa desse período, rivalizando, quer em qualidade, quer na economia do preço, com a sua congénere chinesa.



  




Este prato coberto encanta pelas suas dimensões reduzidas, aproximadamente 23 cm. Também se insere, tal como as peças anteriores, na classificação sugerida pelo Luís, como um exemplar da família da "árvore de fruto". A liberdade de inspiração dos anónimos artistas, fosse por dificuldades de representação, fosse pela superfície reduzida que tinham para decorar, levou a que não estejam presentes alguns dos elementos - arvores, figuras lendárias, pombas - que inicialmente individualizaram este padrão.




Para finalizar, uma pequena jarra e uma chávena, estas com a figuração do pinheiro. A partir de um esquema decorativo conhecido e  bem dominado, os artistas demonstram a sua capacidade criativa,  interpretando, a seu modo, os elementos que caracterizam o Cantão Popular. 






"Velharias do Luís"- Luís Montalvão
"Arte, Livros e Velharias" - Maria Andrade





quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Jarro da Fábrica do Senhor do Além (?)






Uma peça interessante e invulgar, que desperta a atenção, quer pelas dimensões, quer pela forma e ainda pela riqueza decorativa. Forte probabilidade de ter sido produzida no início do século XX. 
É atribuída, por um coleccionador de escol, à Fábrica do Senhor do Além, situada na vertente norte da serra do Pilar, nas margens do Douro, em Vila Nova de Gaia. Foi uma das muitas fábricas vilagaienses, que existiram e laboraram nesta zona, nos séculos XIX e  XX. 

Ruínas da Fábrica do Senhor do Além
Imagem retirada do Blog "Monumentos Desaparecidos"
 Fotografia de Alexandre Silva
No ano de 1861, as instalações foram vendidas a António Rodrigues dos Santos, sendo o imóvel caracterizado como "uma propriedade de casas no sítio que foi antigamente o Hospício do Senhor d'Alem"1. A partir de 1866, a fábrica fica sob a gerência dos irmãos Vieira Braga. Estes, por dissensões internas, não conseguem manter a sua laboração e vai entrar num período de decadência. Finalmente, em 1908, uma nova gerência dá-lhe vida e fulgor. Adquire prestígio e a sua produção artística torna-se conhecida e apreciada. Embora não sejam muitas as peças conhecidas e marcadas, existem algumas que, inclusivamente, têm constado da almoeda de algumas casas leiloeiras, como a Cabral de Moncada.




Peça bem lançada, com um esmalte branco baço e uma paleta cromática forte e viva. Frontalmente, como se vê na primeira imagem, apresenta uma pequena albarrada, com flores em tons de rosa forte e amarelo. Poderá estar associada a idênticos motivos decorativos da produção azulejar a que a fábrica se dedicou no seu último período de laboração. Lateralmente, e nas imagens que antecedem, podem ver-se as armas de Portugal e do Brasil, encimadas pelas respectivas coroas real e imperial, e ladeadas por palmas. Todo este trabalho é relevado.  No frete, recolhido, bem como no início do bojo e no terminal da boca, observam-se cinturas de perlados, azuis e rosa, numa alternância ritmada e bem conseguida.



A boca é larga e bem lançada, admitindo-se que nela possa ter sido aposta  uma tampa. A asa, elegante e de forma auricular, num belo tom azul esverdeado, apresenta trabalho relevado, terminando num emaranhado de folhas.




Termino este post com uma pequena história, contada através de uma outra peça de faiança, exactamente do mesmo modelo e forma, também relevada, mas com paleta cromática diferente, alusiva a um aluno que sonhava, quem  sabe, com o canto dos grilos e com os espaços abertos que o deixariam mais feliz do que as repetidas lições do Senhor Professor. Como o respeito e a autoridade do mestre eram, à data, inquestionáveis e soberanos, o pai do garoto, cerâmico na Fábrica do Senhor d' Além, ciente de que o seu filho era um aluno rebelde e traquinas, modelou este jarro e ofereceu-o ao Mestre, como que pedindo desculpa pelo comportamento do seu rapaz.
Frontalmente pode ler-se o nome do homenageado António de Oliveira Reis, professor primário na freguesia de Avintes, ladeado pelos escudos de armas de Portugal e do Brasil.
"A Cerâmica em Vila Nova de Gaia", pág.286

A singularidade da peça está na tampa, que exibe todos os elementos necessários ao trabalho escolar: o quadro preto, o compasso, o esquadro, a secretária, o tinteiro, o ponteiro, a palmatória, o livro e a pena para escrever. Ao centro, choroso, o sonhador castigado...


  "A Cerâmica em Vila Nova de Gaia", pág.287


1 - Manuel Leão " A Cerâmica em Vila Nova de Gaia", Fundação Manuel Leão, 1999, pág: 284







segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Bandeiras ... do meu enternecimento


Era uma vez ... 
Dois pratos - um galo e um prato de garfo e faca - peças belíssimas, atribuídas à fábrica de Bandeira.
Foram adquiridos por meu Pai, em Borba, pela exorbitante... quantia de vinte escudos. Numa das suas viagens de serviço, acompanhado por um colega, este verdadeiro apreciador de faianças, entusiasmou-se e iniciou a sua e... minha colecção.
Muitos anos moraram na parede da sala de jantar, numa curiosa miscelânea, em que imperavam como únicos exemplares da produção de faiança portuguesa. 
Tão grande era a minha afeição que, quando foi a minha hora de "voar mai'lo meu homem", me seguiram. Outros se lhe juntaram. Formam, nos seus conjuntos - casario, garfo e faca e outros de que brevemente falarei - famílias decorativas, garridas e joviais, alegrando festivamente as paredes da sala.


Casarios inseridos em paisagens. Assemelham-se no conjunto arquitectónico. Diferenciam-se no tipo de vegetação - as árvores - e nas cercaduras.

A Fábrica da Bandeira nas palavras de Pedro Vitorino era "pequena, produzindo faiança vulgar e de uso doméstico; pintura policrómica predominando a estampilhagem"1. Não era costume desta Fábrica - tal como acontecia na generalidade da nossa faiança - marcar as peças, pelo que, muitas vezes, a sua atribuição se torna difícil e algo empírica. No entanto, os tons quentes que a caracterizam, a decoração "vistosa e densamente aplicada"2, o horror ao vazio que predomina nas suas abas e os pormenores de pintura à mão livre que completam as suas composições constituem indícios que tornam mais próxima a sua identificação/classificação.
Apesar de ser uma faiança "ordinaria e de uso doméstico"3, a sua produção foi distinguida com menções honrosas, na exposição de 1882, no Palácio de Cristal, no Porto e na de 1894, realizada em Gaia.



Nestes dois pratos, o casario envolve-se de forma harmoniosa com a vegetação, sendo de salientar a noção de perspectiva, se bem que ainda rudimentar. Aba com rosas e folhas, em tons quentes e vivos, principalmente os alaranjados. Igualizam-se  na disposição do conjunto de casas, mas distinguem-se nas envolvências: base e arvoredo.



Estes exemplares, mais pobres pela ingenuidade na composição das casas, demonstram uma mão algo insegura. Revelam, no entanto, uma acrescida singularidade na vegetação: palmeiras e cedros (?) e outras espécies que não consigo identificar. Na decoração da aba do primeiro prato ressaltam mal-me-queres, unidos por linhas onduladas em tom de azul.




Outra gramática decorativa: garfo e faca cruzados, intercalados com postas de peixe. Nas abas podem ver-se rosas e camélias, por entre folhas espessas, vibrantes nos seus tons de verde. 
A mesma tendência de profusão de cores, de superfície completamente decorada, na tentativa conseguida de agradar aos olhos, fazendo esquecer as dificuldades quotidianas que se sentiriam.


Para o fim, o prato mais especial. Um garfo e duas cabeças de peixe. Rico no desenho, na paleta cromática, na alegria e ingenuidade do tema.
Bom apetite!









1 - Pedro Vitorino "Cerâmica Portuense", Edições Apolino, Gaia- Portugal,MCMXXX
2 - Isabel Maria Fernandes "Meninos Gordos Faiança Portuguesa", Civilização Editora, 2005, Pág. 34
3 - Charles Lepierre "Cerâmica Portuguesa Moderna", Lisboa, Imprensa Nacional, 1899,Pág. 108



segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A Faiança Ratinha na Exposição de Évora, em Junho de 1956






Por verdadeiro acaso, deparei-me com esta preciosidade. Ou quereria ela  encontrar-se comigo? Foi um coup de foudre imediato. Folheei-a com cuidado, não fosse ela esconder e encerrar os seus tesouros. 
Este pequeno Catálogo da "Exposição de Cerâmica Antiga Europeia e Oriental (Séculos XVI  - XIX)", foi publicado pela Comissão Municipal de Turismo para a exposição que esteve patente no Palácio de D. Manuel", em Évora, no mês de Junho de 1956.
Com a contribuição dos seus proprietários, foi possível reunir uma amostra significativa de peças, entre as quais alguns pratos de Faiança Ratinha.


Túlio Espanca
(imagem retirada da internet)

Comissariada por Túlio Espanca, investigador eborense, autodidacta e autor de inúmeros artigos e trabalhos, versando o património artístico do Alentejo, foi, entre várias publicações, autor do volume referente ao distrito de Évora, para o Inventário Artístico de Portugal.
Conhecedor e apreciador da faiança portuguesa, pretendeu, com esta mostra realizada em Évora, dar-lhe o merecido lugar de destaque na "História da Cerâmica Artística"1.

No decorrer do século XIX, realizaram-se diversas  exposições industriais, quer a nível nacional, quer regional.  No distrito de Coimbra decorreram várias, destacando-se a que aconteceu no ano de 1884. Nela participaram diversos produtores cerâmicos, entre eles Adelino Pessoa e Irmãos, que apresentaram "louça de consumo ordinário, produtos baratos para os mercados populares, com interessantes pinturas: plumagens, flores caprichosas, algas e penas de pavão, feição característica da faiança coimbrã"2. Esta referência tem um nexo: a Faiança Ratinha, coimbrã, popular e económica, rica e chamativa, apelando aos sentidos pela sua cor e alegria.
A família Pessoa, notável dinastia de ceramistas de Coimbra, percorreu os séculos XIX e XX (parte), produzindo louça branca, nas suas duas vertentes: fina ou de Vandelli e grossa, de segunda qualidade. Será nesta última categoria que podemos incluir os pratos que figuraram na exposição de 1956 e de que foi possível identificar o percurso, até integrarem o acervo do Museu Machado de Castro. 



Analisando as descrições constantes  do catálogo, verifica-se que são oito as entradas - que correspondem aos nºs 90 a 97 - nas quais constam as expressões: Tipo "ratinho", fabrico da região de Coimbra, séc. XIX, das características da anterior, faiança do mesmo género, decoração idêntica, loiça ratinha. Dos proprietários que cederam as suas peças sobressai o nome do Eng. Júlio Reis Pereira. Além deste, mais dois nomes são referidos: os do Sr. Venceslau Lobo e do Sr. João Capa. Quer as imagens, quer as descrições, embora sucintas, permitem concluir que os exemplares expostos pertencem à denominada  faiança ratinha.
Os quatro pratos expostos no escaparate pertenciam ao Sr. João Capa. Quando os fotografei, incorporavam já a colecção do Engº José Alberto Reis Pereira.
A colecção reunida por Júlio Reis Pereira, pintor e poeta, e grande coleccionador, foi conservada, na totalidade, por seu filho, Eng. José Alberto Reis Pereira. Por disposição testamentária deste último, integra agora a colecção do Museu Machado de Castro.  

Plasmados como exemplos da figuração humana e zoomórfica atestam, sem sombra de dúvida, a sua origem "ratinha": materialmente pobre, mas rica no colorido e na diversidade das decorações.








Um outro prato, que não figura no escaparate fotografado, mas que foi possível identificar pela descrição que se encontra sob o nº 95, a fls. 28:



Belíssima palangana, com 35,5 cm de diâmetro. Pertenceu ao Sr. Venceslau Lobo, mas teve o mesmo destino - a colecção Reis Pereira. Tem a seguinte descrição:" Faiança; esmalte branco, decoração polícroma, com predomínio do verde, tendo no fundo um tocador de sanfona e um rapaz do povo". Rodeia o par, uma cercadura ondulada de pequenos círculos verdes, realçada por perlados, em manganés.





Por último, com figuração festiva, uma outra palangana, com a representação de uma construção "castelo ou touródromo embandeirado".


1 - Túlio Espanca - "Exposição de Cerâmica Antiga Europeia e Oriental", pág.9.
2 - 1º Centenário da Exposição Distrital de Coimbra. Coimbra, Secretariado das Comemorações, 1984, pág. 40-

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Um gato ... ratinho







Belíssima palangana, de dimensões invulgares - 36,7 cm -, rica nas cores e no tema: um imponente, mas pachorrento, gato, que nos olha, de modo felino e intrigante, do meio das plumas que o rodeiam.
Com ele está associada uma discussão/debate recorrente: Gato ou mocho? Mocho ou gato?
Se bem observarmos e atentarmos nos pormenores: olhos amendoados, orelhas ponteagudas, bigodes numa cara arredondada; patas bem assentes, tudo nos aponta para esta fera doméstica. 
O modelo poderia bem ser o exemplar tigrado que habitasse a casa do oleiro e  gostasse de se passear pela oficina.
O pintor, num rasgo de originalidade, captou-lhe a expressão e registou-a, qual fotografia, no covo da peça.
Conferiu-lhe um ar vanguardista - talvez com alguma influência de Picasso -, com elementos fisionómicos desacertados e não coincidentes. Qual janela bem florida, enquadra-se numa moldura formada por duas plumas de pavão que, partindo da base, sobem pela aba e se unem no topo. Pinceladas intensas e cheias, numa alternância de tons verdes, azuis e amarelo ocre, demonstram a mestria do artista. Um traço forte, neste último tom, realça o conjunto.



Produzido numa qualquer oficina anónima, das muitas que existiam na cidade de Coimbra, saiu das mãos, também anónimas, de um artesão. Utilizou-se a pasta mais pobre e grosseira, a que primeiro se acumulava nos barreiros e era usada para confeccionar  as "faianças mais ordinárias a que se dá o nome de ratinhas"1.
Dado que era uma faiança destinada às camadas populares, de menores recursos económicos, a aplicação apressada e menos cuidada do vidrado estanífero não foi bem sucedida.  Daí apresentar deficiências - zonas de chacota expostas - demonstrativas de uma colocação desatenta, como se pode ver na imagem.








PCV, Leilão 201, Outubro 2008, pág.125
Uma outra palangana com 35,5 cm de diâmetro, também representando um gato, sentado numa posição pouco comum. Apesar da ingenuidade dos traços a envolvente florida confere-lhe realce e alguma graça.

Estes dois exemplares integram a categoria da decoração zoomórfica da Faiança Ratinha. Nesta, as espécies mais figuradas foram as aves e os peixes. Outros animais, como é o caso destes gatos, são mais raros. Outros, ainda, como cães, cavalos, ovelhas, etc., complementam o esquema organizativo, enriquecendo o motivo central.


1 - Charles Lepierre -"Estudo Chímico e Tecnológico sobre a Cerâmica Portuguesa Moderna", Lisboa,Boletim do Trabalho Industrial, 1912, pág.119.
Catálogo do Palácio do Correio Velho, Leilão nº 201, Outubro de 2008, lote nº 227





segunda-feira, 14 de julho de 2014

Uma flor...uma bonita flor






Uma flor
Uma pequena flor,
Eu colhi
Estava a pensar em ti
(...)
Entre Aspas, "Edelweiss", 1997



Uma flor... Uma flor oferecida...  Uma flor para a enamorada...

Um original prato de faiança coimbrã, provável produção de Brioso - precursora da Faiança Ratinha-, demonstrativo da ingénua fantasia do oleiro que o executou. Ornamentação sui generis, com um par amoroso, em que o homem oferece uma flor, num gesto enamorado, em que transparece a sua afeição pela formosa (?) dama.
O par, trajando à moda de finais do século XVIII, ele de calção, meia branca e casaco cintado, ela de saia e sobressaia, com anquinhas e um decote muito pronunciado e malicioso, mostra uma certa incongruência nas formas. A mulher, mais alta, ocupa metade do covo, estendendo-se para a aba. Podemos pressupor que deve ter sido delineada em primeiro lugar, pelo espaço mais reduzido  que o seu par ocupa. A fim de obstar à sua menor estatura, o pintor teve que altear a base onde ambos assentam, a fim de que as suas faces  ficassem ao mesmo nível visual. É interessante o facto de os corpos se encontrarem de frente para os espectadores, mas as caras se apresentarem de perfil. Numa composição bicromática, unicamente nos tons azul cobalto e manganés, conseguiu-se uma decoração rica de pormenores, mas ingénua nos seus traços gerais. Uma ornamentação formada por pequenas cartelas, cheias com filamentos cruzados, enriquece a aba.





A designação "Brioso" provém de um ceramista oleiro de Coimbra, António da Costa Brioso,  identificado nos finais do século XIX, por António Augusto Gonçalves. A produção de Coimbra, de finais do século XVIII, de melhor qualidade era, genericamente, atribuída a Vandelli. Porém, no momento em que se descobriu uma pequena travessa, datada e assinada "Brioso, 1779", as dúvidas desfizeram-se: a manufactura de Brioso antecedia, em cinco anos, a fundação da fábrica de Vandelli. 
Ironizando - e contribuindo, também, para dilucidar a situação Brioso/Vandelli -, é de evocar o seguinte trecho, escrito por uma das freiras mais novas do Mosteiro de Lorvão, D. Inês Benedita, aquando de um infeliz acidente, em que um bule, tido em grande estima pela sua possuidora, se quebrou:  "Não foi, senhora, no distante clima da China, ordinária pátria dos bules, que nasceu o meu herói; Coimbra, esta lusa Athenas de Portugal, lhe serviu de berço, e para que nascesse logo com avultados brios, contam os historiadores que foi Brioso o seu augusto projenitor. Brioso, este homem, que despresou a aliança com a illma. fabrica de Vandelli, que o pretendeu para consorte, e só achou a exma sra D. Olaria digna esposa a seus altos merecimentos, sendo inumeravel a descendência que deu a todo o reino e fora d'ele. Foi sempre o ellmo sr. D. Bule de Barros (de quem choramos hoje a perda), o filho mais dilecto do seu coração, vendo-se desde a infância tão melindroso como vidrento e fazendo biquinho a tudo quanto via. Ele receia embarca-lo para a América ou expô-lo nas lojas à censura do publico"1.





1 - Charles Lepierre "Ceramica Portuguesa Moderna", Lisboa, 1899, págs: 235 e 236.
Alexandre Pais, António Pacheco, João Coroado "Cerâmica de Coimbra", Edições Inapa, 2007
"Estudo sobre o Estado Actual da Industria Cerâmica", Lisboa, Imprensa Nacional, 1905.